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Quem tem medo do tribunal racial?

11 de agosto de 2016

Texto: Luciana Luz / Edição de Imagem: Pedro Borges

A verdade sobre a crítica à fiscalização das cotas raciais

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Sem hipocrisia: O real “problema” da comissão para fiscalização da veracidade das autodeclarações está em garantir a reserva de vagas apenas a pessoas fenotipicamente negras. Essa medida assegura representatividade e distribuição (ainda que morosa) de uma parcela das oportunidades negadas sistematicamente a mais da metade da população durante séculos.

O ingresso, principalmente em cargos de alto escalão nas esferas da administração pública, age no cerne da distribuição de privilégios que mantém o Brasil, segundo a pesquisadora da Faculdade de Direito de Fordham, NY, Tanya Katerí Hernandéz, como um país onde a estrutura formal (ordenamento jurídico, instituições públicas) e o discurso dissimulado sobre a “inocência racial” das leis brasileiras exercem juntos o controle da raça, mantendo a população negra “subordinada racialmente”, servindo como massa de manobra das vontades políticas.

Finalmente, depois das várias e frustradas tentativas de denúncias de fraudes em vagas reservadas para cotistas raciais, entidades do movimento negro conseguiram, primeiro no município de São Paulo, e agora, junto ao Governo Federal, a instauração de uma comissão de aferição da veracidade da autodeclaração das vagas em concurso para cargos públicos.

A Orientação Normativa nº 3, de 1º de agosto de 2016, instituída pelo Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, determina o procedimento de que os funcionários de setores responsáveis pela contratação de aprovados em concursos de órgãos públicos federais deverão adotar para fazer cumprir a norma estabelecida pela Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014, que destina aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal.

A diversidade da identidade negra brasileira é gigante

Esta medida já havia sido implementada pelo Município de São Paulo, por meio da Portaria Conjunta SMPIR/SNJ/SMG nº 001 de 25 de abril de 2016, cumprindo o art. 11, do Decreto nº 54.949/14, que regulamenta a norma que instituiu a reserva de 20% das vagas para negros – Lei n° 15.939, de 23 de dezembro de 2013 – no serviço público municipal, em cargos de provimento efetivo e em comissão. A saber:

Art. 11. Fica criada a Comissão de Monitoramento e Avaliação da execução da Lei nº 15.939, de 2013, para compilação de dados, avaliação dos resultados, acompanhamento e proposição de medidas para o efetivo cumprimento da lei.

  • 1º A comissão de que trata este artigo será constituída por ato do Prefeito e integrada, no mínimo, por servidores públicos indicados pela Secretaria Municipal de Promoção da Igualdade Racial, que a coordenará, pela Secretaria Municipal de Planejamento, Orçamento e Gestão e pela Secretaria Municipal dos Negócios Jurídicos.

 § 2º A Comissão de Monitoramento e Avaliação encaminhará ao Prefeito, anualmente, no mês de abril, relatório sobre a execução da Lei nº 15.939, de 2013.

Dada a complexidade das relações raciais no Brasil, agravada pela consistência do mito da democracia racial, e do conflito classe X raça, facilmente desmantelados pelos trágicos números sobre a situação dos pretos e pardos nesse país, o Movimento Negro, prevendo as possibilidades de fraude, conquistou a criação dessa fundamental Comissão para controle desse direito arduamente conquistado.

O primeiro concurso para cargo público com cotas raciais do Estado São Paulo foi o da Procuradoria do Município, em 2014. Após o concurso da Defendoria Pública do Estado definir a autodeclaração e o critério de aferição como fenotipia e ascendência em primeiro grau (pai e mãe), os primeiros problemas apareceram. 13 vagas eram destinadas a candidatos negros e índios. Como houve desconfiança de fraude, tomaram-se as medidas cabíveis: aferição, exoneração dos falsários e posse dos que tinham direito.

Nada de novo no front: A esquerda contra os pretos

Além da já esperada reação da fatia declaradamente conservadora e contrária às cotas, uma enxurrada de mídias ditas de esquerda, livres e etc., criticaram negativamente a medida, e ainda por cima, apelidaram a Comissão de “tribunal racial”, fazendo uma analogia aos tribunais existentes durante o regime do apartheid sul-africano, um dos governos mais cruéis de que se tem notícia no mundo. Para piorar, jogou a “culpa” no governo ilegítimo vigente.

Ou seja, primeiro, desrespeitaram o esforço estratégico dos Movimentos Negros em negociações incansáveis, negando a veracidade aos leitores ao não informar sobre o protagonismo dos atores negros; segundo, zombam do sangue negro derramado naquele regime (e nesse), em detrimento de uma ação que visa garantir o acesso a um direito duramente conquistado. Afinal, as cotas são uma política pública que visa combater outra política pública que vigorou durante 388 anos – a escravização.

Não é de hoje que a esquerda serpenteia contra medidas que visam à amenização das desigualdades raciais. Ancorada (sem ingenuidade) na máscara do discurso das classes, esse rebanho se colocou em princípio contra a aplicação de ações afirmativas na modalidade de cotas raciais para acesso ao Ensino Superior no Brasil. O imaginário da democracia racial descansa sob a sombra do discurso de base marxista, que não coloriu (e não colore até hoje) durante anos suas estatísticas sobre a classe trabalhadora, apesar da realidade do país de tradição escravocrata antinegro. Os números mostram, porém, quem escolhe ver?.

Rafael Braga é um grande exemplo da seletiva violência estatal

Quem é negro no Brasil?

Rafael Braga, Luana dos Reis, Amarildo, Cláudia Silva, Aranha. Nunca vi ninguém questionar o pertencimento racial de nenhum deles. Ninguém questiona critérios de aferição dos Mapas da Violência, que mostra que enquanto brancos morrem por doenças crônicas, pretos tombam aos montes por fuzis; afinal, essas pessoas estão cumprindo a função dos corpos negros nesse país: nascer, servir, morrer.

Pergunte ao detector de metais que não nos deixam entrar, aos professores que nos traumatizam em vez de educarem, aos empregadores que não nos dão oportunidade, aos garçons e vendedores de lojas que não nos atendem. A lista de “autoridades em reconhecimento de fenotipia negra” é longa.

Basta que se verifique a ausência de cor, a falta de “diversidade” nos estabelecimentos que se frequenta, principalmente as lideranças ou cargos de maior poder hierárquico, em qualquer situação. Ou também, que se verifique a abundância dela em alguns espaços. Diversas pesquisas, como o Mapa da Violência, índice de analfabetismo, Mapa racial que expõe a segregação geográfica antinegra, entre centenas de outros, provam que não dá para jogar todos os brasileiros no mesmo balaio de cores. O artifício do apelo à mestiçagem está desgastado. A desculpa da avó neta de escravos já não vai afiançar vaga de alguns oportunistas, como o caso do branco Mathias de Souza Lima Abramovic, que em duas vezes se autodeclarou negro no concurso para diplomacia, já que a concorrência entre cotistas é menor do que na ampla concorrência.

Vai ter comissão de avaliação das cotas raciais sim!

Pela direita ou pela esquerda, o choro é livre.

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