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Por que chamamos Neymar de menino?

6 de julho de 2018

Neymar e outros atletas negros foram e são marcados por toda a carreira esportiva como “meninos”, não como “homens”. Para Thiago A. S. Soares, membro do coletivo Circulo de Formação Marcus Garvey, essa é uma das faces do racismo que atua de maneira contundente sobre homens negros 

Texto / Thiago A. S.  Soares (Tago Dahoma)
Imagem / Getty Images

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Este texto não tem o menor intuito de diminuir a paixão despertada pela Copa do Mundo de futebol. No entanto, algumas narrativas transmitidas pelos programas midiáticos acabam por perpetuar uma visão distorcida das pessoas negras, que mesmo em um formato aparentemente ingênuo e humorado, é mais uma das mascaras do racismo em ação.

O que provocou este texto tem sido as reiteradas formas de se referir ao jogador Neymar. Porque ele tem sido considerado e chamado de “menino”? Afinal, ele tem 26 anos, idade de muito pai de família. Neymar é pai, com um emprego que lhe rende grandes vantagens financeiras e para isto, é preciso um nível de responsabilidade.

No entanto, nada disso é pesado na balança, com algo que lhe rende um lugar “infantilizado”, não importando suas outras atribuições extra-campo. A desenvoltura e dribles desconcertantes são vistos dentro duma ótica racializada que lhe diminui o papel como um adulto, consciente de seus deveres. Sempre a precisar de um tutor, de um responsável.

Esse mecanismo racista não é novo ao olharmos sua atuação sobre outras figuras recentes e também importantes para o futebol brasileiro, como os jogadores Robinho, ex-atacante do Santos e Ronaldinho Gaúcho, ex-atleta de diversos times importantes no Brasil e no exterior. São todos brincantes, todos meninos, colocados numa aura de irresponsabilidade, de imaturidade que lhes concede um salvo-conduto para não apenas serem relevadas alguns possíveis erros (traquinagens), mas para lhe retirarem peso nas suas ações sérias, sendo sempre diminuídas no seu valor.

Indo para além do mundo dos esportes, temos outras figuras negras muito conhecidas no imaginário social, que são tratadas de maneira humorada e por isso, são vistas como irresponsáveis. A figura do Mussum e do Tião Macalé, personagens do extinto grupo “Trapalhões” nos ajudam a elucidar como o racismo em sua forma humorada atua: o personagem é destituído de gravidade, tendo como principal objetivo trazer alegria aos outros, sendo seus erros vistos como travessuras, como destituídos de intenção, algo que será contornado quando amadurecer ou “tomar jeito” na vida. No caso de Neymar, ser visto como um menino é ser um vir-a-ser algo que sabemos bem como funciona para homens negros: Você se torna qualquer coisa, menos um homem.

Não sei até que ponto isto o favorece. Pelas regras da quebrada onde me criei quando um homem é chamado de menino é porque ou vacilou ou por suas ações não são positivamente consideradas junto aos outros. Como este tratamento pode beneficiá-lo de alguma forma? Vendo narradores, comentaristas e jornalistas brancos o chamando de “menino Ney” me recorda o lugar legado aos homens negros nos Estados Unidos durante as leis segregacionistas Jim Crow, sendo chamados de “boy”, mesmo sendo velhos, pais de família, homens de negócio, fazendeiros. Menos que homens, meninos a serem conduzidos, irresponsáveis, mas sendo responsabilizados dentro do que lhes cabe.

Pode ser um devaneio meu, mas o imaginário racista não cochila nem tira férias. Transforma em brincadeira, em festejo o que de fato é uma diminuição da figura de uma pessoa negra. Transforma a habilidade de homens negros em campo em uma figura de “mulekote”, irresponsável. A mídia não cola esta imagem apenas ao jogo, mas cola como um traço da personalidade destes atletas. São vistos pela alegria que provocam, não pelo que de fato são.

Entre Robinho e Diego, jogadores do Santos em 2002, quem deixou de ser “menino da Vila”? Que jogador branco habilidoso era chamado de menino perto dos 30? Questões que ainda ecoam, que apesar de fazerem alusão ao futebol, vão muito além dele em suas reflexões raciais.

Thiago A. S.  Soares (Tago E. Dahoma) é graduado em ciências sociais e membro do coletivo Ciclos de Formação Marcus Garvey

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