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Vote no preto: uma necessidade de 1954, uma necessidade de 2018

19 de setembro de 2018

64 anos depois da candidatura do intelectual Abdias do Nascimento à Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, sob o lema “Não vote em branco, Vote no preto”, as casas de lei do Brasil ainda não representam mais de 50% da população negra brasileira. Por isso, nessas eleições, vote no preto

Texto / Thalyta Martins
Imagem / Reprodução Acervo Ipeafro (Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-brasileiros)

Nascido 26 anos após a abolição, no interior de São Paulo, Abdias do Nascimento acompanhou a substituição de trabalhadores negros para brancos imigrantes, assim como viu a sua avó materna Francelina literalmente enlouquecer por conta do regime que colocava gente como ele como subalterno, sua mãe como ama de leite, colegas em trabalhos subalternos e recebendo os mesmos tratamentos da época do regime escravocrata, e, entre outras muitas características do racismo, o paternalismo sem fim por parte dos brancos.

Mas também aprendeu desde cedo sobre resistência, “solidariedade racial”, como disse em uma entrevista. Um dos casos foi protagonizado por sua mãe, que vendo uma criança negra em situação de rua apanhar de uma mulher branca, partiu em defesa, tirando-o da surra. O outro caso, por ele mesmo quando tinha 14 anos e se recusou a viajar nas traseiras de uma carroça com galinhas e cabras para chegar ao local de um trabalho que pagava bem.

Saindo de Franca, cidade onde nasceu, fez parte do Exército Brasileiro, participou da construção de um jornal dentro da corporação, compareceu em atos da Frente Negra Brasileira, foi expulso do Exército por conta de um ato contra o racismo em uma boate, fez parte da organização do Congresso Afro-Campineiro, foi preso na Penitenciária do Carandiru em 1941 por conta da resistência na casa de festa, e, quando saiu, criou o Teatro Experimental do Negro.

Daí pra frente, entre outras ações, participou da organização da Convenção Nacional do Negro, em 1945, que foi tão importante justamente por conta de um manifesto direcionado à nação brasileira que deu corpo à políticas afirmativas e legislação antirracista na Constituinte no ano seguinte. Também fez parte do I Congresso do Negro Brasileiro, em 1950, que foi na mesma linha da Convenção de cinco anos antes.

Política institucional

Em 1954, apesar da luta para se inserir nesse meio, Abdias do Nascimento foi candidato a vereador, com o lema “Não vote em branco, Vote no preto Abdias Nascimento”.

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Em 1962 candidatou-se ao cargo de deputado estadual, mas só em 1983 que ele efetivamente entra nessa esfera de poder, como primeiro deputado federal negro assumido e compromissado com os seus. Nessa posição experimentou mais uma vez o sabor do mito da democracia racial, quando seus próprios colegas o acusavam de criar um problema: o racismo intrinsecamente ligado a cada um.

“Quando cheguei à Câmara como deputado pelo PDT, não me deixavam falar, queriam cortar a minha palavra, achavam que eu falava inverdades absurdas. Depois de anos passados fazendo a minha pregação, juntavam-se outras vozes a minha e até recebia o aval dos senadores aos meus projetos de lei. A sociedade vem mudando, à medida que a gente bate, bate, bate na mesma tecla. É verdade que é assim aos pouquinhos, mas é um processo irreversível.”, disse em entrevista.

abdias

Em 1991 foi senador e teve um mandato um pouco menos solitário, do ponto de vista racial. Nomes como Marina Silva, Benedita da Silva, Paulo Paim e Caó, já tinham passado por lá e tinham também histórico na luta antirracista.

Nesses dois cargos, Abdias propôs ações compensatórias para pessoas negras que foram escravizadas no Brasil e criou projetos de lei que enquadravam o racismo como crime de lesa-humanidade. Em 1988, por exemplo, ele foi responsável pela instituição da Comissão do Centenário da Abolição, que mais tarde resultaria na criação da Fundação Cultural Palmares. Abdias do Nascimento ajudou também na definição de 20 de novembro como Dia da Consciência Negra.

O cenário atual

Atualmente o Congresso Federal (Câmara dos Deputados e Senado Federal) tem 71% de homens brancos, 10% de mulheres brancas. Pretos e pardos, que compõem o grupo racial negro de acordo com delimitação do IBGE, formam 18,5%, sendo as mulheres negras 2,2% do contingente. Os números são de Luiz Augusto Campos, sociólogo e professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticas, da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro).

Candidaturas negras também recebem menos dinheiro que candidatos brancos, conforme matéria publicada em julho no Alma Preta.

Há um número significativo de candidaturas negras nestas eleições. Em todos os estados da federação e em diversas esferas é possível encontrar um pouco mais de representatividade do que em outros pleitos. Pessoas como Abdias do Nascimento foram os “bois de piranha”, expressão usada pelo próprio para ilustrar o seu papel: “animal de sacrifício entregue às piranhas para que a boiada possa passar pelo rio”. Em outras palavras “ele se dispunha a ser atacado para abrir caminhos”.

Como um dos primeiros representantes do povo negro nas mais altas casas de lei do país, que teve coragem de falar dos seus, da sua religião, lutar e rebater investidas racistas, Abdias é hoje referência para muitos candidatos negros que ainda precisam enfrentar o racismo institucional alavancado por pessoas brancas, inclusive as de esquerda. Quer agradecimento melhor do que votar no preto? A luta continua, como bradam diversos movimentos sociais que lutam contra as injustiças.

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