Entrevista: Pedro Borges / Edição de imagem: Vinicius Martins
O Alma Preta questionou as mais diversas correntes do movimento negro sobre o momento atual
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Hélio Santos, presidente do Instituto Baobá: Temer o Temer. Em 15 de março deste ano postei em meu blog um artigo com o título: “Dilma Vana Roussef” e com o subtítulo acima. Portanto, não foi por falta de aviso. Todas as pessoas com experiência em combater os preconceitos e intolerâncias percebem o que se dá com o processo de impeachment em curso. Numa democracia deve haver absoluta liberdade em protestar, discordar, propor mudanças. Essa lista não tem fim. Todavia, nota-se um plus na forma como a figura da presidenta é tratada. Lembram-se na
Copa do Mundo os palavrões em uníssono sendo gritados por dezenas de milhares de pessoas? Naquele artigo eu afirmei que há contra a presidenta uma energia de fundo definitivamente machista que vem mascarada e misturada no meio do bolo do processo em curso. Algo introjetado na alma do Brasil profundo. Muitas digressões poderiam ser feitas aqui agora sobre os mais diferentes aspectos, incluídos os de responsabilidade do PT. Mas esqueçam do PT: o que Dilma sempre teve a seu favor não é de cunho partidário. Sua biografia é quem diz de seu caráter e sobretudo de seu compromisso com a mais legítima causa nacional. Dilma não cometeu crime que justifique impeachment. Causa consternação e profunda frustração com a nossa incipiente democracia ao vê-la sendo julgada por inúmeras figuras sem o menor lastro cívico e moral.
Juarez Xavier, coordenador do Núcleo Negro da Unesp para Pesquisa e Extensão, NUPE: O processo de impedimento da presidenta Dilma Rousseff é uma ruptura com o estado democrático de direito. Um golpe! Há vício de origens nos procedimentos e conteúdos aprovados. O que está em jogo, porém, –como demonstraram os processos eleitorais desde a democratização- é o papel do estado na eliminação das desigualdades sociais. A disputa é pelos recursos do território, e sua destinação. Ela opõe a elite conservadora, aliada a uma fração fascista da classe média [como evidenciam as manifestações na esfera pública] versus os quase 70% da população que vivem em condições vulneráveis, próximas da linha mínima de dignidade, “quase todas e todos pretas e pretos”. Frear as ações conservadoras dessa fracção minúscula [que concentra dois terços do PIB, e deposita um terço desse total em paraísos fiscais] é condição necessária para a continuidade da pauta política
do movimento negro, contra o extermínio da população afrodescendente no país.
Juninho Jr., presidente estadual do PSOL-SP: A revolta da Casa Grande não nos representa: pretos, pobres e periféricos. A nossa frágil democracia, essa que ainda não chegou plenamente para as periferias, precisa ser defendida para evitar que retrocessos maiores aconteçam. O bloco que tentar tomar o governo a qualquer custo representa o que tem de mais reacionário neste país, com propostas concretas para piora das condições daqueles que estão no andar de baixo da luta de classe. Não podemos ter dúvida que no próximo período teremos que estar nas ruas lutando pela democracia, mas sobretudo lutando pela vida do nosso povo, pois sempre somos os primeiros atingidos pela crise.
Marcos Romão, SOS Racismo: Tem três anos que de volta ao Brasil, estou nas ruas do Rio de Janeiro e acompanho tudo que rola em nossas periferias. Me faltavam palavras para resumir o que vejo e sinto na carne, sobre a atual crise política e seus efeitos para as populações negras e as que vivem assemelhadas nas periferias do Brasil. Até que minha amiga, Pedrina de Deus, me enviou uma mensagem: com impeachment viveremos um choque. Sem impeachment viveremos um choque. É como interpreto a relação da população negra com a crise política brasileira, como em estado de choque. Só podemos dizer que é briga de brancos e tá sobrando é pra gente.
Aganju Shakur, Reaja ou Será Morta/o: Recentemente o conjunto de linhas auxiliares foi convocado por seus senhores brancos a compor manifestações em “defesa da democracia e contra o golpe”. As linhas auxiliares responderam à convocação de seus patronos, constituindo um genuíno “exército reserva de auto-ódio” que desfilou pelas grandes cidades brasileiras munidos de selfies e palavras-de-ordem oriundas dos olhos azuis do Planalto. Um exército reserva doutrinado na cultura política da subjugação racial, no apodrecimento ideológico e que tem se retroalimentado, constituindo novas lideranças, novos lobbys; a única crise que esta em questão é da branquitude de esquerda e direita. No que diz respeito a nos da campanha Reaja ou Será Morta\o, avaliamos que há uma guerra racial de alta intensidade contra a comunidade negra, que se intensificou nos últimos 13 anos diante da intrincada teia de dispositivos genocidas do governo supremacista branco do PT. De fato a supremacia branca é insustentável, seus governos e linhas auxiliares estão fadados à ruína. É como disse o coroa parceru, “o confronto se apresenta inevitável”.
Sueli Carneiro, Instituto da Mulher Negra, Geledés: Pertenço à geração que lutou contra a ditadura militar e pela redemocratização do Brasil. Pertenço também, ao campo político que luta por igualdade de gênero e de raça e pelo respeito aos direitos humanos e à dignidade de todas as pessoas. Entendo que o atual momento político anuncia retrocessos e ameaças a todas essas lutas. Porque, como muitas outras pessoas, penso que a proposta de impeachment sem evidência de crime de responsabilidade é golpe e portanto um atentado á democracia; porque entendo que grande parte da agenda em curso no Congresso Nacional visa a precarização das relações de trabalho, a criminalização dos movimentos sociais, o retrocesso nas questões de gênero que atingem duramente direitos arduamente conquistados pelas mulheres e diferentes modalidades de orientação sexual e colocam alerta sobre o futuro das políticas voltadas para a promoção da igualdade racial e redução das desigualdades sociais. Prosperam impunemente na sociedade manifestações cada vez mais explicitas de ódio racial e de classe, de misoginia e intolerâncias que alimentam e estimulam múltiplas formas de violência. Portanto, para mim, estamos diante de um cenário temerário que clama pela resistência vigorosa das forças progressistas da sociedade brasileira na defesa intransigente do ambiente democrático indispensável para a promoção da igualdade de direitos e oportunidades com reconhecimento e justiça social para todas e todos que desejamos.
Observação: as opiniões postas não necessariamente refletem o ponto de vista do portal.