A doutora em literaturas africanas Aza Njeri escreveu sobre o espetáculo inspirado no conto da escritora Conceição Evaristo, que estreou em novembro no Rio de Janeiro
Texto / Aza Njeri * | Imagem / Richner Allan
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O espetáculo “Olhos D’água ou Nas Pedras Nasciam Asas” estreou em novembro no Rio de Janeiro. A obra, com texto assinado por Cássio Duque, é uma adaptação do conto “Olhos D’água” de Conceição Evaristo, publicado em livro homônimo, e conta também com poesias de Elaine Freitas e Tati Villela.
A escolha por uma dramaturgia composta pelas escritas dessas três mulheres negras é motivada pela conexão de suas trajetórias através da poesia. Conceição, Elaine e Tati se conectam por meio de uma poética que tenciona e questiona a vida e o amor, construindo memórias do ontem para plantar o amanhã.
Conceição Evaristo, doutora em literatura comparada pela Universidade Federal Fluminense e mestra em literatura brasileira pela PUC-Rio, é uma das mais renomadas escritoras brasileiras, reconhecida nacional e internacionalmente. Traz em seus trabalhos literários o protagonismos de mulheres negras por meio de suas personagens.
A escritora e professora Elaine Freitas, falecida precocemente em 2016, sempre teve a palavra como um instrumento de reverberação e de cura, com a qual transmitiu ao mundo gritos, choros, sorrisos e alegrias. Tati Villela, poeta, atriz e roteirista, tem como inspirações para a sua escrita as inquietudes e amores de mulheres lésbicas.
O trio de gerações distintas traz em suas obras literárias o lugar de produção do afeto, aspecto orientador do processo de montagem do espetáculo, que tem a água como elemento crítico na condução do fio narrativo.
O enredo se desenrola em Vanuatu, arquipélago localizado na Oceania, composto por 83 ilhas, considerado o lugar mais feliz do mundo pela agência britânica New Economics Foundation. Dessa forma, o espaço geográfico trazido à peça contrasta diretamente com as agruras explicitadas no texto, permitindo um estado de fruição, incômodo e deslocamento provocado pelas metáforas dissonantes textuais, imagéticas e metapoéticas.
O fato de as ilhas serem localizadas acima de placas tectônicas e possuírem vulcões ativos permite a discussão da relação entre território e felicidade em uma projeção direta com as realidades afro-brasileiras.
A peça, assim, conta a história de quatro crianças em Vanuatu à espera da mãe em um dia chuvoso. A água, elemento fluido de pluri simbologias costura todo o narrar, desaguando-se em uma obra prenhe de afeto e emoção.
O espetáculo é interpretado pela atriz e produtora Aliny Ulbricht, pelo ator e capoeirista João Nazaré (ambos integrantes da Cia EMÚ de Teatro), pela atriz, cantora e poeta Luiza Loroza (vencedora do Slam das Minas de 2019) e pelo ator e pianista Rafael Motta. Em cena também estão Ana Magalhães, Dai Ramos e Sabrina Chaves do Grupo Dembaia e a DJ Glau Tavares.
O trio que assina a direção é composto por Juracy de Oliveira, Shirlene Paixão e Sol Miranda. Shirlene Paixão, diretora, preparadora corporal e atriz é um dos principais talentos da nova geração do teatro carioca, que tem na multidisciplinaridade um dos seus maiores diferenciais.
Em paralelo ao trabalho com companhias de dança e teatro, desenvolve-se na área de direção com obras contemporâneas que interagem plurilinguagens artísticas. É o caso de “Nossas Bocas Não Foram Feitas Só Para Sorrir” (2018), “Carta Branca” (2017) e “Diário de Um Corpo”.
O renomado diretor Juracy de Oliveira é também ator e bailarino formado pela Escola de Teatro Martins Pena. Ele circula por diversas áreas do fazer artístico, integrando o elenco de “Nada Menos que Muito” e dirigindo “Nabila”, projetos do Carranca Coletivo. Juracy também dirigiu o espetáculo “Mercedes”, da Cia Emú de Teatro, sobre Mercedes Batista, a primeira bailarina negra do Theatro Municipal do Rio de Janeiro e “Le Circo de La Drag”, atualmente em turnê pela Europa.
A obra cênica foi idealizada e elaborada por Sol Miranda, que também assina em “Olhos D’água ou Nas Pedras Nasciam Asas” sua primeira direção artística. Sol se dedica à elaboração e construção de projetos que tragam outras reflexões sobre o mundo a partir da arte.
A atriz, realizadora, produtora e pesquisadora é uma figura chave na movimentação da cena artística negra contemporânea, idealizando e integrando trabalhos como “Mercedes” e “Mostra Ultrajado”, o premiado “Segunda Black”, projeto de conexão entre artistas e intelectuais negros, e o “I Fórum de Performance Negra-RJ” ocorrido em 2018, além de coordenar junto à artista e intelectual Doutora Aza Njeri, o Núcleo de Estudos Geracionais sobre Raça, Artes, Religião e História (UFRJ).
A partir da Cia EMÚ de Teatro, fundado pelos artistas Ariane Hime, Juracy de Oliveira, Reinaldo Júnior, Sol Miranda e Thiago Catarino, surge o Grupo EMÚ, uma iniciativa para a formação e consolidação de equipes negras no campo de trabalho artístico, subdividindo-se em Emú Produções Artísticas e Culturais (Produtora), Cia Emú de Teatro e Núcleo de Pesquisas NEGRAHR (UFRJ).
O projeto também é apresentado pelo Grupo Dembaia. Liderado por mulheres negras artistas-pesquisadoras, suas atividades são desenvolvidas no Rio de Janeiro desde 2014. As oficinas e espetáculos produzidos pelo grupo são inspirados em elementos culturais de países da África Oeste, como Guiné Conacri, Mali e Senegal. A partir dessas referências é construída uma poética afro-diaspórica.
Ana Magalhães, Sabrina Chaves e Dai Ramos, indicada ao Prêmio Shell por “Os Desertos de Laíde”, assinam a direção musical junto à premiada musicista Raquel Terra. Sabrina Chaves também assina a preparação corporal e inserção de movimentos do oeste africano. E Tati Villela, atriz e produtora do aclamado “Esperança na Revolta” nos presenteia com poesias de sua autoria.
“Olhos D’água ou Nas Pedras Nasciam Asas” em consonância com o poder movimentador da arte lança um olhar agudo e lírico sobre o real, dialogando com a prática efetiva de artivismo, como categoriza Sueli Carneiro. É, sem dúvida alguma, uma peça rio, que nos leva pela liquidez da água a caminhos de reflexões subjetivas e coletivas sobre a humanidade e o sujeito.
Neste mês, o espetáculo ainda será apresentado na cidade de Macaé (28), Itaperuna (29) e Campos (30). Em dezembro, a peça estará em temporada na Ocupação Manuel Congo, também no Rio de Janeiro.
Ficha técnica:
Direção artística: Sol Miranda
Direção: Shirlene Paixão e Sol Miranda
Colaboração artística e orientação em direção: Juracy Oliveira
Texto e adaptação: Cássio Duque
Poesias: Elaine Freitas e Tati Villela
Conto: Conceição Evaristo
Preparação teatral de elenco: Ariane Hime e Sol Miranda
Pesquisa: Thiago Catarino
Preparação Corporal e movimentos do oeste africano: Sabrina Chaves
Elenco: Aliny Ulbricht, João Alves, Luiza Loroza, Rafael Motta
Musicistas: Ana Magalhães, Dai Ramos, Dj Glau Tavares e Sabrina Chaves
Direção Musical: Ana Magalhães, Dai Ramos, Raquel Terra e Sabrina Chaves
Direção Percussiva: Ana Magalhães
Composição Musical: Ana Magalhães, Dai Ramos, Luiza Loroza, Raquel Terra e Sabrina Chaves
Preparação Vocal: Raquel Terra
Confecção dos instrumentos: Purunga de Obirin
Trilha Sonora: Ana Magalhães, Dai Ramos, Dj Glau Tavares, Raquel Terra e Sabrina Chaves
Luz: Hebert Said
Cenário: Raphael Elias
Cenotécnica: Tessitura Produções
Figurino: Sol Miranda
Direção de Produção: Paulo Mattos
Coordenação de produção: Renata Araújo
Consultoria de Comunicação: Bruno F. Duarte
Coordenação de Comunicação: Nalui Mahin
Audiovisual: Helena Bielinski e Luís Gomes
Texto de imprensa: Aza Njeri
Projeto Gráfico e Programação Visual: Giulia Santos
Assessoria de Imprensa: Duetto Comunicação
Idealização e elaboração de projeto: Sol Miranda
Realização: Emú Produções
Direção Executiva: Sol Miranda
Gerência de Produção: Renata Araújo
Captação de apoios: Aliny Ulbricht
Designer: Giulia Santos
Apresentação: Cia Emú de Teatro e Dembaia
Realização: Emú Produções
* Aza Njeri é doutora em literaturas africanas e pós doutoranda em filosofia africana. É crítica de teatro e literatura, poeta, pesquisadora, professora e mãe. Para conhecer mais sobre o seu trabalho, acesse o canal no YouTube.