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Mulher Preta: Mulherismo Africana e outras perspectivas de diálogo

24 de janeiro de 2019

Katiuscia Ribeiro, filósofa, professora, poetisa e doutoranda de Filosofia Africana, aborda neste artigo o Mulherismo Africana, uma perspectiva política e epistêmica de mulheres negras

Texto / Katiuscia Ribeiro
Imagem / Vinícius de Araújo

Este artigo trata-se de um convite a comunidade Preta a (re)pensar o lugar das mulheres pretas por uma reflexão africana de mundo, saindo do lugar epistemicida de percepção de Sí, compreendendo-se como sujeito de sua própria narrativa de lugar, africanas renascida na diáspora.

A importância de um diálogo como se propõe o artigo permite trilhar caminhos possíveis afim de nos emancipar desse sistema brutal na qual fomos submetidos, sobretudo a emancipação mental. É preciso pensar que o processo de colonização obteve sucesso em absoluto por se tratar de um DNA mental populacional decodificado colonialmente, afim de alicerçar nosso próprio cárcere.

Quando falo em cárcere, falo desse lugar de violência psíquica que a população africana foi submetida após o sequestro colonial, nos distanciando de nosso lugar e nos apresentando outros símbolos de referências de cunho ocidental.

REpensar essa narrativa passa necessariamente por se compreender como mulheres africanas renascidas em Diáspora, que nossa condição de mulheres “brasileiras” é fruto desse processo colonial. Ao nos percebemos como mulheres africanas, colocamos África no epicentro de nossas diretrizes e nos referenciamos nela.

Nesse sentido, as perspectivas Pan Africanistas passam a ser o caminho primordial desse suleamento de vida, digo suleamento a fim de destorcer a direção norteadora a que fomos condicionadas a viver. Esse norteamento sempre nos direcionou ao ocidente e como nossa proposta é africanizar, que essa direção seja feita ao Sul. O Sulear desse caminho é o Panafricano tendo como objetivo afrocentricidade afim de alcançar o objetivo final de pertencimento africano – A Agência Africana.

A proposta da Afrocentricidade trata justamente de “centrar” os povos africanos e reorientá-los na história, possibilitando encontrar sua localização e, a partir dessa localização, construir sua própria “agência”, para que os africanos possam desenvolver uma identidade positiva e assumir o controle de suas vidas.

Tendo o PanAfricanismo como uma preposição política e a afrocentricidade como diretriz agenciadora dos africanos do continente e da diáspora, temos como resultado dessa junção a união do povo africano e a libertação do condicionamento subalternizado. Essa união é a resposta ao Sistema Global de supremacia Branca – O Racismo, entendido como fragmentador em todas as esferas nas quais há um corpo preto.

É perceber e entender a centralidade de Si e seu jeito de ser e estar no mundo, buscando referenciais de pertencimento, sem referências fragmentadoras. É ser o centro – Centro de suas ações.

E como essa diretriz acaba por atingir as mulheres pretas, disponibilizando a elas narrativas a fim de potencializar seu lugar de violência cotidiana? Como pensar esse suleamento?

O primeiro passo ao Sul nos faz perceber que somos mulheres africanas em dispersão, geograficamente localizadas no Brasil. O deslocamento físico não condiz com o pertencimento essencial. Essa essencialidade pulsante nos faz perceber que somos um povo e que o levante da comunidade passa pelo levante das mulheres pretas. Reerguer a sí é reerguer seu povo.

Nesse sentido, é necessário compreender outra perspectiva de luta das mulheres pretas, uma perspectiva que não elimina outras existentes, que só entende insuficiente para dar conta de um dor de cunho coletivo, uma perspectiva que tire as mulheres pretas desse lugar de violência histórica na qual fomos submetidas. Ao sair desse lugar, saímos da subalternidade comunitária.

O levante da mulher preta é o levante de sua comunidade. Esse levante que potencializa as mulheres pretas serve como combustível da comunidade africana. Este levante, essa narrativa, esta potencialidade identificamos no Mulherismo Africana.

O Mulherismo Africana trata-se de uma preposição política emancipatória pensada pela Dra. Clenora Hudson, que ao pesquisar o lugar participativo das mulheres africanas na história, identificando nessas mulheres o lugar de poder, sabedoria, ensinamentos e luta, encontrou um lugar de quem sempre esteve à frente da agencia de seu povo, de matriarca, de geradora de potencias.

O Mulherismo Africana trata-se de uma perspectiva emancipatória da população preta pensada por mulheres pretas e suas dores frente ao racismo e não uma ação política de liberdade de um determinado segmento. Pensar apenas pela via do gênero não dá conta da desintegração ontológica das mulheres pretas e de seu povo. A proposta do Mulherismo passa por pensar o lugar das mulheres pretas a partir de nós e não nos nutrir de ideologias embrionárimente não direcionadas às mulheres pretas.

Não se reestrutura o ser pelo outro.

Isso por compreender que em uma sociedade massacrada pelo racismo, nossa luta passa pela manutenção do corpo preto “vivo”. A preocupação do mulherismo passou a ser o resgate do matriarcado africano, berço civilizatório no nossa continente mãe, esse modificado violentamente pelo patriarcalismo no período colonial. O patriarcado como ideologia dominante Ocidental foi muito bem arquitetado para dividir e dominar. Se lembrarmos que estamos falando de um povo que vivia em comunidade regido pelo matriarcalismo perceberemos a veracidade dessa mudança.

Essa mudança foi a arma letal identitátia de um povo. Pensar o mulherismo africana passa pelo resgate desse legado propulsor. Somos atingidos diariamente como lutar de forma desigual e se somos segredados coletivamente, nada mais natural que reagirmos em grupo, parafraseado Steve Biko.

É importante sinalizar que há uma preocupação na feminilidade no mulherismo. Mulheres pretas precisam estar juntas para pensar o seu lugar de mulheres, esse destorcido pela lógica ocidental. Direcionar a mudança desse comportamento, passa pela desintegração hegemônica branca, dando um cheque mate no reinado supremacista branco.

O ventre do mundo é africano! O ventre do mundo é regido por matriarcas. A mulher preta tem o sangue da vida, que rege seu Ara (terra sagrada). Cabe a elas o gerenciamento de sua própria perspectiva de mundo e pensar por essa via não é colocar as mulheres pretas em lugar de subalternidade, é sim dar a elas a centralidade de poder que potencializa a todos ao verem nela o lugar máximo a ser respeitado.

Há um provérbio Africano que diz:
” A mão que balança o berço governa a nação e o destino “

Nesse sentido, o ventre da vida parte das perspectivas matriarcais gestando o poder responsável pela cura de nossa comunidade. Aquela que do seu peito alimenta mulheres pretas e homens pretos ao ver a luz da vida é também aquela que alimentará as lutas e reorganização dessas duas essências – Feminino e Masculino – plantando a cura e emancipação efetiva das populações africanas. Se o útero que nos gera é único, nos fragmentar nos torna órfãos da nossa própria essência histórica.

Juntos, apenas juntos avançaremos! Àṣẹ
#sepermitaarefletir

*Texto originalmente publicado na Revista Quilombo, em 2016.

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