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Mulher e negra: Programa de governo de Marina Silva silencia reivindicações estruturais

3 de outubro de 2018

Juliana Gonçalves é jornalista e uma das articuladoras da Marcha das Mulheres Negras em São Paulo. A convite do Alma Preta, a jornalista fez uma análise do plano de governo de Marina Silva

Texto / Juliana Gonçalves
Pesquisa / Lourival Aguiar
Foto / A.Machado / Reuters

Diante de um cenário político turbulento composto por campanhas mensuradas por cliques, pela utilização das fakes news como ferramenta política e polarizações assustadoras, a leitura dos programas dos candidatos à presidência é mais do que um exercício democrático: é uma necessidade.

Esse documento apresenta os princípios que vão nortear os governos e deveria conter propostas objetivas que ajudassem os eleitores a conhecer seus candidatos.

Dentre os candidatos que concorrem ao pleito presidencial há Marina Silva, da Rede de Sustentabilidade. Conhecida por seu perfil ligado à preservação do meio ambiente e à economia sustentável, é também mulher negra e evangélica. Nascida no Acre, Marina tem uma trajetória pessoal que dialoga com a realidade de milhares de brasileiros.

Seu programa, no entanto, revela convicções e fragilidades políticas. Por exemplo, seu projeto de governança segue o modelo desenvolvimentista como a maioria dos candidatos, porém traz como carro-chefe o compromisso com a ecologia e com a sustentabilidade.

Quando dialoga sobre segurança pública, saúde e educação há o silenciamento dos debates de raça e gênero que atravessam essas temáticas. Ou seja, como a maioria dos candidatos, Marina não avança em seu programa para uma perspectiva transversal que englobe as questões de gênero, raça e sexualidade. As pautas que tocam essas temáticas são destacadas no programa de forma segmentada. A palavra “negro” aparece quatro vezes em todo texto e ganha apenas dois parágrafos específicos nas 46 páginas do programa.

Como ponto positivo, Marina apresenta em seu plano sobre reforma política o fim da reeleição para cargos executivos, que teria seu tempo ampliado de 4 para 5 anos, e limita a reeleição do legislativo a dois mandatos. Somando a isso o fim do foro privilegiado.

A permanência das reformas e políticas tecnicistas contra a violência

Para a candidata, a reforma da previdência é incontornável, sendo um caminho natural para a regulação do mercado econômico. Essa posição sinaliza que não haverá revogação dos ataques articulados durante o governo de Michel Temer ou uma política que demonstre qualquer avanço sobre essa temática.

Mantém um posicionamento sólido contra a flexibilização do acesso ao armamento, fortalecendo uma política de controle de armas, no entanto ao abordar as questões referente à polícia, expõe uma visão engessada sobre o quadro da violência social. Ao se debruçar apenas sobre o investimento tecnológico e soluções organizativas, deixa de fora a descriminalização do uso de drogas e entende o investimento em melhorias para a polícia como a melhor saída.

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Marina Silva entre os eleitores (Foto: Ricardo Moraes/Reuters)

O mesmo acontece quando o assunto é a população carcerária. Além do silenciamento no recorte racial gritante, o programa apresenta soluções administrativas que não respondem aos problemas estruturais. A superlotação, as condições precárias e o alto índice de pessoas negras presas sem julgamento não são mencionados pela candidata em nenhum momento.

Fica de fora também qualquer citação do debate sobre a necessidade de democratização da mídia. Essa pauta, tão cara durante os 14 anos de governo do PT, ao não ser debatida nos dias atuais, em que os meios de comunicação são hegemonizados pela direita e estão sob o controle dos principais grupos econômicos, demonstra a ausência de preocupação com esse tema.

“Identidade de gênero” ausente

No país que mais mata transexuais e travestis no mundo, Marina não cita a criação de políticas específicas para a população trans. Além disso, não trata da criminalização da LGBTfobia.

O termo “gênero”, e o debate sobre identidade de gênero, não aparecem nenhuma vez no programa da candidata, expondo uma omissão em um campo atual que surge na esteira do avanço de ideias conservadoras, principalmente no campo da educação. Nos últimos anos, muito pela influência da bancada da bíblia no congresso, a expressão “identidade de gênero” foi excluída dos planos de educação sob o argumento de querer evitar o que chamam de “ideologia de gênero”.

A candidata da Rede também não se aprofunda nas políticas de prevenção e combate ao feminicídio, e ignora uma das principais pautas das mulheres na área da saúde que é a legalização do aborto. Vale lembrar que nesses contextos de opressão e vulnerabilidade, as mulheres negras – como Marina – são as mais atingidas pela falta de um olhar interseccional nas políticas públicas de combate à violência e pela criminalização do aborto.

Comunidade negra e um plano inexistente

A ausência de qualquer política contra genocídio da população negra afasta o programa de Marina Silva das necessidades imediatas dos negros: o direito à vida. Em uma sociedade em que um jovem negro é assassinado a cada 23 minutos, se torna grave uma omissão desta magnitude.

Apesar de citar em seu programa a manutenção das ações afirmativas, não toca na questão de sua ampliação, tão pouco desenvolve qualquer explicação de como seriam implementadas ações em sua gestão. No entanto, durante evento realizado em 27 de agosto na sede da Educafro-SP, Marina propôs a criação de um Plano Nacional de Combate à Desigualdade Racial, porém esse plano não aparece citado no programa, nem há outras menções de Marina a ele durante sua campanha.

Vale lembrar que o economista da campanha presidencial de Marina, Eduardo Giannetti publicamente fez críticas à política de cotas raciais. O que pode sinalizar retrocessos também neste setor.

Como ponto positivo, destaca-se a inclusão da necessidade de demarcação e titulação de terras das comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas e atenção aos povos tradicionais. Porém, não fala sobre as comunidades tradicionais de terreiro ou o combate aos crimes de ódio no campo da intolerância religiosa contra as religiões de matriz africana. Esse também é um tema no qual Marina por vezes não se posiciona com afinco.

Diante de tantos silêncios e posicionamentos frágeis, Marina Silva constrói um programa reformista e pouco ousado em pautas que são latentes para mulheres, negros e comunidade LGBT+.
A figura de Marina e todo o potencial por ser mulher, negra e nortista acaba se apequenando ao se encaixar no mesmo perfil de muitos presidenciáveis “profissionais” que se apresentam ao eleitorado apenas a cada 4 anos, sem diálogos profundos com a sociedade civil.

Evidentemente, perante o retrocesso monstruoso que significaria uma eleição do “Coiso”, Marina é o menor dos problemas. Importante ressaltar que ao menos com ela, a via do diálogo, aparentemente, seguiria aberta.

Marina, contudo, como figura que apoiou o golpe parlamentar contra Dilma Rousseff (evento que ampliou os ataques contra os trabalhadores e também contra as minorias oprimidas e maioria marginalizada), não se firma com uma alternativa que cativa.

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