Jair dos Santos é um dos jornalistas que mais acompanha a temática do Hip Hop. Profissional do site Zonasuburbana, Jair dos Santos crítica a falta de reflexão sobre as mazelas sociais do país, principalmente por parte dos rappers brancos.
Texto / Jair dos Santos Cortecertu, CCCa – Central de Criação de Conteúdo Alternativo
Imagem / youtube.com
Edição de Imagem / Vinicius Martins
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Seguindo as normas do infotenimento e plagiando o humor dos YouTubers mais populares, poderíamos afirmar que o rap está mais pra TMZ do que CNN. Essa comparação não é novidade…e não tem a menor graça.
A questão que é título desta coluna está em “Yesterday man”, rap de “Nothing Is Quick In the Desert”, novo trampo do Public Enemy, disco lançado neste mês, mas que foi ofuscado pelo CD “4:44”, do rapper Jay-Z.
Em reportagem do site Reading Eagle, o jornalista Gregory Kot, do Chicago Tribune, afirma: “O hip hop é um jogo de jovens […] Nas últimas semanas, “Nothing Is Quick in the Desert” e “4:44” – chegaram para oferecer uma visão mais ampla sobre como crescer dentro do rap.. Jay-Z oferece conselhos e perspectivas sobre família e negócios, tipo o padrinho rico mostrando alguma vulnerabilidade. Em contraste, Chuck D, líder do PE, desempenha o revolucionário em envelhecimento, um rapper perturbado pelo modo como a promessa do hip hop foi desperdiçada por uma nova geração de estrelas mais interessadas em ser ‘um espetáculo em vez de espetacular’”.
“O amor pela arte mergulhou na massa”, dispara Chuck D, “Perdemos fluxos reais para murmurar memes”, continua.
Ainda de acordo com a reportagem de Kot, “às vezes, Chuck D soa como um amargo e velho chefe do hip hop, avisando os Drakes e Kanyes do mundo para sair do gramado.”
“Tente andar uma milha nestes sapatos da velha escola”, Chuck rima em “Sells Like Teens Hear It”. E o líder do Public Enemy não para por aí, “Millennials, vocês não sabem, são viciados em mídias sociais, de acordo com a SOC MED Digital Heroin.”
Em maio deste ano, na minha coluna no programa Casa da Rima, da agência Dooping, conversei com meu mano Gulliver – rapper do D-Pinot, que também faz parte da dupla Two Bigs – sobre essas paradas aqui no Brasil.
A questão foi a seguinte: No rap, você pode escolher não se importar com nada?
A resposta é sim! Mas em meio ao debate sobre apropriação cultural e mudanças nos discursos do rap, podemos perceber que o artista branco pode estar no hip hop e escolher não se envolver nas paradas sobre racismo, política, genocídio da juventude negra. O artista branco pode fazer seu rap totalmente alheio aos problemas vividos pelos negros brasileiros, sem sofrer ou ver seus semelhantes (outros rappers brancos) sofrerem alguma consequência.
Muitos MCs até falam que certas discussões são “papo de minoria”. Nas entrelinhas, transmitem a ideia: “Fiquem com a cultura e suas raízes, eu quero apenas o que é a parte boa e lucrativa pra mim.”
Voltando aos estrangeiros, e contrariando o discurso vigente e a falsa impressão de que o rap nos EUA tem apenas a voz dos novos artistas, o rapper Common, em reportagem recente da Billboard, disse que a música do final dos anos 1980 e 1990 foi verdadeiramente reflexo de um movimento negro. A música representava o movimento da capacitação negra, do amor negro, da consciência. Common disse que as coisas passam pela evolução, elas mudam, mas não temos a luta negra discutida atualmente no hip hop.
”Eu não sinto que temos isso como um todo no hip hop, eu não acho que o hip hop é o lugar onde vamos ouvir que nossa música é a voz de uma revolução ou que estamos mudando as coisas. Mas há artistas que fazem isso, como Kendrick Lamar e Chance The Rapper. Embora o Chance não possa falar em consciência negra, ele tem uma consciência sobre ele, uma autoconsciência e uma espiritualidade. E eu não quero esquecer isso, porque a espiritualidade era algo poderoso no hip hop.”
Aqui no Brasil, o rapper Nog, do Costa Gold, em entrevista ao Hypnotize, falou: “Música não tem cor, tem o áudio. Se as pessoas sabem quem eu sou, não é porque sou branco e sim porque meu som é bom e isso é fazer rap. Essa ‘segregação’ é um preconceito inverso. Você não pode querer julgar uma pessoa porque seus antepassados sofreram, eu não tenho nada a ver com isso. Isso é tosco”.
Para grande parte dos brancos do rap – aquela parcela que acha que tudo é mimimi – é muito bom que seus amigos pretos do rap não falem sobre racismo, desigualdade e ancestralidade. Pros brancos do rap, é conveniente que os pretos se limitem a falar da qualidade do que fumam, das suas posses, das grifes que utilizam ou possuem, dos seus relacionamentos retratados em clipes nas mansões.
Mas o que parece ser um limite no discurso, é uma porta aberta para os brancos que não se importam com a trajetória de luta preta contarem suas histórias, rimarem em beats refinados e separarem o rap da cultura e ancestralidade negra, carregando uma renovada peneira de indiferença.
O subterrâneo da nossa cultura e artistas que atuam em saraus, blogs, canais e coletivos, provam que o movimento também vai além do MC. Nossa cultura apresenta novos e velhos personagens que dialogam entre si. O hip hop e o rap ainda representam a transformação.
O rap tem cor sim, brancos e negros fazem rap de maneiras diferentes, não falo de qualidade, falo de temas moldados pela vivência sob um racismo estrutural, onde o branco representa o poder e a normalidade…e o negro se insere e questiona tudo que para o branco é algo natural.
Reconstruímos nossos códigos quando olhamos para trás, reconhecemos nossa história e passamos o bastão para a corrida dos mais novos, mas temos que ser inteligentes e sensíveis para refazer o link com nossa ancestralidade, sem dar orelhada, sem pagar de professor, conectando as gerações pelo amor e ficando esperto com a indiferença que veste roupas de modernidade. Missão difícil, mas necessária.