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Raça e gênero pesam na impunidade dos policiais responsáveis pela morte de Breonna Taylor

24 de setembro de 2020

Manifestantes foram às ruas da cidade de Louisville, no Kentucky, em protesto por nenhum dos policiais que dispararam os seis tiros que mataram a jovem enfermeira afro-americana serem autuados por homicídio

Texto: Nataly Simões | Imagem: Bryan Woolston/Reuters

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A impunidade no caso de Breonna Taylor levou milhares de pessoas às ruas da cidade americana de Louisville, no Kentucky. O fato de os policiais responsáveis pelo crime não serem acusados de homicídio pode ser explicado pela invisibilização dos assassinatos de mulheres negras, grupo social atravessado pelas violências de raça e de gênero.

Winnie Bueno, mestra em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, cita as contribuições da professora Kimberly Crenshaw, que cunhou o termo “interseccionalidade”, bastante difundido dentro do feminismo negro, para explicar a questão da violência policial nos Estados Unidos.

“É explicito a importância de uma ação política e interseccional no que se trata de violência contra pessoas negras nos EUA. Há uma invisibilização nos casos em que as vítimas são mulheres negras. A comunidade negra tende a reivindicar de forma mais contundente quando os alvos são homens negros e a sociedade tende a silenciar mortes de mulheres negras, que são muito atingidas pela violência policial. No caso de Breonna, por exemplo, há sim um caráter racial, como também um silenciamento em caráter do gênero”, analisa Winnie, que é autora do livro “Imagens de controle: Um conceito do pensamento de Patricia Hill Collins”.

Em vez de indiciar por homicídio os policiais envolvidos no assassinato, o júri do estado de Kentucky apenas formalizou a acusação contra um dos policiais – Brett Hankison – por colocar a vizinhança em perigo. Em uma ação de busca de drogas no dia 13 de março, policiais atiraram mais de vinte vezes contra o apartamento onde a enfermeira negra de 26 anos morava com o namorado. Nenhum entorpecente foi encontrado no local e Breonna foi atingida por seis tiros que tiraram sua vida.

Com a decisão judicial, nenhum policial vai responder diretamente por matar a jovem, que assim como George Floyd, morto asfixiado por um policial em maio na cidade de Minneapolis, virou símbolo da luta do movimento Black Lives Matter e da campanha Say Her Name.

Enquanto os policiais envolvidos no assassinato de Breonna estão em liberdade e não vão sequer responder pelo assassinato, o policial que matou Floyd foi preso e acusado de homicídio, ainda que em segundo grau – acusação mais branda pela lei americana e pressuposta pela não intenção de matar.

Meu objetivo aqui não é colocar na balança qual morte é mais importante. Todas as pessoas negras vítimas da violência policial são alvos de uma estrutura racista e feita para nos eliminar – seja nos EUA ou no Brasil. É urgente, no entanto, evidenciar que as mulheres negras carregam, além da opressão racial, a de gênero.

No TED “A urgência da interseccionalidade”, em outubro de 2016, a professora Kimberly Crenshaw fez um exercício com a plateia para demonstrar o problema da invisibilidade dos assassinatos das mulheres negras pela polícia. Ela pede para as pessoas ficarem de pé e cita nomes de homens e mulheres negros e negras. A ideia é que as pessoas sentem-se conforme desconhecem os nomes citados. Ao falar o nome de homens negros como Eric Garner e Mike Brown, poucas pessoas se sentam. Já ao proferir o nome de mulheres como Tanisha Anderson e Aura Rosser, praticamente toda a plateia não está mais de pé.

“Apenas uma coisa distingue os nomes que vocês reconheceram dos nomes que vocês não reconheceram: o gênero”, diz a professora no vídeo. Kimberly diz os nomes e só revela no final que as mulheres citadas foram vítimas de violência policial assim como os homens.

A impunidade no caso de mais uma mulher negra assassinada pela polícia também escancara a seletividade do sistema de Justiça americano, uma realidade que não é muito distante da brasileira. A advogada Sheila Carvalho acompanha, através da Coalizão Negra Por Direitos, os casos de injustiça contra a população negra. Ela nos lembra que os policiais não são os únicos responsáveis pela morte de Breonna.

“O caso Breonna é muito simbólico para todas as regiões das Américas onde os negros sofrem com a violência policial. O caso também simboliza a inércia que vivemos ao se tratar da responsabilidade de quem comete esses atos. O júri que permitiu que o apartamento dela fosse invadido também teve participação na morte”, destaca a integrante da coalizão formada por mais de 150 organizações do movimento negro brasileiro.

A única ação em reparação pelo assassinato da jovem enfermeira partiu da Prefeitura de Louisville, que concordou em pagar 12 milhões de dólares à família e se comprometeu a investir em reformas na polícia local para evitar que novas ações terminem em mortes, ainda que os autores do crime continuem isentos da culpa por mais uma vida negra ceifada.

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