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A força da poesia delas e dos movimentos sociais

31 de janeiro de 2020

Terceira e última reportagem do especial publicado pelo Alma Preta sobre a cidade de Mossoró, no Rio Grande do Norte, conta a importância da poesia e dos movimentos sociais na luta por direitos no município

Texto e imagem: Luane Fernandes da Agência Hiperlab | Edição: Pedro Borges

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Em Mossoró, conversamos um pouco com Geovanna Coelho, 21 anos, militante feminista antiproibicionista, historiadora em formação e residente do bairro Alto da Conceição. Geovanna faz poesias praticamente desde que começou a escrever.

Ela conta que ganhou um livro de poesias da sua mãe, o que a incentivou a começar a produzir os seus próprios poemas. Aos 5 anos de idade compôs a sua primeira poesia sobre uma girafa de pelúcia que havia ganhado e nunca mais parou.

Geovanna já chegou a publicar seus poemas em três livros diferentes. O primeiro foi o livro Antologia Poética, quando ela tinha apenas 15 anos, através do prêmio Poetize. O último livro é composto por poesias apenas de mulheres do Rio Grande do Norte. Neste, Geovanna escreveu sobre as mulheres dentro da poesia e sobre a produção de escrita feminina no estado.

Ela se inspira e se identifica principalmente com o dadaísmo, um movimento artístico que ocorreu entre 1916 e 1922 na Europa e nos Estados Unidos. O movimento questionava constantemente a arte e o seus valores culturais, indo contra as lógicas tradicionais de arte da época.

“Eu sempre achei uma forma de escrita muito libertadora, fora dos padrões métricos do que a gente entende como uma poesia bonitinha, bem feita e pré definida”.

Augusto dos Anjos foi quem mais a influenciou até hoje, considerado por ela o maior poeta brasileiro. Geovanna conta que não escreve sobre temas específicos, afinal, já está nessa estrada da poesia há mais de 15 anos e desde então, muitos poemas já foram desenvolvidos por ela sobre assuntos diversos: amor, mulheres, negritude. A música e as experiências vividas também são de grande inspiração.

Geovanna já está inserida no mercado de trabalho desde 2016 e estuda Licenciatura em História na UERN. O que, infelizmente, fez com que a sua produção de poemas diminuísse muito. Ser uma professora de história já é motivo de estigma para a sociedade, mas enquanto mulher negra e militante o preconceito sofrido é muito maior do que o dos seus colegas homens.

Ela relata que conhece amigos que mesmo lecionando a mesma quantidade de aulas que as dela, ganham quase duas vezes mais. Além disso, os principais cargos nas escolas em que trabalha são desempenhados por homens, restando às mulheres apenas os cargos subordinados a eles. Muitas vezes acontece de, em reuniões com o corpo pedagógico das escolas, ter sua fala interrompida ou deslegitimada por homens, reflexo do machismo presente em todos os espaços frequentados por uma mulher, inclusive no ambiente de trabalho.

“Uma coisa bem interessante que eu percebi quando fui professora do fundamental é que se tinha esse apelo do ser mulher. Não podia ser um homem trabalhando no ensino fundamental por que os próprios pais e as mães espelham nos filhos a necessidade de uma mulher pra acompanhar aquele momento e nunca um homem. Por conta dos símbolos de feminilidade e maternidade que geralmente são associados a mulher. E isso aí acaba mudando um pouquinho no ensino médio que não tem tanto essa distinção. E a distinção passa a ser institucional, quando você é mulher você ganha menos, você vai estar em menos espaços deliberativos dentro da escola. (…) Eu sinto que esses espaços nunca são para mulheres. Quando a gente vê uma mulher dentro de uma escola é por que ela é assessora do coordenador ou por que é mulher da limpeza. Enfim, são sempre essas atividades subordinadas a um comando masculino que traz esses estigmas de machismo, racismo e LGBTfobia. Eu sinto muito isso, não que as mulheres também não sejam preconceituosas. Mas isso surge principalmente das figuras masculinas que estão no poder”.

Atualmente, Geovanna trabalha em três escolas diferentes na cidade e em nenhuma delas ela é subordinada a uma mulher, somente a homens. Ela conta que a sua dinâmica de trabalho muitas vezes acaba sendo restringida. Geovanna tenta levar a pauta dos negros, mulheres e LGBTs para as salas de aula, mas os seus superiores e por vezes até mesmo os alunos julgam não ser importante. Como exemplo ela cita que já tentou levar uma batalha de rap para a escola mas alegaram ser “perigoso”. Ela também tentou fazer uma atividade com fotografia abordando as vivências das mulheres no século XX, mas também foi reprimida.

No país que mais mata pessoas trans no mundo e, como os dados já mostraram até aqui, no Estado mais violento do país principalmente para jovens negros. As mulheres negras também são as maiores vítimas no que diz respeito aos índices de feminicídio. De acordo com dados do Observatório da Violência do RN (OBVIO), no mês de novembro de 2019 a maioria (75,14%) das vítimas de feminicídio no Rio Grande do Norte de 2015 a 2019 eram negras. Julgar as pautas das minorias que são as maiores vítimas da violência letal no Estado como “não importante” acaba sendo, também, uma forma de violência.

Na militância desde 2016, Geovanna começou aos poucos participando dos atos em defesa dos seus direitos, dos estudantes, dos trabalhadores, LGBTs, negros e mulheres. Foi em 2018 que ela se firmou na luta com os movimentos sociais, especialmente com o movimento estudantil.

Ela faz parte do Coletivo Paratodos e fundou com dois amigos o Coletivo Tarja Verde. Enquanto feminista antiproibicionista, Geovanna acredita na descriminalização da Cannabis como um dos pontos cruciais para diminuir a violência em nosso país. Vivemos numa verdadeira guerra às drogas, onde apenas negros e pobres morrem, embora o comércio e o uso das mesmas não se restrinja apenas a esse grupo social. Em áreas mais nobres, a classe média age como se as drogas já estivessem legalizadas e não sofre punições por isso.

De acordo com dados do 12° Anuário Brasileiro de Segurança Pública, as operações de combate ao tráfico de determinados entorpecentes geram diversas práticas violentas contra determinados grupos sociais, principalmente pobres e negros. Considerando o recorte de gênero, o aumento do número de mulheres encarceradas por envolvimento com crimes relacionados às drogas é mais alarmante. De 2005 a 2016, o percentual de mulheres presas por tráfico cresceu de 49% para 62%, levando à explosão do encarceramento feminino no país, que cresceu 698% em 16 anos.

Geovanna afirma que foi o feminismo que a levou para dentro da militância, as opressões que passa por ser mulher a fizeram querer lutar por um mundo mais justo. Um mundo em que as mulheres também estejam inseridas dentro dos espaços de poder.

“Eu acho que o feminismo foi o que me inseriu dentro da militância exatamente por que eu comecei a sentir necessidade de entender por que eu sofria tais coisas, principalmente pelo fato de em 2016 eu ter começado a trabalhar. Então assim eu posso dizer que se hoje eu tô dentro da política foi pelo fato de eu ter me reconhecido como mulher e por ser mulher eu preciso sim entender essas opressões que eu passo. Não é a toa que, por exemplo, no Coletivo Tarja Verde eu sempre digo: gente, massa que nós somos duas mulheres e um homem que estão construindo isso aqui. Mas eu até mesmo sinto que em espaços que a gente conseguiu fazer poderia ter mais mulheres. E inclusive não somente as mulheres cis, mas as mulheres trans. É uma coisa que eu sinto muito gritante na militância, a gente não consegue ver espaços com mulheres, majoritariamente. A gente não consegue ver espaços com pessoas negras na sua maioria. Não vê espaços com LGBTs, com pessoas trans”.

Com relação a violência que tanto assola os negros e negras na cidade, Geovanna infelizmente também já foi um alvo. Não se trata de violência física mas institucional e moral. Ela relata um episódio que aconteceu no Banco do Brasil, quando o detector de metais a impedia de entrar devido a uma lata de balas de mentos que havia em sua bolsa. Ao tentar inúmeras vezes sem sucesso, ela percebeu os olhares julgadores de uma funcionária. Mesmo sem permissão para isso, a segurança revistou-a e mandou ela nunca mais voltar ali. Mais uma vez vemos o direito constitucional de ir e vir sendo negado.

É por isso que Geovanna luta diariamente para que os direitos das minorias, mulheres, negros e LGBTs sejam mantidos. Ao ver no seu bairro inúmeros casos de pessoas sendo estigmatizadas e violentadas, principalmente pela polícia, o sentimento de revolta é quase inevitável.

Ainda de acordo com os dados divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil apresenta índices altíssimos de violência policial. Só em 2017, as polícias brasileiras foram responsáveis por 5.144 mortes no país (14 por dia), o que representa 20% de aumento com relação ao ano anterior. No mesmo ano, 367 policiais foram mortos, 5% a menos do que no ano anterior.

É importante destacar que os grandes traficantes e crimes violentos não são o foco das ações policiais. O usuário representa 40% das ações policiais, fazendo com que a maior parte das apreensões sejam direcionadas a pequenos traficantes, que carregam quantidades muito pequenas de drogas.

Geovanna relata que muitas famílias em seu bairro acabam sendo desestruturadas por conta de toda a violência sofrida. Crianças acabam por presenciar cenas de sangue e muitas mulheres se tornam viúvas, tendo que sustentar a família sozinhas. A violência é um problema sério e complexo, causado por toda uma estrutura desigual e precisa ser combatida. O Estado, que deveria dar assistência a essas famílias, terminam por exterminá-las através da violência policial, não oferecendo a oportunidade de ressocialização e até mesmo assassinando inocentes.

Embora o cenário de violência seja devastador, Geovanna deixa uma mensagem final para todos os negros e negras, todas as minorias que possam estar lendo essa matéria. O conhecimento é transformador. Através dele e da resistência, luta e insistência, é que poderemos mudar essa realidade desigual e trazer direitos para quem precisa.

“O conhecimento é a coisa mais importante que a gente tem na nossa vida. É aquela frase clichê: conhecimento é poder. Mas é uma frase revolucionária”.

A reportagem foi produzida originalmente pelo Hiperlab UERN, o Laboratório de Narrativas Multimídia do curso de Jornalismo da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).

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