Cerca de 600 delegados de 26 estados estarão reunidos a partir de hoje (3) e até domingo (5) em São Paulo para a Conferência Popular Pelo Direito à Cidade, em São Paulo. O objetivo da Conferência é construir uma plataforma de lutas nacional unitária pelo direito às cidades, com participação popular, e que tenha no centro de sua incidência sujeitos sociais historicamente invisibilizados, como mulheres, pessoas negras, indígenas, jovens, LGBTI+.
As cidades abrigam a maior parte da população negra no Brasil. É a cidade uma das principais estruturas do racismo no país e no mundo, determinando o lugar de cada corpo e cada cor.
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A eficiência dessa geografia escamotea o racismo. Devido a ela, gestores públicos, a polícia e o capital podem agir de maneira racista sem precisar verificar a cada decisão a cor dos afetados, mas com a certeza e legitimidade de que não falharão. E, assim, a bala perdida atinge sempre a criança certa, o remédio sempre acaba na UBS certa, a linha de trem sempre falha no trecho correto, a guerra às drogas sempre se desdobra na trincheira certa, a falta de merenda sempre ocorre na escola esperada, a polícia sempre invade o casa certa, o morro sempre desliza e o rio sempre transborda na margem direita.
São sobre estes territórios de intenso cotidiano, cultura, sociabilidade e trabalho negros em que avançam as fronteiras do complexo imobiliário internacional, apagando as memórias, destruindo as formas de organização política e social que fortalecem o futuro e jogando os sobreviventes pras margens, as várzeas e as áreas de terra solta.
Também são as cidades que pressionam quilombos, mangues, rios, terreiros, matas e florestas, todo lugar, onde modos de vida resistem à sua forma hegemônica.
Por isso, pensar as cidades é uma tarefa que vem sendo protagonizada por pessoas negras desde antes dessas lutas serem nomeadas lutas urbanas nos anos 1980. São as mulheres negras em especial que lideram ocupações por moradia, a luta contra a poluição de rios e mangues, a luta por saneamento, transporte, saúde e o genocídio da população preta, pobre e periférica.
Depois de anos de luta, avançamos na compreensão do racismo como elemento estrutural da nossa sociedade, mas pouco se avançou na compreensão (ou na aceitação) de que o racismo organiza a produção e transformação das cidades. Há resistência em lidar com radicalidade das medidas necessárias para enfrentar essa condição e a invisibilização dessa obviedade ocorre quase que na mesma medida entre engravatados do mercado imobiliário, intelectuais progressistas, e os dirigentes partidários.
A menos que sejam feitas ações concretas, investimento político e econômico, as estruturas do racismo não serão superadas pela força da culpa branca. É preciso reformular a essência dos planejamento urbano, redistribuir os investimentos em projetos urbanos e reorientar a ação coletiva para superar o impacto racial das transformações das cidades.
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*Gisele Brito é mestra em planejamento urbano, faz parte da equipe do Instituto de Referência Negra Peregum é militante da Uneafro Brasil e do movimento de comunicação periférica de São Paulo e integrante da comitiva da Coalizao Negra por Direitos na Conferência Popular pelo Direito à Cidade.