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Professores da Quebrada, Política Antirracismo e o Escola Sem Partido

2 de agosto de 2016

Texto: Caio Faiad / Edição de Imagem: Pedro Borges

– Como eu sou estudante de Pedagogia vou dar uma aula pública! Vou fazer umas perguntas,
mas só as pessoas pretas respondem, ok? Vou perguntar: Existe negrofobia?
– Não!
– Como se chama isso?
– Racismo.

Essa intervenção da DJ de blackpower loiro que aconteceu na festa BATEKOOSP durante a Ocupação Preta da Funarte em São Paulo e é uma representação da nova configuração de educadores no Brasil.

Dias antes dessa importante festa do movimento negro brasileiro, li uma matéria sobre Ane Sarinara uma professora de Osasco, Grande São Paulo, que nas aulas de História pedia aos alunos que compusessem funks com o conteúdo ministrado por ela. Destaco o seguinte trecho da reportagem da Revista do Brasil “Estudou em escolas estaduais da região, onde anos depois voltou para lecionar, após cursar História em uma das primeiras turmas do ProUni. ‘Ultrapassei o limite de ‘você vai ser doméstica, ter filho aos 16 anos e seu máximo vai ser um marido traficante’, como me diziam quando eu tinha 14 anos’.”

Já a história de quem os escreve começa na favela do México 70 em São Vicente no litoral de São Paulo. Com muito esforço consegui uma vaga no CEFET-SP (hoje IFSP) na cidade de Cubatão. Estudar na escola federal foi um grande diferencial na minha formação, mas também houve um esforço sobrenatural. Em seguida, entrei em Química Ambiental no Ibilce-Unesp, segui o mestrado em Química Orgânica no IQ-Unicamp e, ao invés de, iniciar o doutorado, comecei Letras na FFLCH-USP. Hoje divido o meu tempo entre a segunda graduação e a docência em uma Instituição de Ensino Superior privada, onde leciono no curso de Licenciatura em Química na modalidade EAD em Santos.

Existem pontos de contato entre a minha trajetória de professor universitário, a da professora de História da Educação Básica de Osasco e a da DJ estudante de Pedagogia: somos reflexo de uma política nacional de educação que abrange ProUni, Reuni, expansão do FIES, Lei de Cotas e as Lei nº 10.639/2003, que inclui no currículo da educação básica a “História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.” Mas também há os aspectos de vivência que nos unificam ainda mais: somos negros, não chegamos nos 30 anos, e pelo menos dois de nós três somos de origem periférica.
Representamos, assim, uma nova configuração de educadores: o “professor da quebrada”.

Em junho de 2016, durante as manifestações das mulheres pelo fim da cultura do estupro ficou lantente que, para uma parte da sociedade brasileira, movimentos que buscam igualdade de direitos, seja das mulheres, dos negros e dos LGBTIQ, tratam-se de movimentos esquerdistas. Isso ocorre porque a polarização da política brasileira foi acompanhada de um direcionamento das pautas progressistas para os partidos de esquerda e centro-esquerda e das pautas conservadoras para os partidos de direita e centro-direita.

A entrada do PT na presidência da República deu vazão, embora de forma insuficiente, para as pautas progressistas. As pautas do Movimento Negro como a defesa das cotas raciais no Ensino Superior como meio para promoção da equidade racial se tornaram agenda dos partidos de esquerda, e portanto os conservadores, alinhados aos partidos de direita, apontam essas pautas, de maneira equivocada, como uma ideologia marxista. O mesmo acontecerá com as pautas do Movimento Feminista e do Movimento LGBT, que para a direita brasileira se tornaram mecanismo de uma doutrinação marxista, doutrinação bolivariana, doutrinação ideológica.

Izalci (PSDB-DF) é um dos idealizadores do projeto Escola Sem Partido

Tendo isso em vista, o deputado Izalci (PSDB-DF) apresenta a PL nº 867/2015 que pretende incluir nas diretrizes educacionais “Programa Escola sem Partido” que apresenta princípios pedagógicos superados alinhados a diretrizes conservadoras. O Movimento Escola Sem Partido considera os estudantes passivos no processo de ensino-aprendizagem e ao usar palavras como “vulnerabilidade” e “incitar” extremiza a verticalização da relação aluno-professor e concebe o estudante como uma tábula-rasa que não fará uma análise sobre o conteúdo que está sendo ministrado pelo professor.

Ainda, em uma análise mais rigorosa, é possível observar que por meio do § 1º do Art. 3º, que a PL pretende atingir especialmente as escolas públicas, pois dá liberdade às escolas privadas e confessionais para adotarem as práticas pedagógicas que convier. O absurdo não para por aí, pois se de um lado a diz PL que garante o “pluralismo de ideias no ambiente acadêmico”, ela também abre margem no item 6 do Anexo “Deveres do professor” que o professor deve coibir a expressão extra-conteudista dos alunos em sala de aula.

Em tramitação no Senado Federal, a PLS nº 193/2016 de autoria do senador Magno Malta (PR-ES) que apresenta os mesmos pressupostos do “Programa Escola sem Partido”. Essa PLS também apresenta brecha para que a lei seja aplicada apenas para a Educação Pública. No entanto, ela apresenta um diferencial: é explícito no Art. 5º que uma das funções do professor será reprimir os alunos que se expressem de forma diferente daquilo que a PLS propõe. Em suma, tanto a PL nº 867/2015 quano a PLS nº 193/2016 propõem uma escola sem dinamicidade de ideias, sem diálogo, sem debate, isto é, uma escola ditatorial.

Senador Magno Malta é o responsável pela criação do projeto apresentado no Senado

Para Leandro Karnal, o Movimento Escola sem Partido é produto de uma massa de “direita delirante e absurdamente estúpida”, pois acredita que na escola exista uma doutrinação marxista e não entende que um movimento que pede o fim da ideologia é ideológico em si. No entanto, eu analiso esse movimento criado em 2004 como uma força contrária as mudanças sociais que começam a ser implementadas por meio de pautas progressistas incorporadas no Brasil pelos partidos de esquerda.

Nessa perspectiva, o movimento Escola sem Partido, então, trata-se de um projeto articulado que formula estratégias para barrar algumas das poucas formas de permeabilidade social. Os projetos de lei é uma forma de revalidar o racismo estrutural da sociedade brasileira daqueles que com muito luta conseguiram transpor os obstáculos durante os anos da Educação Básica. Os líderes desse movimento sabem que a transformação da sociedade por meio da educação é auto-catalítica (para usar o linguajar dos químicos): quanto mais negros, pobres e favelados se tornarem professores da quebrada, mais negros, pobres e favelados conseguirão sair do destino que a elite branca brasileira preparou para nós: o subemprego.

O professor da quebrada entende a importância de políticas de ampliação de acesso ao Ensino Superior, propõe debate e luta pela adoção das Cotas Raciais também nas Universidades Públicas Estaduais nos Estados que não aderiram, como o caso de São Paulo. O professor da quebrada se mobiliza para que Lei nº 10.639/2003 (alterada pela Lei nº 11.645/2008 para inserir a questão dos povos indígenas) seja aplicada em suas aulas, seja por meio da participação em movimentos sociais organizados, em práticas que valorizem a vivência dos estudantes periféricos,
ou, ainda, por meio de ampliação de conhecimento com uma nova graduação. O professor da quebrada concebe que a função do educador é a formação de cidadãos que entendam a configuração social do país e que compactuem não só com o fim do racismo, mas também com o do machismo e da LGBTfobia.

Nesse contexto, o Movimento Escola Sem Partido deve ser visto também como uma forma de expressão política de uma direita conservadora articulada por meio de dispositivos legais para amordaçar essa nova geração de professores que possuem capacidade de fomentar e de instigar novas reflexões sobre a realidade social brasileira. Não é coincidência que esse Movimento volta a receber atenção midiática no momento em que o presidente interino monta o Ministério sem mulheres e sem negros. É preciso que fiquemos atentos a tramitação da PL nº 867/2015 e da PLS nº 193/2016, pois elas ameaçam avanços na Educação, pois visa minar as políticas antirracismo da educação brasileira fomentadas principalmente pelas Leis nº 10.639/2003 e nº 11.645/2008. Se for aprovada, certamente, representará um novo patamar de retrocesso para nossa sociedade.

Caio Ricardo Faiad da Silva é Bacharel em Química Ambiental – UNESP, Especialista em
Planejamento, Implementação e Gestão da Educação a Distância – UFF, Mestre em Química
Orgânica – UNICAMP, licenciando em Letras/Linguística – USP e docente de Química e Gestão
Ambiental – UNIMES.

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