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Oscar e cotidiano da dramaturgia negra

25 de fevereiro de 2016

Texto: Fabiana Pinto / Ilustração: Zenon Zago

Com campanhas como “Senti na Pele” e debates a respeito do racismo nas indicações ao Oscar 2016, o ofício de ator para a população negra entra mais uma vez em pauta nesse inicio de ano. Para além de críticas aos papeis estereotipados como de empregadas, escravos, mulatas, bandidos e favelados que o ator negro precisa se submeter ao longo de sua formação e carreira, é preciso realizarmos um debate acerca das dificuldades pelas quais a maior parte dos atores negros passa durante a construção de sua carreira, além do contexto social que é ser e assistir um negro atuando.

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Correr atrás de seus sonhos é uma filosofia bonita a ser seguida, mas para a camada pobre e negra da população essa filosofia se limita à teoria. Afinal, antes de correr atrás de um sonho é preciso correr atrás do alimento, da vestimenta e da moradia…é preciso correr atrás do dinheiro. Vivemos em uma sociedade capitalista e a ideia de sonho e aspirações infelizmente não cabe a todos. Para algumas pessoas só existem necessidades a serem supridas. A vida se torna uma questão de sobrevivência e dentro desse jogo de sobrevivência que todos os dias negros e pobres encaram, infelizmente não há espaço para sonhos.

Por maior que seja seu talento, se você não possuir apoio financeiro, psicológico e afetivo para investir nele, aquilo jamais se tornará realidade e, tratando-se de um sonho teatral a coisa é ainda pior já que, o ofício de ator é algo desvalorizado, algo que pode levar tempo para que gere lucro, e esse tempo, os pobres não têm a perder. Além disso, esse é mais um espaço negado à população negra, onde as vagas são limitadas e nem sempre a meritocracia se faz valer, nem sempre é possível que o negro pobre utilize do canal artístico para realizar uma ascensão social.

Ainda que hoje pelas periferias do nosso país existam projetos sociais que, junto com crianças, adolescentes e jovens, incentivam o desenvolvimento cultural e artístico dos mesmos, é necessário termos um olhar amplo e sincero sobre o tema, afinal, quantos negros você vê na TV ou teatro? Desses negros quantos estão em papeis que não remetam a estereótipos de nossa raça? Pensando rápido, não me veio nenhum a mente. A antropóloga Solange Martins Couceiro de Lima¹ certa vez disse que “a maneira como as telenovelas brasileiras tratam os personagens negros reflete a forma com que sociedade os trata com o ‘ preconceito à brasileira’, sutil, disfarçado e com vergonha de ser preconceito”.

Teatro Negro – A arte militante necessária

O negro acabou por ser excluído do teatro assim como de outros espaços na sociedade pós-abolicionista quando o teatro deixou de ser marginalizado e se tornou lugar de brancos, brancos esses muitas vezes com suas caras pintadas de preto em seus espetáculos. Apesar do surgimento de nomes como Grande Otelo, durante 1927 com a Companhia Negra de Revistas, essa representação do negro era escassa e quando acontecia, ocorria em padrões estereotipados. Miriam Garcia Mendes relata em seu livro A personagem negra no teatro brasileiro², como os personagens negros naquela época sempre se limitavam aos estereótipos do “neguinho”, do pai João, da “mulata exportação” ou da velha escrava.

Essa situação só começou a mudar a partir de 1944, com a criação do Teatro Experimental do Negro (TEN) no Rio de Janeiro, com Abdias do Nascimento. Sem espaço nos palcos tradicionais e na sociedade pós-abolicionista, o negro teve que se organizar para poder aparecer tanto como ator de teatro quanto como ator social e político. Além disso a companhia foi capaz de mudar a forma como o teatro era feito. Foram considerados os primeiros performers nacionais já que, na tentativa de valorizar a cultura africana, juntavam teatro, dança, poesia e música em suas encenações. O TEN permitiu que diversos atores negros fossem descobertos e tivessem acesso a uma formação teatral e, também, à alfabetização já que muitos dos que participavam tinham um baixo nível de escolaridade. A companhia teve sua estreia marcada no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, lugar que na época Abdias do Nascimento classificou como “a fortaleza do racismo”.

Elenco da peça O filho pródigo, de Lúcio Cardoso. Teatro Ginástico(RJ), 1947 Fonte: NASCIMENTO, Abdias do. Teatro experimental do negro: trajetória e reflexões. Elenco da peça O filho pródigo, de Lúcio Cardoso. Teatro Ginástico(RJ), 1947. Fonte: NASCIMENTO, Abdias do. Teatro experimental do negro: trajetória e reflexões.

Companhias como o TEN, que teve seu fim em 1952, foram importantes pois permitiram ao ator negro atuar em papeis que antes só eram destinados a pessoas brancas. Papeis escritos para brancos mas que, não alterando em nada o andamento da história, questiono: por que um negro não poderia encená-lo? Essa era a pergunta que se faziam e que, continuamos a fazer até hoje.

Recentemente durante a premiação do Emmy 2015, Viola Davis, a primeira mulher negra a ganhar o Emmy de melhor atriz disse “Não se ganha um Emmy por papéis que simplesmente não existem” e “A única coisa que separa mulheres negras de quaisquer outras é a oportunidade”. Há anos atrás isso era verdade e até hoje continua sendo, já que quando lemos uma história em que os personagens não são descritos minuciosamente, nossa mente imagina um rosto branco, um personagem sempre branco e isso precisa ser mudado; e isso só poderá ser mudado quando começarmos a ver personagens negros, quando escritores começarem a criá-los, quando a cor escura e o cabelo crespo se tornar uma característica tão comum e aceitável quanto a pele branca e os cabelos lisos.

Ator social, ator cultural

É preciso que o ofício do ator negro tenha um cunho artístico-militante no Brasil. Quando estamos em uma sociedade onde é necessária a criação de uma política de “cotas”, que regulamente a participação de atores negros na mídia, o ser negro e estar na TV, por exemplo, não pode ser considerado uma profissão de cunho meramente artístico. É também uma questão política. Se vivemos em um país onde mais da metade da população é preta ou parda, devemos considerar no mínimo estranho o fato de não nos vermos nos veículos de mídia. A proporção de negros que vemos pelas ruas não equivale a que vemos na TV, cinema ou em propagandas e só o fato de ser necessária uma discussão política e legal sobre a aparição de negros na TV, nos mostra que a dificuldade de um ator negro é maior que a de qualquer outro.

Quando pensamos em representatividade o negro se torna ainda mais importante. É preciso que nossas crianças vejam pessoas similares a elas em papeis de destaque, que o negro seja representado como o médico, o advogado, o professor, o empresário bem sucedido.  É preciso que os atores negros usem o espaço que conquistaram para influenciar os seus irmãos, que continuam expostos às mais diversas situações e, quase sempre desacreditados. É preciso que o ator negro, seja além de ator, militante, que o ato não termine quando as cortinas se fecharem, que sua voz continue a ecoar mesmo quando os microfones se desligarem. Ainda que inúmeros personagens e cenas venham e vão, o ato que jamais poderá deixar de ser encenado, é seu ato político, é o ato que não precisa de texto e nem ensaio, é o seu ato de resistência.

¹Solange Martins Couceiro de Lima, professora da Escola de Comunicação e Artes (ECA), da Universidade de São Paulo, na Folha de S. Paulo Ilustrada, 28.08.1998, p.15.

²Miriam Garcia Mendes, A personagem negra no teatro brasileiro, São Paulo, Ática, 1982, p. 188-189.

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