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Não existe segmento político mais estúpido do que a classe média branca

29 de outubro de 2018

A classe média branca, grupo responsável por dar caráter popular à candidatura de Jair Bolsonaro (PSL), ajudou a eleger um candidato que também a prejudicará

Texto / Pedro Borges
Imagem / Rovena Rosa/Agência Brasil

O Brasil e o mundo vivem um acirramento da luta de classes e dos demais tensionamentos sociais. Na América Latina, a presença de governos que trabalharam para a diminuição das desigualdades sociais, como Brasil, Venezuela, Uruguai, entre outros, gerou como resposta o fortalecimento de um discurso conservador na região.

No Brasil, o principal argumento utilizado para frear os avanços promovidos pelo PT, pelas políticas sociais e a esquerda tem sido a corrupção, debate estimulado pelos grandes escândalos do Mensalão e da Lava a Jato.

A imprensa tem certamente um papel de destaque em todo esse processo. Criminalizou não só o Partido dos Trabalhadores, mas todos movimentos sociais e todos que têm se organizado no combate às desigualdades.

Esses dois movimentos, de criminalizar e associar à corrupção, porém, escondem elementos importantes para compreender a vitória de Jair Bolsonaro. Afinal, políticos de direita também foram e são acusados de participar em esquemas de corrupção, como é o caso do novo presidente da república.

A história recente

Desde 2003, com a vitória do ex-presidente Lula, o Brasil iniciou um processo marcado mais pela distribuição de renda, e um pouco menos pelo encurtamento da desigualdade social.

No que tange à população negra, houve algumas iniciativas voltadas com exclusividade para esse segmento, algo inédito no país, como inclusão de negras e negros no ensino superior, e também houve políticas sociais universais, sem um recorte racial, que também beneficiaram esse grupo. Aqui vale lembrar de programas como o programa Bolsa Família, que favoreceu sobretudo mulheres negras.

Apesar de todas as contradições, principalmente no campo da segurança pública, onde o encarceramento e o homicídio de negros aumentou, a resposta das urnas não poderia ter sido outra. Fernando Haddad carregou consigo o legado do Partido dos Trabalhadores (PT) e foi mais votado entre a comunidade negra, com apoio maciço entre os que se autodeclaram pretos.

A tendência da comunidade negra foi seguida pelos demais grupos marginalizados historicamente e que tiveram uma maior possibilidade de participação política durante a era petista.

Haddad foi o preferido entre as mulheres, que inclusive organizaram uma das manifestações mais contundentes em protesto ao recém eleito, com as expressões #elenão e #elenunca nas redes sociais e também nas ruas. Sob esses lemas, as mulheres organizaram um dos protestos mais potentes contra Bolsonaro, uma semana antes do primeiro turno das eleições.

No Nordeste, Haddad também foi vitorioso. Em uma das regiões mais beneficiadas com uma série de programas sociais do PT, Bolsonaro teve pouco apoio. Nas periferias dos grandes centros urbanos, Haddad também venceu.

Mais do que projetos históricos do campo progressista nessas regiões e direcionados a esses grupos, Fernando Haddad viu seu adversário utilizar de maneira repetida anúncios de cunho racista, machista, LGBTfóbico e contra moradores da região Nordeste. Declarações que ao final certamente colaboraram para a rejeição dele com esses segmentos.

A classe média branca

Jair Bolsonaro foi então vitorioso com amplo apoio de brancos, homens, heteros, e sujeitos de classe média. Esses grupos não foram atingidos pelos discursos de Bolsonaro e acreditam que podem ser beneficiados por um governo dirigido pela principal figura do PSL.

É a luta de classes, com todas as suas complexidades em um país escravista como o Brasil. Sob o slogan de governar para todos, existem também interesses simbólicos, materiais e econômicos por detrás desse voto pró Bolsonaro.

Um milionário votará em quem? Em candidaturas que defendem a taxação de grandes fortunas, ou em figuras que pretendem taxar os mais pobres e os mais ricos de maneira igual? Óbvio que a fatia mais rica fica com a segunda opção.

A grande questão dentro desse enredo é que a classe média branca foi muito beneficiada durante o governo petista. Uma série de medidas a beneficiou de maneira direta como o aumento no número de universidades e a criação de projetos como o Ciências sem Fronteiras.

A economia mais dinâmica durante o governo lula, a criação de postos de trabalho, a maior distribuição de renda também favoreceram o médio empresário e o profissional liberal, que viu suas oportunidades de mercado crescerem.

Um projeto político que concentra renda, que taxa de maneira igual a todos, que pretende esvaziar a universidade pública no Brasil é também desastroso para essa classe média branca e urbana. Interessa muito, do ponto de vista econômico, ao grande empresário e ao capital.

Ao que me parece, outros signos motivaram o voto desse grupo em Jair Bolsonaro. Mesmo que proponha um projeto econômico que beneficie apenas uma real elite econômica, um grupo de fazendeiros e banqueiros, o agora presidente é a garantia de exclusividade em determinados espaços, assim como a permanência e o aprofundamento de uma desigualdade típica de um país escravista.

Caberá a essa classe média o direito exclusivo de viajar ao exterior para estudar, o acesso à universidade, assim como o direito à cidade, à saúde e à segurança.

Nesse caso, parece que para essa classe média vale mais o privilégio de ter exclusividade a determinados ambientes do que propriamente prosperar no plano econômico.
Ao invés de viver em um país menos desigual e violento, a classe média, principalmente o segmento liberal e protofascista, prefere contribuir com impostos, como todo trabalhador, e gozar do privilégio que tem de ser melhor remunerada e pagar por duas vezes determinados serviços.

Ao invés de uma educação pública de qualidade, paga impostos e paga uma escola privada para os filhos. Defende também a privatização de praças, jardins, e prefere viver cercada de muros para não precisar conviver com negros e pobres.

A estupidez dessa classe média branca então é resumida em dois aspectos. Ela se mobiliza do ponto de vista político para defender um projeto econômico que deve a onerar mais, e faz isso muitas vezes motivada por conta do racismo, machismo, LGBTfobia, e respaldada pelo discurso da corrupção, mesmo que ela seja um problema de todos espectros políticos.

Esse desejo de se distinguir dos mais pobres, à custa de sua espoliação, afeta a dinâmica eleitoral. E nessas eleições percebeu-se a força que esse segmento social tem. Mesmo que não seja a detentora dos meios de produção, a classe média branca goza do capital simbólico e cultural, o que a permite influenciar de maneira direta em disputas políticas.

E agora?

É necessário construir outro diálogo com a classe trabalhadora e não a descrever como “nova classe média”. Mostrar como esse grupo foi e também é beneficiado por qualquer projeto que democratize o país.

O momento, contudo, não permite um lamento sem fim. É preciso, mais do que nunca, se organizar para enfrentar o que está por vir. Quando Bolsonaro anuncia que pretende “apaziguar” o país, uma sociedade repleta de conflitos sociais, raciais e de gênero, entende-se que ele pretende silenciar a oposição e os movimentos sociais, o que ele mesmo declarou já na última manifestação em seu favor.

Enxergar a complexidade desse momento político é permitir observar também a organização política negra, feminina, LGBT e da classe trabalhadora como um todo.

Se temos neste momento político uma figura como Jair Bolsonaro, é importante reconhecer a força e presença cada vez mais cotidiana do movimento negro na esfera política nacional.

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