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Cadê o Povo Negro no Ministério de Dilma e do Ilegítimo Temer?

3 de agosto de 2016

Texto: Lucas de Deus / Edição de Imagem: Vinicius Martins

Cuidar em organizar a nossa luta por nós mesmos é um imperativo da nossa sobrevivência como um povo. Devemos por isso ter muito cuidado ao fazer alianças com outras forças políticas, sejam as ditas revolucionárias, reformistas, radicais, progressistas ou liberais (Abdias Nascimento)

Desde o golpe dado por Michel Temer e parlamentares, a população brasileira vem sendo bombardeada com as notícias publicadas pelos jornais sobre os inúmeros absurdos e retrocessos na fragilíssima democracia brasileira. No entanto, meu objetivo aqui não é falar necessariamente a respeito do governo ilegítimo, mas sim, compartilhar uma inquietação específica acerca do alarde em torno da composição ministerial do Temer, ser apenas de homens brancos e heterossexuais.

Depois da divulgação oficial dos ministérios e respectivos ministros que comporiam o governo golpista, foram amplamente questionados e pontuados sobre o absurdo de não haver nenhum/a ministro/a negro/a e nenhuma mulher. De fato este quadro é profundamente dramático, uma vez que simboliza um governo completamente alheio, displicente, que ignora, anula e nega a diversidade étnico-racial, de gênero e etc. Entretanto, não poderia esperar algo diferente de um governo que assumiu o poder por meio de homens brancos que são latifundiários, ruralistas, fundamentalistas religiosos, fascistas. Governo que se valeu de um “golpe parlamentarista” para chegar ao poder. Um homem que chega a presidência de mãos dadas com esses políticos, só o pior pode se esperar.

Apesar disso, não acredito que este seja o melhor caminho para deslegitimar e refutar o governo Temer. Sabem por quê? O governo da presidenta Dilma Rousseff também deixou muito a desejar (entre tantas outras coisas) no quesito representatividade negra. A presidenta Dilma, ao longo do seu governo, teve apenas duas mulheres negras compondo o extinto Ministério: Luiza Helena de Bairros, Ministra da Igualdade Racial de 2011 a 2014 (no primeiro mandato da presidenta Dilma) e Nilma Lino Gomes, ocupando também o cargo de Ministra da Igualdade Racial de 2015 a 2016, a partir do segundo mandado da presidenta até o golpe. Acredito que ter negras/os ocupando a Secretaria da Igualdade Racial é não só óbvio, como estratégico, pois assim alguns setores dos movimentos sociais tendem a se acalmam.

Composição ministerial do governo Dilma Rousseff em 2011

Nesse sentido, é preciso refletir e questionar por qual motivo somente na Secretaria da Igualdade Racial que o corpo negro teve lugar, mesmo sendo um governo marcado pelo discurso da “justiça social”. Nós negras/os temos competência para tratar da questão racial! Mas, não apenas. Temos competência para sermos ministro da Agricultura, do Planejamento, da Fazenda, Relações Exteriores, Saúde, Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia e etc.!

Acredito que a ausência do corpo negro nestes Ministérios tem como base o mesmo princípio que levou a presidenta Dilma Rousseff a fundir as pastas da Igualdade Racial com a das Mulheres e Direitos Humanos no então “Ministério da Cidadania” sob a justificativa da necessidade de diminuir os gastos em função da “crise econômica”: conceber o racismo como uma questão secundária!

Em um sistema no qual o racismo determina e regula as políticas públicas e as próprias relações sociais, é evidente que o combate a desigualdade racial será alijada dos interesses políticos. Não por acaso, as questões étnico-raciais costumam ser colocadas em segundo plano por partidos ditos progressistas, em nome da suposta verdadeira contradição do capitalismo: “a luta de classes”.

Equipe ministerial do governo de Michel Temer

É curioso, talvez contraditório, que petistas e outras personalidades se utilizem do argumento da não representatividade de outros setores para criticar esse governo ilegítimo. É evidente que do ponto de vista das estratégias de governança do governo Temer nos levarão a retrocessos talvez incalculáveis, que é um governo bem pior que o governo da Dilma. Contudo, no que concerne a participação do povo negro no alto escalão de poder em seu governo, a presidenta Dilma não está muito distante do Temer. Saliento que, de um modo geral, os partidos políticos tem pouquíssimos negros/as em lugares de poder.

É leviano questionarem a branquitude do governo Temer, e não fazerem o mesmo do governo da presidenta Dilma. Critiquem a composição branca heteronormativa ministerial do Temer mais aproveitem também para refletir criticamente não apenas sobre a ausência de representatividade negra no Ministério da Dilma, como também, por exemplo, na banalização da vida negra, a partir de política de segurança pública racista-genocida. Não podemos esquecer que nos últimos 12 anos o número de negros mortos aumentou de forma exorbitante e inversamente o de brancos diminui.

Enfrentar o racismo no Brasil implica compreender a necessidade de “racializar” todos os ministérios e demais órgãos de poder, assim como as outras esferas da vida social. O slogan da “justiça social”, da “luta de classes” e outras ideias universalistas defendidas pela grande parte dos considerados progressistas, inviabilizam o combate ao racismo como um problema estrutural e sistêmico. O saudoso Abdias Nascimento já nos ensinava em 1980 que o “racismo é a primeira contradição social no caminho do negro. A esta se juntam outras, como a contradição de classes e de sexo”.

Por isso, acredito que a atual conjuntura nos provoca a refletir, analisar e repensar as estratégias e caminhos escolhidos ate o momento, pois parece que agir por dentro do sistema tem gerado poucas mudanças estruturais nas condições do povo negro. A nossa libertação nunca poderá acontecer pelas mãos da supremacia branca e, muito menos, dentro de um sistema racista.

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