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Intervenção no Rio de Janeiro: o golpe se aprofunda contra as periferias

22 de fevereiro de 2018

Dennis de Oliveira é professor de jornalismo da USP e chefe do departamento de jornalismo da Escola de Comunicação e Artes (ECA-USP). O ativista do movimento também compõe a Rede Quilombação.

Texto / Dennis de Oliveira
Imagem / Fernando Frazão/Agência Brasil

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A intervenção militar no Rio de Janeiro decretada pelo presidente Michel Temer é a execução da forma política que o neoliberalismo necessita para se implantar no Brasil. Particularizando mais, de enfrentar as consequências deste modelo, que é o aumento da concentração de renda, da miserabilidade e do esgarçamento do tecido social. E de quebra, de enfrentar os eventuais protestos e manifestações contra este projeto.

Isto porque este projeto não tem apoio popular. Desde a vitória de Lula em 2003, os candidatos conservadores escondem das suas plataformas os seus reais interesses: a destruição do Estado, o desmonte das políticas sociais e públicas e, principalmente, a consequência que é a concentração de renda e o aumento da pobreza. Em todas as eleições subsequentes, os candidatos conservadores tergiversaram em suas campanhas: ora dizendo que havia problemas de gestão, aparelhamento do Estado pelo PT, corrupção – como se isto não acontecesse, por exemplo, nos governos liderados pelas legendas conservadoras.

Rejeição popular

A população percebeu isto e rejeita eleitoramente este projeto. E isto é demonstrado nas pesquisas eleitorais recentes em que nem mais o discurso anticorrupção pega como forma de desmoralizar a esquerda e o PT, particularmente. Mesmo bombardeado pela mídia e pelo judiciário, Lula lidera as intenções de voto com grande folga. E ainda que seja impedido de concorrer, tem grande poder de transferência de votos. E a direita neoliberal não tem candidatos. Nem com o cerco a Lula, seus candidatos se viabilizam, a ponto de haver sinalizações patéticas para que um outsider, tipo o apresentador Luciano Hulk ou o dono da Riachuelo, Flávio Rocha, assumam este papel.

Intervenção Militar RJ Fernando Frazão Agência Brasil Corpo 1

Intervenção federal de caráter militar no Rio de Janeiro tem atuado de maneira ostensiva nos territórios de maioria negra (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

Por isto, o projeto neoliberal só se impõe via golpe. Nestes últimos dois anos de governo golpista, os retrocessos sociais e políticos foram marcantes. Privatização, desmonte das políticas públicas, precarização do trabalho, entre outros. E o fato do projeto neoliberal se implantar somente por fora das vias democráticas, fez com que estes setores se apartassem da dimensão política. Exercem a política por meio de figuras canhestras, corruptas, que se locupletam nos aparelhos de Estado para benefícios pessoais. Não conseguem emplacar uma figura política com capacidade de disputar o espaço político por meio do jogo democrático.

Não é puro marketing

Chega a ser risíveis os comentários de analistas da mídia hegemônica que tentam explicar este episódio da intervenção militar no Rio de Janeiro dentro do jogo eleitoral, como se vivêssemos em uma normalidade democrática. Josias de Souza, no seu blog, afirma que a intervenção é uma jogada de Temer para afastar o desgaste da quase falida reforma da Previdência com vistas a tentar ganhar capital político para a reeleição. Está mais que nítido – inclusive para o próprio Temer que pode ser chamado de tudo, menos de burro – que o atual presidente não tem a mínima condição de se pensar em reeleição.

Não se trata de uma medida pirotécnica, “ousada” como diz Josias, para ganhar manchetes e afastar o noticiário negativo da impossibilidade de se aprovar a reforma da Previdência. Não, trata-se de um balão de ensaio para se pensar em intervenção militar como forma de conter protestos e manifestações – sintomático ocorrer no Rio de Janeiro onde o carnaval foi responsável por dar visibilidade, inclusive internacional, a indignação do povo com a situação. Onde tem um prefeito ligado a Igreja Universal, que é adversária da Rede Globo. Onde há reservas de pré-sal cobiçadas pelas transnacionais do petróleo. E onde o morro ameaçou descer caso Lula seja preso.

Militarização do espaço público

Em 1989, antes da primeira eleição presidencial do país pós ditadura militar, a Escola Superior de Guerra elaborou um documento intitulado “Estrutura do Poder Nacional para o século XXI” (clique aqui para ler sobre este documento) em que aponta que os cinturões de miséria e os “menores” (sic) abandonados compõem os principais focos potenciais de desestabilização dos sistemas de poder, razão pela qual as Forças Armadas precisam estar mobilizadas para o enfrentamento destes novos “inimigos internos”. Em outubro do ano passado, foi aprovada e sancionada a Lei 13.491/17 que transfere para a Justiça Militar o julgamento de crimes cometidos por militares contra civis em operações como esta no Rio de Janeiro. Isto significa que durante a intervenção militar, se um militar assassinar um civil – o que é presumível ocorrer, pois tropas militares são treinadas para enfrentar e destruir inimigos e não para proteger a integridade do cidadão – o julgamento dela será pela Justiça Militar.

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Ação do exército nas periferias do Rio de Janeiro (Fernando Frazão/Agência Brasil)

Em síntese, o problema do Rio de Janeiro está sendo tratado como uma operação de guerra. É um estado de sítio informal implantado em um dos estados da União. Os cinturões de miséria são os inimigos. Os mesmos que habitam as localidades onde se localizam, por exemplo, a maior parte das escolas de samba que fizeram desfiles de protesto no último carnaval e onde se concentra a maior parte da população que sofre com as consequências do projeto neoliberal.

Os cinturões de miséria onde residem os jovens negros que compõem o grosso das vítimas dos homicídios. Os cinturões de miséria que o candidato da extrema-direita Jair Bolsonaro prometeu metralhar como forma de combater a criminalidade caso seja eleito presidente.

Não é jogada política, não é puro marketing com objetivos eleitorais. É o aprofundamento do golpe, acabando de vez com qualquer possibilidade de cidadania para a população negra, periférica, trabalhadora. Os neoliberais não jogam no campo da democracia.

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