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O que o FaceApp tem a ver com os homens pretos brasileiros?

17 de julho de 2019

Educador social, fotógrafo-pesquisador e militante contra os crimes de racismo religioso, Roger Cipó escreveu para o Alma Preta sobre a sua percepção a respeito do aplicativo que mostra como as pessoas ficam ao chegar à terceira idade

Texto / Roger Cipó | Imagem / Reprodução 

Aos 28 anos eu simulo um retrato da minha velhice no aplicativo FaceApp. A imagem gerada é a de um senhor de aproximadamente 78 anos. Na minha idade, eu ainda faço parte de um grupo de risco, pois na realidade do meu país a cada 23 minutos um jovem negro, entre 15 e 29 anos, é assassinado.

Você não vai levar 23 minutos para ler esse texto, mas ao longo desse dia, homens pretos, como eu, morreram ou morrerão. Você se importa com isso? Eu me importo, porque é sobre as possibilidades de vida e morte que pessoas como eu enfrentam a vida todos os dias.

Eu não quero atrapalhar a brincadeira de ninguém. Só preciso que você se incomode com um país que anualmente nega velhice a pouco mais de 30 mil jovens, sendo que 77% são negros como eu. Esse é um dos reflexos de quase 400 anos de escravização e desumanização da população negra.

Uma prova de que há um projeto de extermínio em andamento no Brasil em que mais da metade da população é negra é a triste constatação: Somente 7,9% das pessoas com mais de 60 anos são pretas. Pardos representam 35,3% e brancos 55,1%. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Mesmo se somar os pretos aos pardos não somos maioria, onde somos maioria! Eu poderia parar por aqui, mas são dados vergonhosos de um país que celebra a democracia racial e a pluralidade etnica ao mesmo tempo em que promove políticas públicas e sociais de negação de humanidade ao grupo que representa mais da metade da população. Isso dá ao Brasil o título de uma das nações mais desiguais do mundo.

Eu sugiro que, após gerar seu rosto no FaceApp, você pense nos pretos velhos que estão vivos. Precisamos pensar sobre as condições que essa parcela da população vive e no tratamento que o Estado oferece as mulheres pretas e homens pretos.

Quantas mulheres pretas idosas ainda fazem faxina, por um mísero salário, para sustentar suas famílias? Quantas mulheres pretas vivem sob remédios controlados e com o coração a ponto de explodir por trazer nas costas uma desumana luta contra o racismo?

Quantos homens pretos chegam aos 50 anos sucumbindo ao câncer por se oporem ao exame de próstata devido à uma masculinidade adoecida? Quantas dessas pessoas que, se envelhecerem, serão obrigadas a enfrentar uma velhice atravessada pela necessidade de trabalhar até seus últimos dias? Isso porque a Câmara dos Deputados acaba de aprovar uma reforma da Previdência que carrega uma política de escravização moderna.

Pensemos… Em tempo, eu estou tão Abdias nessa foto ou eu estou falando isso para que você leia a obra de Abdias? E entenda que nossas ações têm sido marcadas por denúncias contra as formas que o governo herdeiro da escravização promove para matar pretos e pretas.

Oxalá esse país fosse um desses aplicativos e garantisse velhice aos homens pretos, mas peço que Osalá me permita os fios prateados de Abdias.

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