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Os ensinamentos de Jesse Jackson na convenção democrata

Jornalista brasileiro conta o que aprendeu em uma tarde com o ativista estadunidense Jesse Jackson 30 anos atrás
O ativista dos direitos civis dos EUA Jesse Jackson (C) é homenageado no palco no primeiro dia da Convenção Nacional Democrata (DNC) no United Center em Chicago, Illinois, em 19 de agosto de 2024.

Foto: Andrew Caballero-Reynolds/AFP

20 de agosto de 2024

No primeiro dia do mega show, também chamado de convenção, que vai escolher Kamala Harris como a candidata democrata à presidência dos EUA, uma rápida aparição comoveu e chamou a atenção dos milhares que lotavam o estádio United Center em Chicago, Illinois. Recebido de pé, com aplausos e muitas lágrimas, o reverendo Jesse Jackson foi levado em uma cadeira de rodas. Não discursou, apenas acenou para o público.

Sofrendo do mal de Parkinson desde 2017, Jesse Jackson lembra pouco o pastor da igreja Batista que por duas vezes tentou ser presidente americano.  Em 1984 e 1988, foi derrotado ainda nas prévias de convenções democratas. Em 1988, ficou em segundo lugar entre os delegados. A frente do então senador Joe Biden e do futuro vice-presidente Al Gore. O escolhido do partido, Michael Dukakis, perdeu feio para George Bush e o resto é história.

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Em 1996, no auge de sua carreira política, o reverendo Jesse Jackson veio ao Brasil pela primeira vez. Em sua agenda além de visitas a políticos em Brasília pode conhecer um pouco da realidade das favelas no Rio. O professor Ivanir dos Santos o levou para um tour no Morro da Mangueira. Benedita da Silva o recebeu com sua tradicional feijoada no morro do Chapéu Mangueira.

Antes de voltar aos Estados Unidos, Jackson fez uma visita à redação do Jornal do Brasil. Era uma tarde preguiçosa de segunda-feira e eu estava meio à toa quando Orivaldo Perin, o editor-executivo do jornal, me chamou para acompanhá-lo e fazer um tour com Jackson pela redação. Eu, um jovem repórter da editoria Cidade, recebi o pedido como missão e lá fomos nós para a portaria na Avenida Brasil, receber a comitiva do pastor.

Nestes momentos eu sempre agradeço aos meus pais por terem investido naquele curso de inglês do CCAA quando eu era criança. Na redação do JB dos anos 90 eu era um dos poucos que falava a língua de Shakespeare e talvez o único negro. “Taí o motivo da escolha”, cravei.

Depois de rodar pelas várias editorias com o reverendo, que muito simpaticamente parou para tirar fotos com repórteres e editores, Jesse Jackson subiu ao nono andar do edifício e foi recebido pelo dono do JB, Manoel Francisco Nascimento Brito. E eu fui junto.

Filho da elite brasileira, branco de olhos claros, MF Francisco Brito nunca escondeu uma postura de classe dominante dos brancos privilegiados. Com um inglês impecável treinado em intercâmbios, o dr. Brito, como era conhecido, falou com orgulho da história do JB, um dos veículos mais importantes de sua geração.

Jackson ouviu com educação, mas no fim não evitou o constrangimento ao criticar a pouca presença de negros na redação. Ele olhou pra mim quando falou, dando a entender que não bastava um repórter negro o receber para que ele se convencesse que o JB estava na vanguarda também da ação afirmativa. Não estava.

Naquele dia, Jackson deu uma entrevista exclusiva para a repórter de Inter, Claudia Antunes. “Há dois Brasis diferentes, um nos campos de futebol e outro no corpo diplomático”. Jacskon repeliu a teoria de que há harmonia racial no Brasil e de que não somos racistas. “Não se deve confundir aculturação com oportunidades iguais. A questão entre brancos e negros não é dividir a praia e sim dividir o poder”.

Jackson sempre foi um forte defensor do sistema de cotas. “Com ação afirmativa, em dez anos você forma uma classe média negra”.

Jornalista conta o que aprendeu em uma tarde com Jesse Jackson 30 anos atrás
Jesse Jackson. (André Arruda)

Já se passaram quase 30 anos daquele dia em que passei uma tarde com Jesse Jackson. A sociedade deu passos positivos, mas lentos rumo a igualdade racial. O sistema de cotas hoje existe nas universidades. O movimento no mundo corporativo liderado por iniciativas como o Pacto Global da ONU é uma ferramenta importante. Mas assim como no tempo em que Jackson ajudava o pastor Luther King no movimento pelos Direitos Civis, a resistência é grande. É importante que se abram caminhos.

Se não fosse por Jackson, os Estados Unidos não teriam Barack Obama presidente. Se não fosse por Jackson, os americanos não teriam uma mulher negra com grande chances de ser a primeira presidente da nação mais rica do mundo.

 No Brasil o movimento antirracista demonstra sua força aos poucos ocupando lugares de poder. Nas Olimpíadas de Paris, repórteres da Alma Preta, uma mídia negra, nativa digital e independente, dividiam espaço com gigantes da comunicação nas entrevistas coletivas. Isso é muito bom. Ainda naquela entrevista JB Jackson lembrou do que viu em suas visitas nas favelas e disse que o Brasil tem a sociedade multicultural que ele jamais conheceu. E deu um recado que vale até hoje “Vocês devem explorar ao máximo o seu potencial”.

  • Marcelo Moreira

    Marcelo Moreira é jornalista e sócio-diretor da DiversaCom. Foi repórter do jornal O Dia, Jornal do Brasil e diretor de Jornalismo na TV Globo. Cobriu as Copas do Mundo de 1998, na França; 2006, na Alemanha; 2010 na África do Sul e 2014, no Brasil. E também os Jogos Olímpicos e Paralímpicos do Rio, em 2016

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