Texto: Ézio Rosa – Bicha Nagô Ilustração: Vinicius de Araújo
É bem verdade que as políticas públicas para pessoas lgbtt não são tão efetivas na periferia, uma vez que todos os olhos e investimentos em projetos estão voltados para o centro da cidade. Visto a dificuldade em adentrar estes espaços engessados pela estrutura lgbttfóbica e racista, relembro uma das problematizações feitas pelo projeto afrotranscendence; devemos ocupar estes espaços engessados ou criar novos?
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A primeira vez que beijei um menino foi nos encontros lgbtt que acontecem nos entornos do shopping Tatuapé. Lá “isso” era normal, eu pensei.
Na periferia, sempre vi gays e lésbicas. O problema é que, como cresci nos fundos de um boteco, a única coisa que não tive foi representatividade gay positiva, já que estes sempre eram hostilizados pelos frequentadores do bar e outras pessoas próximas.
Exercer minha afetividade nas proximidades de onde eu morava era fora de cogitação, já que desde cedo aprendi com as vivências dos vizinhos e das vizinhas que viado e sapatão têm mesmo é que apanhar pra aprender a ser gente.
Sem ter qualquer tipo de representatividade e correndo risco de ser rechaçado em sua própria quebrada por se relacionar com outro homem, sempre adentrei a linha vermelha do metrô para encontrar com meus pares ora no Tatuapé, ora no Largo do Arouche. Durante a travessia, sempre me incomodava com a distância e com o fato de me sentir impotente diante desta situação.
Ocupar espaços como provocação por eu ser gay e negro é bem recente pra mim, e acredito ser necessário e eficiente ao causar minimamente o diálogo sobre a nossa existência, seja por olhares ou por meio da oralidade. Sermos e estarmos gays e negros é importantíssimo, pois nós existimos e não vamos mais ficar na invisibilidade. Defendo, porém, a ideia que devemos criar nossos próprios espaços e através deles dialogar com toda transversalidade que nos circunda.
Na busca frustrada pelos meus pares, tive que me deslocar para perceber que toda informação está sendo disseminada no centro da cidade, quando na minha quebrada nada de positivo acontece para a população negra e lgbtt. Pensando nisso, surgiu o rolezinho bicha Nagô afim de promover a discussão sobre nossos dilemas e desejos na periferia.
O dia inaugural do evento era frio e muitas outras atividades chamavam as pessoas para as demais regiões da cidade. Acredito, no entanto, que toda escolha é uma escolha política e para a minha alegria as pessoas que fortaleceram e prestigiaram o evento me trouxeram o bem estar de saber que não estou sozinho, e que mais pessoas estão se levantando afim de serem representadas e aceitas!
Quando começaram os shows e as discotecagens durante o rolezinho, os moradores ao redor foram se aproximando timidamente, até que ocuparam de fato o lugar, trazendo inclusive latinhas de cerveja e até cachorros para passear. Estávamos integrados independente das diferenças, estávamos no rolê. O que nos une não é só o fato de morar na periferia, mas também a necessidade de gozar dos privilégios de qualquer outro munícipe. A quebrada também sorri, também curte um som, também quer se sentir pertencente à cidade que seus ancestrais levantaram, também quer representatividade e é a esses que entrego toda minha empatia e força para seguir lutando.
Seja nos lugares engessados ou nos criados por nós, serei agente do caos até que compreendam, que assim como qualquer outra pessoa, posso e vou ter acesso aos espaços que eu bem entender, pois como cantam os jongueiros, “levante povo cativeiro já acabou”.
Ser e estar para mudar. Poder para o povo preto, lgbtt e periférico.
Parafraseando Racionais Mc’s: Vim pra sabotar seu raciocínio, vim pra abalar seu sistema nervoso e sanguíneo.
Vai ter discussão sobre lgbttfobia e racismo na periferia SIM!