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Uma armadilha da branquitude: Os negros e os estereótipos no BBB

O desentendimento entre duas mulheres negras vira palco para os brancos dizerem que os próprios pretos são racistas, quando eles sequestram nossa subjetividade e nos reduzem a estereótipos

Texto: Monique Rodrigues do Prado | Imagem: Reprodução/TV Globo

estereótipos

23 de fevereiro de 2021

Enquanto continuarmos a fomentar a treta entre pessoas pretas dentro do BBB 21, a Casa Grande continua fortalecida e a branquitude mantém o seu Pacto Narcísico vivo, assim como os estereótipos sobre nós. Preto não tem humanidade e autonomia tanto assim que se você for uma mulher negra na atual conjuntura provavelmente já ouviu: “você é a Karol Conká, a Lumena ou a Camilla de Lucas?”. Como se essas pessoas dessem conta da complexidade que é ser mulher negra no Brasil.

Bem-vindos ao país que violenta, estupra, adoece mentalmente, fomenta estereótipos, promove violências durante todo o período de gestação e reduz as mulheres negras a menos de 01% nos cargos executivos das 500 maiores empresas. Enquanto os brancos saem para fazer carreira, as mulheres negras ainda estão nos serviços domésticos, responsáveis pela educação dos filhos da patroa e os dos seus próprios, já que quase 63% dos lares brasileiros são exclusivamente chefiados por mulheres negras.

Quando a gente fala da base da pirâmide, o que está sendo escancarado é: mulheres negras não dominam as estruturas de poder econômico, jurídico e político, pois não somos nós quem estamos espelhadas nessas camadas de domínio da sociedade. Entretanto, um programa de entretenimento tenta dar conta da nossa existência capturando três ou quatro de nós para reiterar estereótipos de sexualização, insanidade, rivalidade e violentadoras, como se ser barraqueira fosse inerente à nossa mulheridade. Como se mulheres e homens brancos fossem os únicos autorizados a performar agressividade, loucura e violência sem serem cancelados.

Isso não é uma passação de pano para a desarmonização social. Todavia, precisamos observar que com a nossa humanidade castrada, inclusive quando externamos emoções negativas, a branquitude goza, pois ao criar-se representações e imagéticas maniqueístas sobre os nossos corpos, apenas o sujeito universal tem a plenitude da humanidade. Eles podem gritar, eles podem xingar, eles podem ser descontrolados. A gente não, a gente é louco e descontrolado.

Na literatura racial isso vem sendo estudado como uma forma de demonstrar que nós mulheres negras somos muito mais complexas do que querem pretender, ainda que o racismo recreativo e as representações publicitária, cinematográfica, semiótica dos meios de comunicação e entretenimento ilustrem a gente de forma empobrecida. Por isso o desentendimento entre duas mulheres negras vira palco para eles dizerem “eu não falei, os próprios pretos são racistas”, quando o que eles estão fazendo é sequestrando a nossa subjetividade enquanto pessoas únicas e complexas e nos reduzindo a estereótipos racistas.

Enquanto isso, os outros integrantes brancos da casa ao dizerem “eu não tenho lugar de fala” não estão respeitando a produção da Djamila Ribeiro, que brilhantemente difundiu o tema ao explicar que lugar de fala se relaciona muito mais com “de onde se fala” do que “o que se fala”, pois senão a branquitude sequer se viria como branca e permaneceria ilesa nas discussões raciais. Como resultado, essa branquitude reitera a  incapacidade de rever seus privilégios.

No caso em questão o privilégio se externa nas discussões entre Fiuk e Caio, que embora viraram memes, não carregaram a carga dos estereótipos racistas, já que na condição de homens brancos a legitimidade da discussão ganha apenas a dimensão do “desentendimento entre dois seres humanos”. Mesmo tretando, os brancos mantém entre eles o elo chamado por Cida Bento de Pacto Narcísico, pois certamente Fiuk, Caio, Sarah, Carla Dias, etc, não respondem pela branquitude inteira, mas tão somente como pessoas, o que difere no caso das pessoas pretas que viram categorias subalternas.

A roteirização de cada personagem negro da casa, sobretudo com as edições que mostram apenas alguns frames do que aconteceu ao longo do dia, serve para costurar esses esteriótipos. Ou seja, o que vai ao ar na TV aberta é só um trecho do cotidiano, tornando a história quase uma novela de capítulos facilmente manipuláveis.

Uma salva de palmas para a branquitude que continua operando na mesma lógica manipuladora em colocar os escravizados da senzalas contra os da Casa Grande para salvaguardar o seu posto de heroína universal ética e moral. Para nós negros, fica a reflexão para que possamos nos emancipar do olhar da branquitude sobre os nossos corpos, especialmente em tempos de redes sociais em que o cancelamento é a regra.

Monique Rodrigues do Prado é advogada, comunicadora, estudiosa das relações raciais e engajada na luta antirracista.

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