Texto: Miriam Alves / Ilustração: Vinicius de Araújo
A tragédia que ocorreu em Bento Rodrigues, distrito de Mariana, cidade localizada a duas horas da capital Belo Horizonte, parece ter despertado uma consciência sobre o processo nefasto da mineração no Estado. As duas barragens que se romperam da empresa Samarco, da mineradora Vale e da anglo-australiana BHP Billiton, não foram as primeiras e nem serão as ultimas a causar catástrofes. As companhias multi e transnacionais, herdeiras dos colonizadores, há mais de 300 anos extraem do solo de Minas Gerais nossos recursos naturais.
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Se o que ocorreu em Bento Rodrigues foi capaz de nos tirar minimamente de nosso lugar cômodo para pensar nas questões sócio-ambientais, também é necessário refletir sobre as 735 barragens existentes em Minas Gerais. Destas, 42 não têm estabilidade garantida, segundo relatório da Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM).
Quem são os atingidos por barragens? São inúmeras famílias camponesas, ribeirinhas, quilombolas, indígenas, que sobrevivem da pesca, da agricultura familiar; todas de forma sustentável, sem explorar ninguém, sem colocar o lucro a frente da vida e sem destruir o meio ambiente. E são essas famílias que vem sofrendo profundos impactos do assoreamento dos rios, das longas estiagens, e da remoção compulsória de suas vilas e aldeias para construção de barragens ou de hidrelétricas, que poluem os rios, secam nossas nascentes, destroem os leitos. Tudo em busca da obtenção máxima de lucro.
O resultado de tudo isso é o êxodo rural, movimentação responsável por inflar ainda mais os grandes centros urbanos e assim alimentar a especulação imobiliária. Há também o enxotamento de várias famílias que não tem dinheiro para pagar os altos preços de alugueis nas regiões metropolitanas. O aumento desordenado dessas famílias, nas regiões periféricas, sem que haja qualquer política pública ou planejamento urbano, aumenta o índice de violência. Não por menos, os sete municípios da região metropolitana de Belo Horizonte integram a lista dos 142 mais violentos do Brasil, de acordo com o Mapa da Violência de 2014.
Atualmente na Região Metropolitana, temos mais de 15 ocupações. Dentre elas, há a Ocupação Izidora, com cerca de 8 mil famílias e com composição predominante de pessoas negras, o que constitui esses espaços como as novas resistências Quilombolas.
A crise hídrica que vem assolando o estado de Minas Gerais e consequentemente São Paulo é outro efeito nefasto dessas barragens. Sabemos também que o racionamento de água não atinge os bairros nobres! Quem está sujeito a contaminação das águas ou a falta dela, é o povo negro e indígena, seja no campo ou nas periferias dos grandes centros urbanos.
Tudo isso faz parte de um racismo estrutural, que tem o aval dos órgãos públicos e das políticas de um Estado Neoliberalista, que concede o licenciamento para que empresas como Vale, Anglo Gold e Queiroz Galvão continuem a nos exterminar. Recentemente, o Governador do Estado, Fernando Pimentel (PT), deu entrada no PL 2.946/15, em caráter de urgência, propondo a reestruturação do Sistema Estadual do Meio Ambiente, para agilizar os pedidos de licenciamento.
Esse mesmo governo, que hoje ameaça milhares de famílias de despejos nas Ocupações, dá seqüência ao genocídio do nosso povo e posicionamentos extremamente fascistas, como o desta semana: “A empresa está cuidado do que ela é responsável (…). Não podemos apontar culpados, sem uma perícia técnica mais apurada”. Fernando Pimentel isenta a responsabilidade da empresa que foi a principal patrocinadora de sua campanha eleitoral e da presidenta Dilma, que ainda nem deu as caras.
O povo Bantu, outrora sequestrado da África Subsaariana e traficado a esse continente para obtenção máxima do lucro pela exploração das minas de ouro e outros metais, hoje ainda resiste à mineração e à aculturação feita pela coroa portuguesa, que continua a ocorrer pelas elites sobre nossas tradições e costumes.
Mesmo com o epstemicídio, tanto as tradições Bantu, quanto as de origem Iorubá, resistem nesse solo sagrado, banhado pelo sangue preto. Somos herdeiros de um povo guerreiro, que constituiu a maior resistência quilombola existente no Brasil e isso não se apagará! A cultura dos nkise (nação angola de candomblé), personificadas em divindades chamadas de Inquices, o calundu, fruto do sincretismo com a religião cristã que sobreviveu em várias regiões coloniais mineiras também resiste em locais como, Arraial de São Sebastião, Itapecerica, Campanha e Mariana, cidade onde se encontra o agora soterrado distrito de Bento Rodrigues.
Nossos valores civilizatórios, nossa identidade, nossa memória não será perdida enquanto houver solidariedade de uns para com os outros, o que pode ser observado entre os sobreviventes, mesmo diante a dor de vários mortos e desaparecidos. Mas isso não é o suficiente, é preciso que os responsáveis sejam penalizados e que retorne ao povo o que é do povo, como a Terra e todo lucro obtido com a exploração do capital. Fatores responsáveis pela perda das nossas identidades por meio da memória e da verdade ocultada pelos livros didáticos, pela expropriação da Terra e pelo que foi e ainda é o maior crime da humanidade.
Nosso povo, vítima do maior crime de lesa humanidade existente, a escravidão, ainda é o principal protagonista daquilo que se configura como o pior desastre ambiental do Brasil. São centenas de pessoas desaparecidas no distrito de Bento Rodrigues, estima-se que metade da cidade de 600 habitantes ou mais, não conseguiu sair de casa a tempo. A mídia e a empresa Samarco, por meio dos capangas do estado, a polícia militar, vem encobrindo o local da tragédia, impedindo o resgate de pessoas e animais. Uma das maiores bacias hidrográficas da região sudeste agora esta coberta de lama e resíduos tóxicos. Os animais estão morrendo, milhares de famílias ao longo do que fora o Rio Doce não tem mais sua principal fonte de subsistência, escolas estão sendo fechadas pela falta de água e agora há a ameaça da vida marinha no litoral do Espírito Santo.
Não tem como quantificar o desastre, que assim como o furacão Katrina, em Nova Orleans nos Estados Unidos, deixou vários mortos e desabrigados. A catástrofe traz consequências irreversíveis uma vez que os desastres ecológicos se transformaram em um grande problema humano, dado a incompetência do governo de dar soluções imediatas a seus efeitos, principalmente quando a população a sofrer deles, em sua grande maioria, é pobre e negra. Nesse caso, os efeitos premeditados em 2013 com o laudo técnico do Ministério Público já teriam sido facilmente evitados, se o que houvesse em baixo da barragem, fosse um monte de condomínios de luxo.
QUANTO VALE A VIDA? Essa é a reflexão que fica diante aos danos causados pela mineradora, enquanto pagamos o pato mais uma vez, pelas ações do Governo e da Vale, que em 2010, foi responsável pelo assassinato de 6 trabalhadores, em Guiné, na jazida de Simandou, Zogotá-Africa. Por detrás da imagem da multinacional que diz valorizar a vida, há um rio de sangue preto. E é nosso dever nesse momento ser extremamente solidário às vítimas com ações e não simplesmente notas de repúdio nas redes sociais. A comoção deve ser real, para sairmos do nosso lugar cômodo e nos organizarmos contra a multinacional, a PL 2.946/15, e todas as ações genocidas desse Estado. É bonita a ações de solidariedade via doações, mas não vamos nos esquecer quem deve pagar a conta desse desastre! Não podemos perder de vista que ainda somos reféns das inúmeras barragens que podem a qualquer momento se romper.
O que restou das minas aos mineiros é só lama!
Miriam Alves, graduanda de Pedagogia, pela FaE-UFMG, participa do Núcleo de Estudos Sobre Educação de Jovens e Adultos, através do Programa Fórum METRO EJA, educadora social, membra do coletivo de mulheres negras, Bloco das Pretas.