Tentaremos nesse texto tratar de um tema que recorrentemente vemos aparecer nos espaços de debate sobre questões étnico-raciais, que é a possibilidade de, no Brasil, um branco sofrer racismo. Isto é, vamos discutir o famigerado racismo inverso. Será que isso é possível? Para responder essa pergunta, mobilizei nesse texto alguns conceitos duma perspectiva sociológica responsável pela problematização da constituição histórica dos sujeitos e outros conceitos da Análise de Discurso, linha teórica da linguística que mais problematizou a relação entre ideologia e prática discursiva. Tentei respeitar uma linha limítrofe entre a leveza dum ensaio expositivo e a densidade do texto teórico para ajudar o leitor não familiarizado com os conceitos a responder a pergunta inicial.
Quer receber nossa newsletter?
Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!
Primeiramente, para se definir “racismo” é necessário, como todo fenômeno social, entendermos todas as manifestações sociais dessa ideia. Por ser um conceito abstrato, como o é sociedade, humano, história, enfim, como é a maioria dos conceitos utilizados nas ciências humanas, sua definição e a base metodológica de sua demonstração estão correlacionadas. Por exemplo: um conceito amplo de racismo demanda uma análise atenta aos grandes movimentos históricos de continuidade. Ou seja, esse conceito amplo seria útil para uma perspectiva historiográfica como seria um estudo hipotético intitulado “A história dos sistemas racistas”. Por sua vez, um conceito mais restrito demanda uma análise atenta aos detalhes, às rupturas, ou seja, uma metodologia quase que oposta àquela e que dá base para o conceito de “racismo” utilizado nos estudos discursivos, por exemplo.
Assim, para se falar de “racismo” por uma perspectiva discursiva, que demanda exatamente a atenção aos detalhes e rupturas, temos que definir antes o que vem a ser uma ideologia racista. Entenderemos “ideologia” como aquela definida na tradição das ciências sociais da Escola de Frankfurt, pois essa foi uma das correntes sociológicas que mais deu um enfoque comunicacional à questão da ideologia. Nesse sentido da teoria crítica, ideologia é algo constituinte da própria realidade, ou seja, totalmente contrária à ideia de que ela se trata de uma “subversão do real”. Para os frankfurtinianos, o próprio fato da palavra “ideologia” ser vazia no seu sentido mais corrente, é prova de uma agência que busca tirar a atenção da realidade que, em sua constituição, afirma uma ideologia:
“A palavra que não é simples meio para algum fim parece destituída de sentido, e as outras parecem simples ficção, inverdade. Os juízos de valor são percebidos ou como publicidade ou como conversa fiada. A ideologia reduzida a um discurso vago e descompromissado nem por isso se torna mais transparente e, tampouco, mais fraca. Justamente sua vagueza, a aversão quase científica a fixar-se em qualquer coisa que não se deixe verificar, funciona como instrumento da dominação. Ela se converte na proclamação enfática e sistemática do existente. (…) A nova ideologia tem por objeto o mundo enquanto tal. Ela recorre ao culto do fato, limitando-se a elevar – graças a uma representação tão precisa quanto possível – a existência ruim ao reino dos fatos (Adorno & Horkheimer, 1985:138).”