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Ser homem, ser negro, ser gay, ser só

15 de junho de 2018

O Alma Preta separou depoimentos relacionados às diversas formas de demonstração e sensação de afetividade da população negra. Neste texto, Marco Antonio Fera fala sobre a invisibilidade da pessoa negra e homossexual

Texto / Marco Antonio Fera
Imagem / Pexels

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Licença, Davis, King, Malcoln, Conceição Evaristo
Hoje quero falar de mim, de feridas, de dor
Falar de ser, do ser negro, do ser homem, do ser gay, de ser só…
Licença, Cesaire, Mahin, Abdias, Lélia Gonzalez
Corpo negro, em mundo branco.
No momento do flerte ouvi: – você é exótico, diferente, interessante.
– Mito ou verdade, é tudo aquilo que dizem?
Colocam a mão no meu cabelo, para sentir a tessitura, riem
Passam a mão na minha pele, para sentir a textura, fazem troça
Como crer ser digno de amor e afeto?
Como superar a auto-ódio e a baixa autoestima?
Sempre acreditei que eu não merecia o amor!
Corpo negro em um mundo branco.

A escola, ambiente castrador, movimento alienatário
Hormônios à flor da pele, descobertas, medo e violência
Que queria ser inserido, fazer parte da massa
Minhas condições faziam estar à parte
Estando à margem, marginalizado está
Eu, o resto, a sobra, o que não dava encaixe, o excesso
Sozinho estará
Não compreendia o processo
A dinâmica é sempre “clara”, “alva”, branca
Sozinho estará
Os pares se formam,
Meninos gays se amando
Os discretos, os foras do meio, os “brother”, claro
E eu à espreita, sempre esperando
De fora, assistindo, plateia
De vítima, me sobrecai a culpa
Culpa de minhas atitudes inadequadas
A culpa de meu pessimismo negro
A culpa de meus “mimimis”
Inversão de papéis, valores, repentinamente
– Não procura que você acha
– Se acalma que o amor vem
– Ainda bem que você não namora, é só dor de cabeça
A experiência dessa dor de cabeça eu quero ter
Precisei crescer amadurecer
Precisei tornar-me negro, enegrecer-me
Imbuído da consciência negra
Observando o meu rosto refletido no espelho
Ao som da voz rasgada de Elza Soares, compreendi
– A carne mais barata do mercado é a carne negra!
Entendi que o racismo, o sexismo e a branquitude
Operam de forma sistemática em minha existência
Em cada movimento do meu corpo e em cada espaço que ele ocupa
Não aceito mais o lugar do
– Negão.
Negão não.
Jamais, nunca, jamé.

E foram tantas aflições na busca incessante pelo amor
Amor aquele, que nos entende,
Aquele que nos manda bom dia no Whats às 6h da matina
Aquele que arranca da gente o melhor sorriso
Aquele que, a caminho do Aparelha Luzia,
Te solta o verso de Liniker – “deixa eu bagunçar você”
Mas, como projetar o amor em uma comunidade que vive o cárcere da heteronormatividade?
Pra viver o amor gay, é preciso preencher pré-requisitos de corporalidades
Para conviver em espaços homo afetivos para além de ser branco, é necessário
Virilidade, masculinidade e performar heteronormativamente
Sendo homem negro então!
Voltamos ao negão?
Acho que antes do amor, eu quero descobrir onde está a humanização do corpo negro masculino…
Eu sou homem ou eu sou máquina?
Eu estou vivendo ou estou a serviço?
Na realidade, eu estou caindo e levantando a cada dia
Vivendo a complexidade da infinita descoberta
Me entendendo homem
Me entendendo negro
Me entendendo gay
Me entendendo belo
Me entendendo forte
Me entendendo…
No meio deste emaranhado de compreensões eu fraquejo
Mas me fortaleço
Descortinar-se é complexo, abrem-se fendas
Criam-se cascas, acontecem rupturas
Mas é preciso, é necessário
Estou vivendo cada dia, desabrochando, caindo, levantando, em busca de mim
Em busca do amor.

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