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O debate antirracista nos EUA e o peso no debate político

24 de junho de 2019

Dennis de Oliveira fala sobre sua participação em congresso da Cátedra Scholas Chairs e como o racismo é tratado nos EUA e no Brasil

Estive em Nova York participando de um congresso da Cátedra Scholas Chairs, uma rede de intelectuais articulada pelo Vaticano que desenvolve projetos de pesquisa e de ação visando a construção de diálogos interculturais e de promoção da cultura da paz. O congresso foi realizado no campus da Fordham University, no Lincoln Center.

O motivo da minha participação foi para apresentar os resultados de uma pesquisa que realizei, junto com outros pesquisadores do Celacc (Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação), núcleo de pesquisa da USP que coordeno. A pesquisa tem o título de “Movimentos sociais, cultura, comunicação e territórios em São Paulo, Bogotá e Buenos Aires” e trata das experiências organizativas de coletivos de bairros periféricos destas três cidades.

A minha curta estada em Nova York possibilitou ter contato com algumas informações sobre como andam as discussões sobre o racismo no país que já tem quase meio século de implantação de ações afirmativas.

Uma série de reportagens publicadas no The New York Times, entre maio e junho, mostra o retrocesso na inclusão de grupos étnicos minoritários nas escolas de ensino médio públicas de ponta na cidade. São chamadas de Elite High Schools e podem ser comparadas a algumas ETECs aqui em São Paulo. Na Bronx High School of Science, por exemplo, a presença de negros que era de 14% em 1976 caiu para 3% em 2016.

Já na Brooklyn Technical High School, que tinha mais de 51% de negros em 1982, no ano de 2016 este percentual não passa de 6%. As quedas acontecem com os chamados “hispano-americanos” (que, incluem, por exemplo, os porto-riquenhos, mexicanos, entre outros). Ao mesmo tempo cresce exponencialmente a participação de asiáticos. Isto não significa que a população afro-americana está fora do ensino médio, pois segundo os dados oficiais, negros e hispânicos representam 70% dos alunos das escolas públicas de Nova York.

A reportagem apresenta algumas hipóteses para esta queda. Entre elas, a desinformação da existência destas escolas de excelência nas escolas do ensino básico, fazendo com que muitos simplesmente sequer prestem os exames de seleção e também como resultado do sistema de seleção que tem bloqueado a presença de alunos negros. O exemplo mais gritante disto é que no distrito do Bronx, marcado pela presença de afroamericanos e hispânicos, a Bronx High School Science nem 5% dos seus alunos são do Bronx.

O que ocorre é que como a matrícula de alunos nas escolas secundárias é por “livre escolha”, jovens da elite se agrupam em algumas escolas e, com isto, conseguem resultados mais expressivos nas notas que são utilizadas como base para um sistema de classificação geral que é levado em conta na seleção para estas vagas nas escolas de ponta. Diante disto, o prefeito atual propõe uma mudança radical no sistema em que as vagas nessas escolas de ponta seriam preenchidas por representação por distritos, possibilitando que os melhores alunos de escolas em um distrito mais pobre possam ter vagas nessas escolas de ponta. E há até a ideia de um percentual de vagas ser feito por sorteio.

O que é interessante nisto é o fato de que este problema da falta da diversidade nas escolas de ponta ser tema de agenda pública, a ponto de ocupar várias reportagens do jornal mais importante da cidade (e um dos mais importantes do mundo) e merecer medidas a serem tomadas pelas autoridades locais. Em outras palavras, a discussão sobre o combate ao racismo tem peso significativo no debate público lá, muito diferente do que ocorre por aqui em que esta discussão ainda é marginalizada por todos os setores.

Isto em boa parte por conta de uma preocupação dos afroamericanos em impor a sua marca de presença em todos os locais que estão. Passei alguns dias no Bronx, bairro histórico negro. A presença negra ali não só se observa pelas pessoas, mas por várias outras marcas, como a existência de pequenos restaurantes e bares de comida e música jamaicanas, um circuito turístico do hip hop na programação oferecida aos turistas, entre outros.

Evidente que os mecanismos de segregação nos Estados Unidos estão cada vez mais sofisticados e violentos, como, por exemplo, o encarceramento em massa de jovens negros e negras. Porém, a visibilidade da pauta antirracista também deu força a criação do movimento de resistência a este mecanismo de opressão, como o Black Lives Matter.

O que se percebe é que a diferença da discussão do racismo nos EUA e no Brasil não é que lá se constituiu uma “elite negra” e aqui não. Mas, principalmente, porque lá se avançou mais na visibilidade da agenda antirracista no debate público, que se expressa em que o tema da diversidade nas escolas seja pauta importante em um jornal como o The New York Times. Em outras palavras, o caminho é dar peso para que a agenda antirracista ganhe centralidade no debate político.

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