Texto: Danilo Lima / Ilustração: Vinicius de Araújo
“O sistema tem que chorar,
Quer receber nossa newsletter?
Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!
mas não com você matando na rua.
O sistema tem que chorar vendo a sua formatura”.
(Apologia ao Crime – Facção Central, 2001).
O acesso à universidade ainda é privilégio de poucos, nós os negros/as universitários/as continuamos sendo exceção à regra e, portanto, é preciso entender que a formatura é uma conquista extremamente importante, mas que ainda é pouco.
Nos E.U.A., estudantes negros tiveram que entrar em greve de fome contra o racismo, após encontrarem pichações racistas e nazistas feitas com fezes nos banheiros da tradicional Universidade de Missouri – Colúmbia. Uma ação corajosa de enfrentamento por parte daqueles que não aguentam mais conviver com estas violências diariamente.
Mas antes mesmo que possa surgir por parte de alguns, um suspiro aliviado por não termos esse tipo de situação em nosso país, cabe destacar que manifestações racistas e neonazistas, também são recorrentes em nossas universidades, sejam elas públicas ou particulares.
As denuncias de racismo têm se multiplicado ao longo de 2015. Já tivemos casos na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Universidade Presbiteriana Mackenzie, Universidade Estadual Paulista (UNESP) e, mais recentemente, na Universidade Federal do ABC (UFABC), leia mais (aqui e aqui). Deste modo, verificamos que essas atitudes não são de exclusividade do racismo que vigora nos E.U.A, nem tampouco que estudantes negros e negras brasileiros/as deixam de se organizar e resistir aos efeitos nocivos do racismo.
Recentemente no Espírito Santo (um dos Estados que mais mata jovens no país), um professor da importante Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) foi demitido após ter sido denunciado por alunos de ter cometido crime de racismo durante uma aula. Trata-se de um dos raros casos que apresenta punição efetiva para a prática de racismo no Brasil. Importante destacar que os estudantes do Coletivo Negro Negrada tiveram papel fundamental em mais essa ação contra o racismo.
Mas a questão é: por que incomodamos tanto mesmo sendo tão poucos os que conseguem superar as dificuldades e ocupar lugares que não as favelas, os cortiços e as penitenciárias? Preto e poder são palavras rivais? Definitivamente NÃO.
Não podemos nos contentar com respostas preconceituosas e simplistas para o problema do racismo. O que ocorre é que a violência racial, que nos atinge até hoje, é estrutural, dissimulada e perversa.
A violência racial se concretiza em certa medida na ação do Estado, ou ainda pela falta de ação do mesmo, caracterizando a sua forma estrutural. Quando a policia militar realiza intervenções violentas e letais pelos guetos e favelas, quando populações quilombolas não têm suas terras reconhecidas, quando se compõe ministérios sem o compromisso de garantia proporcional de representatividade negra, temos o Estado usando deliberadamente sua estrutura contra nós.
Outro ponto é que nem sempre podemos responder à altura essas ações discriminatórias cotidianas. Mesmo que sendo atingidos diariamente, os ataques dados pelo racismo estrutural podem não ser explícitos.
Há aqueles racistas mais vigilantes, que não professam o que pensam, ou ousam escrever palavras racistas na porta dos banheiros, pois identificam os riscos legais dessas atitudes, mas dissimulam suas praticas racistas no ato de tomada de decisão: quando o/a empregador/a decide não contratar negros e negras ou quando justifica a nossa não promoção de cargo com argumentos ancorados em uma suposta “necessidade de perfil adequado de boa aparência”. Há também outras formas de racismo velado no cotidiano, quando crianças negras em idade escolar não se sentem bem nas salas de aula e tem seu desempenho de aprendizagem prejudicado, ou quando o garoto acorrentado ao poste e linchado é sempre o negro.
Afinal, o Brasil é um país onde há racismo, mas ninguém se assume racista, não é mesmo? Como diria o professor Kabengele Munanga, “Nosso racismo é um crime perfeito”.
Entretanto, o efeito mais perverso do racismo não encontra seu fim nas falhas/conivências do Estado ou nas práticas racistas implícitas ou explicitas dos outros contra nós. Ao invés disso, é justamente no íntimo, em nossa subjetividade, que gradativamente vamos construindo uma noção de inferioridade, de que estamos fora do padrão e, portanto, somos nós os desajustados, passando então a conviver com uma busca eterna por aceitação.
Uma inferioridade afirmada de varias formas: com livros didáticos que insistem em nos retratar tão somente como escravizados e com determinados programas de TV que criam e reforçam estereótipos negativos sobre negros. Ou ainda pela escolha das agências de publicidade ao estamparem pelos outdoors das cidades somente aqueles de pele branca. Há também a infestação de autores brancos e europeus com os quais somos obrigados a ter contato nas universidades brasileiras.
(…) “Há alguns anos, conhecemos um negro, estudante de medicina. Ele tinha a impressão infernal de não ser estimado segundo o seu valor, não do ponto de vista universitário, e sim, dizia ele, humanamente. Tinha a impressão infernal que jamais conseguiria ser reconhecido como um colega pelos brancos, e como doutor pelos pacientes europeus.” (Fanon, 2008).
Assim, mais do que o entendimento dessa violência que atinge a população negra de modo estrutural, dissimulado e perverso, precisamos entender sobretudo o que significa ocupar o espaço acadêmico para um preto. Ou seja, nós jovens negros e negras não podemos ignorar o potencial de transformação da realidade social que a universidade nos oferece, por mais que neste espaço nossa subjetividade possa ser atacada.
Não se pode desconsiderar que a universidade é o um espaço da produção de conhecimento especializado que oferece oportunidade de pesquisa em grandes temas, mas que também se constituiu historicamente, até um período muito recente de nossa história, como lugar por excelência de reprodução dos ideais das elites econômicas e políticas nesta sociedade.
“E naturalmente, do mesmo modo que um judeu que gasta dinheiro sem contá-lo é suspeito, o negro que cita Montesquieu deve ser vigiado. Que nos compreendam: vigiado, na medida em que com ele começa algo.” (Fanon, 2008).
Fanon explica. Um negro passar pela universidade implica sim processos dolorosos e de conflito, mas que também é um caminho estratégico, uma etapa importantíssima para o inicio de novas transformações sociais.
Com a finalidade de vencer o sistema racista que tenta nos destruir todos os dias: a universidade deve ser o espaço de formação, informação e também de ação politica organizada. Não podemos abrir mão de ocupar as vagas que CONQUISTAMOS! Sigamos lutando, nos formando, fazendo a diferença, pois nossos passos vem de longe e a luta está no fim!