PUBLICIDADE
PUBLICIDADE
Pesquisar
Close this search box.

Juventude Negra: Rafael Braga Somos Nós!

13 de janeiro de 2016

Texto: Caroline Amanda Lopes Borges / Ilustração: Araújo

De uma jovem negra em diáspora para toda a juventude negra

Quer receber nossa newsletter?

Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!

Quero pedir licença aos meus mais novos e aos meus mais velhos!

Impulsionada por muita indignação, sensação de impotência, ódio e uma fagulha de esperança escrevo como um desabafo. Após a noticia do aprisionamento arbitrário de Rafael Braga, fui tomada por um turbilhão de memórias que necessitam ser organizadas e, sobretudo, compartilhadas. Tais reflexões se dão através dos seguintes questionamentos:

Com quantos jovens negros (VIVOS, MORTOS, MUTILADOS, APREENDIDOS, DESAPARECIDOS) se faz capitalização política?

Qual é o volume da movimentação material e imaterial que se pode acumular ao manipular esse produto chamado: JUVENTUDE NEGRA?

Inicialmente não tínhamos cor e nem pertencimento étnico/cultural. Nenhuma política pública, edital ou investidor visibilizavam e/ou investiam em projetos ou iniciativas que apresentassem a palavra “negro”. Hoje, é praticamente automático ou obrigatório. Como bônus, cereja do bolo, momento ápice, a palavra negro é cravada em textos, artigos, projetos, sobretudo discursos.

A luta dos movimentos negros em denunciar a seletividade racial das estratégias do Estado para a manutenção da vulnerabilidade e da miséria refletiu o apontamento da necessidade do protagonismo daqueles que gemem, o povo negro, aqui especificamente, a juventude negra.

No entanto, devemos refletir: Há protagonismo?

Protestos de Junho de 2013 ganharam as ruas brasileiras Protestos de Junho de 2013 ganharam as ruas brasileiras

Podemos destacar como exemplo as marchas de junho de 2013.  As câmeras das mídias alternativas e da mídia hegemônica captavam imagens de bochechas rosa (algumas pintadas), discursos com termos rebuscados e corpos que não pareciam viver a rotina de longas viagens desconfortáveis repletas de assédio e desesperança nos transportes públicos das principais capitais.

Os megafones e microfones eram em sua maioria conduzidos por jovens brancos. Jovens que falavam em substituir carros por bicicleta, mas que não faziam a mínima ideia da distância do bairro de Paciência ao centro da cidade do Rio de Janeiro. Jovens que se apoiavam na sua branquitude para gozar do privilégio de exercer direitos, em um país que vive em regime de exceção para negros.  E quando “passavam dos limites”, eram alertados pela polícia com balas de borracha e gás lacrimogêneo.

Enquanto isso, o complexo de favelas da Maré vivenciara uma chacina terrível com mais uma dezena de vítimas.  Os bairros do Capão Redondo, Jardim Ângela e Campo Limpo na cidade de São Paulo mal poderiam se recuperar de um ano sangrento e extramente letal como 2012. O sangue negro no nordeste seguia escorrendo sem luz ou sensibilização nacional.  Diversas capitais e cidades do interior perceberam que nos bairros de maioria negra jamais foram vistas munições do Estado que não fossem necessariamente letais, tão pouco, alguma ação militar em meio a tantas pessoas sem nenhuma vítima letal.

As marchas de junho nos deixaram de lição a experiência vivida por Rafael Braga, jovem negro em situação de rua, que um ano e três meses depois da maior manifestação realizada no Rio de Janeiro em 2013, fora julgado e condenado. No dia em que foi preso, ele saiu de onde morava, um casarão abandonado em frente à Delegacia da Criança e Adolescente Vítima (DCAV), no Centro do Rio, com duas garrafas de plástico, uma com água sanitária e a outra com álcool, situação que não o caracteriza enquanto manifestante do ato, tão pouco como terrorista. Segundo o laudo do Esquadrão Antibomba da Coordenadoria de Recursos Especiais, a utilização do material aponta aptidão mínima de incêndio. No texto, um trecho ainda indica ínfima possibilidade de funcionar como coquetel molotov. Mesmo assim, Rafael Braga Vieira, jovem negro, foi condenado pela existência de etanol em uma das garrafas.

No inicio de 2014 vivenciamos a importante experiência dos Rolezinhos, que se multiplicaram nos shoppings das principais capitais do país.  A juventude negra decidiu exercer o seu direito de ir e vir também, mas, o que aconteceu? Não havia 1.000.000.000 de bochechas rosa ao nosso lado.  E quando nosso irmão foi acorrentado preso pelo pescoço no Aterro do Flamengo por jovens brancos? Não houve movimentação.

Rolezinhos ganharam repercussão no final de 2013 e foram reprimidos Rolezinhos ganharam repercussão no final de 2013 e foram reprimidos

Sem esquecer de mencionar o fatídico período da exibição do programa “Sexo e as Nega”, que agravou profundamente diversas mulheres negras, mulheres que puderam contar pouco ou nada com as organizações feministas, majoritariamente brancas, para denunciar tal despautério.

{youtube}http://https://www.youtube.com/watch?v=LrzUsyldFRU{/youtube}

Iniciamos 2015 com a apreensão arbitrária de uma jovem negra, doutoranda em farmácia pela maior universidade federal do país. Mas, mais uma vez, meus olhos não puderam registrar milhares de bochechas rosas. Ainda em 2015, testemunhamos investimentos em ações lúdicas, pirotecnia virtual, festivais Cult bacaninhas contra a redução da maior idade penal. De maneira centralizada e em territórios de maioria branca, com discursos que não dialogavam com o nosso povo, muito menos com “os de menor” e seus familiares, que têm seus lares invadidos por avalanches de ódio através do jornalismo sensacionalista da TV aberta. Ações arquitetadas e protagonizadas por personagens que jamais tiveram ou terão sua liberdade cerceada.

Na crista da onda que comumente arrebenta em nossas costas, alguns brancos e brancas tornaram se baluartes da “luta”. Estamparam capa de revista, ocuparam cargos públicos, tornaram se assessores parlamentares, diretores de ONGs, e, em alguns casos, os que foram detidos saíram condecorados como “presos políticos” e já poderiam levar tal título para seu Lattes.

Organizações Não Governamentais, academia, partidos políticos e até empresários têm se esforçado para falar no mínimo superficialmente de juventude negra. A cada dia que passa, fala se melhor de nós e capta se mais em nosso nome. Nos contabilizam vivos ou mortos e se projetam em nossas mazelas.

Na perspectiva de muitos, somos os verdadeiros trampolins. Somos úteis para os conservadores e os progressistas. Ambos falam de nós, descrevem como agimos, o que queremos ou o que merecemos. Determinam quais medidas devem ser imputadas sobre (contra) nós.

Junho de 2013 e seu legado nos permitiu constatar que 0,20 centavos valem mais do que os nossos desejos e direitos mais básicos. Contatamos que a sociedade brasileira segue reduzindo mulheres negras jovens ao sexo. Experimentamos o consentimento inflamado do ódio dessa sociedade contra nós, clamando pelo nosso encarceramento e naturalizando nossa morte.

2016 chegou aspirando 2013. Chegou com ato marcado contra o aumento das passagens, selfs revolucionários e o mesmo personagem de outrora novamente apreendido, Rafael Braga Vieira. Novamente será estampado em camisetas e bandeiras. Alguns perguntam por que tanta perseguição a esse rapaz? E me parece que a pergunta mais coerente seria desde quando Rafael Braga é perseguido? Supondo a resposta, ouso dizer que Rafael é perseguido desde o ventre da primeira mulher que teve seu filho sequestrado em África, desde o ventre da mulher que o concebeu na diáspora.  Ouso dizer que é perseguido desde a primeira “dura” da polícia, desde a primeira vez que passou a viver nas ruas do Rio de Janeiro, desde a primeira noite na penitenciaria e a primeira experiência na solitária.

Rafael Braga acorrentado pelos pés em delegacia

Nós, juventude negra somos todos Rafael Braga!!! Somos nós, as jovens negras, que morremos aos montes em trabalhos de parto e como vítimas da criminalização do aborto nos fundos dos hospitais públicos. Somos nós os que não têm acesso à educação básica. Somos nós os que mais evadem nas instituições de educação.  Somos nós os “de menor” e os “de maior”. Somos nós os que são explorados pelo trabalho infantil, os que têm seus corpos traficados, os que são aliciados. Somos nós as maiores vítimas de empalamento. Somos nós as que mais sofrem de violência doméstica. Somos nós o maior número de internados da nossa geração nos hospitais psiquiátricos. Somos o exercito de reserva e o exercito das facções, bem como os soldados da polícia. Somos nós o maior montante de corpos no IML. Somos nós! Nós somos Rafael Braga!!! Somos nós a verdadeira classe trabalhadora desse país, nós que sacrificamos nossa juventude embebida de insalubridade no campo e na cidade. Nós que alimentamos diversos setores da economia com a nossa força de trabalho. E por que damos tanto espaço, licença, autoridade para eles? Porque legitimamos suas ações em nosso nome??? O que há conosco? Nós somos a perpetuação do nosso povo. É nossa responsabilidade assumir a tarefa de reerguer a diáspora africana, começando pelos quilombos que moramos, herança dos nossos mais velhos.

Seguimos sentindo a solidão política que nos foi relegada desde os tumbeiros que atravessaram a grande Kalunga. Relembramos a solidão ancestral das matas escuras à procura de terra segura para construir Quilombo!!!

Os velhos métodos não têm sido capazes de nos libertar. As velhas práticas culminaram em aprofundamento do nosso povo em sangue, dor e engodo. Nossa geração deve ser capaz de aprender a fazer sem editais ou salários oriundos de liberação partidária. Nossos ancestrais merecem de nós maior dedicação. Nossa dignidade pode se dar através do fortalecimento de organizações autônomas, construção de estratégias e táticas para autodefesa e autogestão.

Inspiração nãos nos falta, assim como Garvey, Cheick Anta Diop, Assata Shakur, Winnie Mandela, Fannon, Dandara, Zumbi, Zeferina, Yedo Ferreira, Beatriz do Nascimento, Candeia, Racionais Mc’s…

Necessitamos retomar nossa Agência. Eles o fizeram ainda na juventude e compreenderam a importância de centrar esforços naquilo que nos edifica enquanto povo. Souberam perceber que cada geração é responsável pela abolição de seu tempo.

As respostas se apresentarão a medida da nossa unidade. Há apenas uma certeza: devemos ser no mínimo, do tamanho do nosso problema.  Seremos maiores juntos, impulsionando e gerindo nossa história!!!

 

Mas se você quer lutar por poder e você é oprimido ou oprimido por um poder colonial que te nega à ideia de humanidade plena, você tem que antes lutar CONTRA O PODER, não aceitar qualquer migalha, distinção ou banquete, cargos subalternos como se fosse poder, isso não é poder é uma MIRAGEM DE PODER.

 

                                                                                 Hamilton Borges Walê

Caroline Amanda Lopes Borges é articuladora nacional da campanha “Reaja ou Será Morta!”. Colaboradora da “Associação de Mulheres de Ação e Reação”,membro do Coletivo Negro Carolina de Jesus (UFRJ).integrante do grupo de pesquisa PET/Conexões de Saberes, Identidades e Diversidade, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Caroline Amanda Lopes Borges é também articuladora nacional do Encontro de Estudantes e Coletivos Universitários Negros, EECUN.

Leia Mais

PUBLICIDADE

Destaques

AudioVisual

Podcast

papo-preto-logo

Cotidiano