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Trump e a ameaça do negacionismo sobre a saúde da população negra nos EUA

O então candidato à Casa Branca e ex-presidente dos EUA Donald Trump participa de conversa com empresários negros em Atlanta, 3 de agosto de 2024

Foto: Joe Raedle/Getty Images/AFP

17 de novembro de 2024

Berna (Suíça) – Com a recente eleição nos Estados Unidos, na qual um magnata bilionário venceu com uma margem estreita sobre seu oponente, o mundo volta a observar atentamente os possíveis desdobramentos para a população americana, que pode enfrentar novamente um presidente com intenções questionáveis em relação ao bem-estar geral. Donald Trump prometeu “melhorar” a economia e reposicionar os Estados Unidos como o “centro” do mundo.

No entanto, a principal preocupação recai sobre como ele tratará a questão da saúde pública, especialmente em um país que, durante seu mandato anterior, enfrentou a pandemia de COVID-19 e registrou um dos maiores números de mortes pela doença no mundo, impactando desproporcionalmente a população negra, onde a mortalidade dos negros foi o dobro dos brancos, e um ⅓ maior que os latinos, totalizando mais de 1 milhão e meio de mortes.

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Trump frequentemente declarou ter feito “mais pelos afro-americanos do que qualquer outro presidente”, afirmando que ninguém poderia contestar isso. Contudo, ao analisar seu histórico, é possível chegar a conclusões diferentes. Nos primeiros três anos de sua presidência, ele colheu os frutos das políticas da administração de Barack Obama, que beneficiaram tanto a população negra quanto a branca, com a taxa de desemprego entre os negros caindo para 5,9%, um recorde histórico. Entretanto, os empregos ocupados pela população negra ainda se concentravam em setores com salários baixos e poucos benefícios.

A resposta do governo Trump à pandemia afetou particularmente a população negra, que representava um em cada seis trabalhadores em empregos essenciais na linha de frente, aumentando a exposição ao vírus. Além disso, a fragilização de políticas de saúde como o Obamacare impactou especialmente essa comunidade. Atualmente, a preocupação não se limita mais à pandemia, mas à possibilidade de um movimento antivacina influenciar as políticas de um dos maiores órgãos reguladores de saúde do mundo, com Robert F. Kennedy Jr. como um possível nome a ser indicado*.

Após encerrar sua campanha presidencial em 2024 para apoiar Donald Trump, Kennedy — conhecido por seu “ativismo” ambiental libertário, teorias da conspiração e ceticismo em relação às vacinas — deixou claro que se tornaria parte do governo. Trump afirmou que Kennedy teria um lugar em seu gabinete e liberdade para implementar políticas de saúde pública, incluindo medidas polêmicas como a remoção do flúor do abastecimento de água e a disseminação de teorias antivacina, algumas voltadas para a comunidade negra.

Especialistas em saúde pública nos Estados Unidos alertam sobre os riscos dessa aliança, lembrando episódios anteriores, como a sugestão de Trump de que a COVID-19 poderia ser tratada com injeções de desinfetante, e as alegações de Kennedy de que a vacina foi projetada para atingir a população negra. Kennedy também defende a retirada do flúor da água, associando-o a diversos problemas de saúde, apesar de décadas de estudos e das recomendações do CDC que consideram a fluoretação uma das maiores conquistas de saúde pública do século XX.

O ceticismo de Kennedy em relação às vacinas e seu histórico de promover teorias da conspiração que afetam a população negra são motivos de grande preocupação. Em 2021, ele também chegou a produzir um documentário intitulado “Medical Racism: The New Apartheid”, que explorava o racismo médico nos EUA para insinuar que as vacinas contra a COVID-19 visavam as comunidades negras. No entanto, a maioria dos especialistas e estudos científicos refutam essas alegações, demonstrando que a vacinação tem sido crucial para erradicar ou controlar doenças como a varíola, a poliomielite e o sarampo.

Com isso, a saúde da população americana, especialmente de grupos específicos, corre o risco de enfrentar um dos maiores desafios já vistos sob a liderança presidencial, com Donald Trump sobre o poder. A possibilidade de um retorno de políticas que negligenciem a ciência e promovam desinformação pode trazer sérias consequências, colocando em risco conquistas importantes na saúde pública e afetando, de maneira desproporcional, comunidades vulneráveis. Essa perspectiva levanta preocupações sobre um retrocesso em questões críticas de saúde e bem-estar coletivo nos Estados Unidos, com potencial para perpetuar desigualdades já profundas na sociedade norte-americana.

*Esse texto foi escrito dias antes do anúncio de que Robert F. Kennedy será o secretário de Saúde no novo mandato de Trump, realizado na quinta-feira (14).

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  • Biomédico, Especialista em Ciencia Política com foco em Saude Publica, Mestre em Saude Coletiva pela Faculdade de Medicina da Universidade de Sao Paulo. Doutorando e Pesquisador no Institute of Social and Preventive Medicine e no Oeschger Center of Climate Change Research, da Universidade de Berna, Suíça. Pesquisador no Núcleo de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas e Saúde Única da  Universidade do Vale do Rio dos Sinos, RS - UNISINOS

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