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Mães de Acari: 30 anos de uma luta coletiva

27 de julho de 2020

As Mães de Acari nunca encontraram os corpos de seus filhos, mas seus exemplos encorajaram muitas outras mães a se juntarem na luta. Denunciamos a política de extermínio representada pela atuação das polícias em todo o país e o racismo estrutural que permite que a sociedade brasileira ignore o genocídio da população negra em curso

Texto: Monica Cunha | Imagem: Divulgação

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Em 1990 a sociedade brasileira foi surpreendida pela mobilização de 11 famílias, protagonizada pelas mães das vítimas de um crime bárbaro que vitimou 11 jovens periféricos, moradores da favela de Acari, na Zona Norte do Rio de Janeiro. O crime ocorreu no dia 26 de julho de 1990, em um sítio localizado no município de Magé, na Baixada Fluminense e foi praticado por um grupo de extermínio formado por policiais militares, conhecido como Cavalos Corredores.

Ao fim de um período de quase uma década de redemocratização, já com o fim da ditadura militar, tendo notoriedade alguns dos crimes praticados por seus agentes, o “Crime de Acari” trouxe à tona a utilização dos mesmos métodos utilizados pela repressão política: sequestro, assassinato e desaparecimento. A diferença é que agora as vítimas não eram mais jovens universitários ou de classe média e sim jovens, na sua maioria negros, e favelados.

As circunstâncias do crime, que rapidamente remetem à memória recente da repressão política do regime de exceção, contribuíram para o destaque do caso, mas foi a mobilização e a luta dessas mães que permitiram que ele fosse conhecido nacional e internacionalmente. Foi a força dessas mulheres, negras em sua maioria, que a vida inteira resistiram, que gritaram aos quatro cantos do mundo por justiça e em busca dos corpos de seus filhos para que pudessem dar a eles um sepultamento digno. As Mães de Acari tomaram o mundo, viraram reportagens, teses de mestrado e doutorado, livros e filmes. Inspiram todos os movimentos de familiares contra a violência policial, no Rio de Janeiro e no Brasil, até os dias de hoje.

O impacto da mobilização destas mulheres foi tanto, que tentaram, de muitas formas, silenciá-las. Desacreditá-las foi uma delas, inclusive utilizando a expressão “mães de bandido” para deslegitimar o que reivindicavam, mas nada foi capaz de pará-las. Nem mesmo a execução de Edméia, uma das lideranças do grupo, em circunstâncias que não deixam dúvidas se tratar de uma execução com o intuito de intimidar o coletivo.

A única coisa que freou essas mulheres foi a dor. A dor da perda. A dor por não ter enterrado seus filhos. A dor e as suas consequências para o corpo. O adoecimento. E esse processo de adoecimento se dá ao longo do tempo, às vezes muito tempo. E neste período, outras mães, entre elas eu, e coletivos se somaram na luta contra o genocídio da juventude negra e periférica e puderam aprender com o seu legado de dar continuidade à luta. Porque o acolhimento de uma mãe que perdeu um filho fica mais fácil quando se reconhece naquele que lhe acolhe uma dor semelhante. E isso aprendemos com as Mães de Acari, que nos acolheram e nos guiaram, permitindo que ressignificássemos a dor dilacerante de perder um filho e que a transformássemos em combustível para a luta coletiva. Esse é o grande legado que nos deixaram: a luta não será vitoriosa se for apenas pelo seu filho. Ela precisa ser coletiva.

As Mães de Acari nunca encontraram os corpos de seus filhos, mas seus exemplos encorajaram muitas outras mães a se juntarem na luta. Hoje estamos organizadas em uma rede nacional de familiares, cujo protagonismo se dá pelas mães, reunindo movimentos e coletivos de todo o país, com articulações nacionais e internacionais. Denunciamos a política de extermínio representada pela atuação das polícias em todo o país e o racismo estrutural que permite que a sociedade brasileira ignore o genocídio da população negra em curso.

Nada disso seria possível sem o exemplo e o legado de luta daquelas mulheres de uma favela na Zona Norte do Rio. A luta delas, que completa 30 anos, é a nossa luta hoje.

Monica Cunha é fundadora e coordenadora do Movimento Moleque, que reúne mães e familiares de jovens no sistema socioeducativo e vítimas de violência policial no estado do Rio de Janeiro.

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