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UCPA, sala de aula e pan-africanismo: Alaru foi além da luta antirracista

23 de janeiro de 2020

O Alma Preta conversou com companheiros e companheiras que acompanharam a trajetória em diferentes momentos da vida do militante que faleceu em dezembro do ano passado

Texto / Simone Freire | Imagem / Reprodução

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Linha de frente de diversas ações por um mundo preto livre, o pan-africanista Alaru nos deu adeus há cerca de um mês. De São Paulo (SP), o professor e co-fundador da União dos Coletivos Pan-Africanistas (UCPA) morreu, aos 43 anos, em decorrência de problemas cardíacos no dia 20 de dezembro.

Em homenagem à trajetória do militante e sua dedicação à luta antirracista, o Alma Preta conversou com companheiros e companheiras que acompanharam sua trajetória em diferentes momentos da vida.

O nome de Alaru confunde-se diversas vezes com o da UCPA, assim como o contrário também é verdadeiro. O objetivo era difundir o pan-africanismo e o fortalecimento do povo preto de forma autônoma, sem vínculo com ONGs, partidos políticos, sindicatos e empresas. Foi na atuação na organização, fundada em meados dos anos 2000, na Escola de Samba Flor da Vila Dalila, na Zona Leste de São Paulo (SP), que deixou seu nome e legado marcado, bem como também dentro das salas de aula.

Foi neste momento que o professor de História, Gyasi Kweisi – nome africano – conheceu Alaru. “Ele foi um grande líder pan-africanista, uma pessoa de base, uma pessoa raiz. O objetivo maior dele era fortalecer a luta do povo preto. Ele vivia a ideia de nós por nós, de nós construirmos as nossas próprias instituições, a nossa estrutura para enfrentar este sistema que quer nos destruir”, conta.

Alaru se formou em História e atuava como professor desde 2007. Lecionou na Zona Leste paulistana em escolas municipais e estaduais, além de dar aulas em cursinhos comunitários pré-vestibular. O pan-africanismo sempre esteve presente com ele dentro da sala de aula. “Tinha um discurso-prática em que ação e reflexão avançam em paralelo, na sala de aula e nas ruas”, conta Dina Alves, ativista, advogada e coordenadora do Departamento de Justiça e Segurança Pública do IBCCRIM.

A atuação de Alaru na educação foi um de seus principais marcos, segundo Dina, pois sempre debatia as relações étnicos-raciais usando o “olho no olho” para discutir os problemas que envolvem uma educação etnocêntrica.

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“O pan-africanismo, enquanto movimento político-ideológico, com repercussões sem precedentes na emancipação e autodeterminação dos povos nas diásporas, é uma contribuição importante que o professor Alaru disseminou, seja denunciando a precarização do trabalho dos professores, seja na luta pela descolonização dos saberes por uma educação antirracista”, diz ela, que conheceu Alaru em meados de 2016, em uma atividade da UCPA.

Irmãos e irmãs

Entendendo a importância da educação, em diversos momentos Alaru falava sobre a vontade e importância de criar escolas para crianças negras. “A construção da Escola Pan Africanista Marcus Mosiah Garvey é algo que nós temos que concluir se o amamos. Ele sempre defendeu educar as nossas crianças com princípios Africanos, o seu amor pelos Erês se transcendia a alma e se revelava nas ações por e com elas”, conta Mutuh, outro companheiro de luta.

Os dois se conheceram também em meados de 2006, em outra atividade da UCPA, em um dos espaços que o Sindicato dos Professores mantêm na região da Sé, centro de São Paulo. Na ocasião, o UCPA estava recebendo Hamilton Borges, da Campanha Reaja ou será Morto, Reaja ou será Morta, da Bahia, e apresentando o Jornal Assata Shakur. O dia era de trabalho duro para o fechamento de pautas de discussão.

“Quem estava fazendo as anotações era o irmão Alaru Jagunjagun. Ele parecia ser uma pessoa rígida, pouca fala e prático. Alguns irmãos queriam abrir novas questões, ele cortava e dizia: ‘vamos pra próxima pauta’. Essa atitude me causou a impressão de ser alguém mandão”, conta Mutuh. A partir deste dia, ele passou a chamar Alaru de “ditador”. “Hoje lembro disso como uma piada”, diz.

Entre as recordações mais marcantes que guarda são dos momentos de jograis em dias de ações. Mutuh recorda com carinho um dos jograis que escutava sendo puxado pelo irmão Alaru: “Nenhum partido nos representa, nenhuma ONG nos representa, nenhum irmão que se vende nos representa…nós não somos brasileiros… só teremos uma luta livre, se ela for autônoma”.

Alaru foi uma figura muito importante na trajetória militante de Mutuh. Foi ele que o fez entender que o pan-africanismo é o única saída para o povo preto. “Eu não gostava de nenhum tipo de ‘ismo’ mesmo tendo já percorrido uma caminhada em lutas. Mas ao conhecer a UCPA – que é Alaru e Alaru sendo a UCPA -, recebi o ‘ismo’ dos pan-africano com a mente e o coração”, diz Mutuh. “Alaru não era só um pan-africanista puramente por essência, ele foi um pan-africanista clássico, histórico, teórico e pragmático”, completa.

Da quebrada para o centro, do centro para a quebrada, para Dina Alves, Alaru foi além do discurso antirracista. Ele estava sempre nas ruas fazendo panfletagens, atos públicos e rodas de conversas e sua atuação está para além do trabalho local tendo uma contribuição de relevância nacional.

“Como linha de frente na luta contra o genocídio antinegro seu discurso-prática ganha dimensões maiores. Diante da nossa história de exclusão e subordinação, foi ele, com seu esforço organizativo, quem possibilitou o intercâmbio entre ativistas de diferentes quebradas. Sua atuação política combativa nos oferece novos aportes políticos para pensarmos estratégias alternativas de luta contra o negligenciamento das vidas negras e uma melhor compreensão sobre a urgência da nossa emancipação organizada de baixo pra cima”, pontua Dina, que recorda, com felicidade, os momentos em que era chamada de “irmã” por Alaru.

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