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Saúde mental no esporte: atletas negros de alto nível sofrem com pressão por resultados

Megaeventos esportivos, como a Copa do Mundo, ampliam debate sobre saúde mental no esporte e procura por especialistas
Martin Meissner

Foto: Martin Meissner

21 de dezembro de 2022

Com um uniforme com as cores da bandeira dos Estados Unidos — vermelho, azul e banco — a ginasta de alta performance Simone Biles, que à época tinha 24 anos, corria para dar um salto sobre o aparelho na competição por equipes, mas mal sabia ela que seria o último e que, após aquele momento, abandonaria as Olimpíadas de Tóquio de 2021.

A estrela da seleção americana encaixou o salto com erro na aterrissagem, o que fez com que ela tirasse notas baixas para o seu alto padrão. A atleta chegou a afirmar que não tinha ideia de como tinha caído em pé. “Se você olhar as fotos e meus olhos, pode ver como estou confusa sobre onde estou no ar”.

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Ao resolver desistir da competição na qual era tida como favorita, sendo cotada para seis medalhas de ouro nos Jogos de Tóquio — já eram mais de 30 medalhas somando Mundiais e Olimpíadas, além de quatro na Rio 2016 —, Simone alegou que estava saindo da competição para cuidar da sua saúde mental. “Temos que proteger nossas mentes e corpos, não é apenas ir lá e fazer o que o mundo quer que façamos. Nós não somos apenas atletas, no fim do dia nós somos pessoas, e às vezes temos que dar um passo atrás”, afirmou à imprensa na época.

Caso Biles amplia debate da saúde mental

O caso de Simone Biles acende o alerta e abre espaço para o debate sobre como a questão da saúde mental afeta atletas negros. Em publicação nas redes sociais sobre o assunto, Biles escreveu que se sente carregando “o peso do mundo” sobre os seus ombros.

O amazonense Matheus Vasconcelos é especialista em psicologia do esporte e membro do comitê de atualização da Associação Brasileira de Psicologia do Esporte (ABRAPESP). O especialista destaca que a exposição de casos bastante explorados na grande imprensa, como o de Biles, têm ajudado a ampliar esse debate e o reconhecimento da necessidade de acompanhamento psicológico por atletas, que cresce após os megaeventos esportivos.

“Apesar de muitas instituições ainda resistirem à criação de políticas de cuidado em saúde mental para atletas, tem sido muito comum que atletas reconheçam a importância de cuidar da própria saúde mental. No Brasil, temos muito a avançar. Outros países, como o próprio Estados Unidos, já têm dado mais atenção à saúde mental dos atletas”, destaca.

Outro evento que contribui para o aumento dessa discussão é a Copa do Mundo 2022, realizada no Catar. O psicólogo diz que o megaevento reacende diversos debates na sociedade, dentre eles o da saúde mental no esporte. “Penso que é uma abertura importante para que especialistas e instituições se posicionem acerca da importância de ter psicólogos esportivos presentes dentro das seleções das mais diversas modalidades. Porém, após a Copa do Mundo não podemos deixar debates importantes caírem no esquecimento”, acrescenta.

A comissão técnica da seleção brasileira da Copa do Mundo do Qatar não levou psicólogo para o torneio, uma decisão que contraria o que defende o especialista. A ausência de profissional da saúde mental não é uma novidade, já que a última vez na qual os atletas tiveram acesso a esse tipo de suporte foi em 2014 durante a competição que foi sediada no Brasil. O à época técnico Luiz Felipe Scolari convidou a psicóloga do esporte Regina Brandão para visitar o elenco após o goleiro Júlio César e o zagueiro Thiago Silva terem chorado antes da disputa de pênaltis contra o Chile, durante as oitavas de final.

Conservadorismo dificulta acesso à saúde mental

Vasconcelos pontua que, em relação ao atendimento psicológico para atletas, ainda é um tabu a figura do profissional de psicologia. Ele atribui essa falta de acesso à saúde mental ao conservadorismo das instituições esportivas brasileiras. “Dificilmente você encontrará um atleta afirmando que não é importante cuidar da própria mente, mas você encontrará gestores e muitas vezes treinadores que pensam que cuidar da saúde mental é perda de tempo”, afirma. O especialista defende que os atletas temem serem julgados em suas instituições.

O psicólogo do esporte ressalta que o acompanhamento psicológico é importante para o desenvolvimento do atleta no sentido de desenvolver estratégias de cuidado e autocuidado com a saúde mental; aprender técnicas e estratégias psicológicas que são focadas no treino e na competição; e para avaliar como cada decisão na carreira irá impactar em sua vida. Além de construir, ao longo da vida, as relações que potencializam as experiências no esporte.

Para ele, o reforço do apoio psicológico deve vir desde as fases de formação das crianças e jovens no Brasil, estando elas praticando algum esporte ou não. Esse direito está assegurado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA e pela própria Lei Pelé (Lei 9.615/98), que afirma que as instituições formadoras de atletas devem garantir assistência psicológica aos jovens em formação. “Porém, infelizmente a legislação é interpretada de maneira livre e há pouca fiscalização no país”, esclarece.

PL da assistência psicológica para atletas

Tramita na Câmara dos Deputados um Projeto de Lei (PL), aprovado pela Comissão do Esporte da Câmara dos Deputados em dezembro de 2021, que obriga clubes empregadores, entidades de prática desportiva de rendimento, entidades convocadoras de seleções e os comitês Olímpico e Paralímpico a prestar assistência psicológica a seus atletas durante o período em que eles estiverem nessas entidades.

Esse substitutivo que alteraria a Lei Pelé estende a obrigatoriedade de atendimento a atletas profissionais e não profissionais durante as convocações e participações em olimpíadas e paraolimpíadas. A relatora, deputada Celina Leão (PP-DF), afirma que “os atletas são submetidos a altos níveis de pressão por resultados, o que desafia não só a saúde física, mas também a mental. Apenas muito recentemente esse tema entrou em discussão, quando alguns atletas começaram a expor suas dificuldades, mostrando que não são heróis, mas seres humanos sujeitos à falha, ao erro e à exaustão”.

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  • Formado em Jornalismo e licenciado em Letras-Português, morador da periferia de Maceió (AL) e pós-graduado em jornalismo investigativo pelo IDP. Com experiência em revisão, edição, reportagem, primeira infância e jornalismo independente. Tem trabalhos publicados no UOL (TAB, VivaBem, ECOA e UOL Notícias), Agência Pública, Ponte Jornalismo, Estadão e Yahoo.

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