As mortes do mês passado não foram as primeiras. Há dois anos atrás, uma das unidades já foi palco do maior massacre penitenciário no Amazonas
Texto / Lucas Veloso I Imagem / Acervo Pessoal I Edição / Pedro Borges
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Nesta quarta-feira (26), ativistas se reuniram em frente à empresa Umanizzare para cobrar compromissos do Estado, e da empresa administradora, pelas mortes dentro dos presídios em Manaus.
A data foi escolhida por completar um mês do assassinato de 55 presos, após uma disputa entre integrantes de uma mesma facção em 4 presídios de Manaus. As rebeliões aconteceram entre domingo (26) e segunda-feira (27) de maio, segundo informações oficiais do Governo amazonense.
Além de reivindicar a responsabilização do Estado, e da empresa, pelos 55 mortos, a ação também criticou a privatização dos presídios.
Com as faixas “Preso não é mercadoria” e “Umanizzare assassina”, o protesto aconteceu no Dia Nacional de Combate à Tortura e foi organizado pela Frente Estadual pelo Desencarceramento de São Paulo (FED-SP).
“Esse ato é importante porque, passado um mês de massacre, as visitas das famílias estão suspensas. Somente os advogados conseguem entrar e falar com as pessoas presas, e não se tem notícia se os presos que se feriram estão recebendo tratamento adequado. As famílias seguem fazendo várias denúncias quanto às condições de encarceramento”, alega uma das organizadores que preferiu não se identificar.
Os manifestantes também usaram uma caixa de som onde era possível ouvir depoimentos gravados pelas mães das vítimas no Complexo Anísio Jobim (Compaj). Entre os mortos, 40% eram presos provisórios: não tinham sido julgados.
Em 2017, o Compaj foi protagonista do maior massacre do sistema penitenciário do Amazonas: foram 56 mortes durante uma rebelião de 17 horas. As vítimas foram esquartejadas e queimadas. O motim começou no complexo e se espalhou para outros presídios, como a Unidade Prisional do Puraquequara (UPP) e o Centro de Detenção Provisória Masculino (CDPM).
Privatização de presídios
“A Umanizzare Gestão Prisional é a maior empresa de gestão de presídios da América Latina e referência mundial em soluções estratégicas para um sistema penitenciário imerso em diversos níveis de complexidades. Focada no desenvolvimento integral dos reeducandos, a empresa funde profissionalismo, técnica e profundo senso de solidariedade humana na administração das unidades prisionais, alcançando excelentes resultados em termos quantitativos e qualitativos”, esse é o trecho inicial da apresentação da empresa, disponível no site.
Para além disso, a empresa é responsável pela gestão privada de seis unidades prisionais no Amazonas – quatro delas foram o palco dos recentes massacres –, além de dois outros presídios em Tocantins.
Em menos de 24 horas após as mortes, o Governo do Amazonas confirmou que não renovaria contrato com a empresa. A ideia era encerrar o contrato naquela semana. Por outro lado, a Umanizzare já havia anunciado a sua entrada em nova licitação para se manter na administração das cadeias.
“Não aceitamos o discurso de que as recorrentes matanças dentro do sistema penitenciário são simplesmente decorrentes de briga entre facções. Essa visão retira do Estado e das empresas, de forma inaceitável, a responsabilidade não só pelo que acontece dentro dos presídios, mas também pela lógica sangrenta e racista do encarceramento massivo que produz essa violência”, apontaram os manifestantes, em texto de divulgação sobre o ato.
A FED-SP acredita que “a transferência da gestão dos presídios para o setor privado agrava o processo de barbárie, que se aproveita do sofrimento da população encarcerada como mais uma fonte de lucro para as empresas”.
Outro lado
O Alma Preta entrou em contato com a Umanizzare para responder as críticas. Por e-mail, a empresa esclareceu que:
1. Cumpre integralmente os termos dos contratos assinados com o Governo do Estado do Amazonas, demonstrando, por meio de relatórios, todo o conjunto de serviços prestados nas seis unidades cogeridas.
2. Diferentemente do que costumam afirmar, cogestão não significa privatização – o que sequer é permitido pelo ordenamento jurídico brasileiro. Cabe ressaltar, que no modelo de cogestão os presídios são administrados, ao mesmo tempo, pelo poder público e pela iniciativa privada, de forma complementar. Tudo que se relaciona com segurança e disciplina são de responsabilidade do Poder Público.
4. Destaca-se que os agentes de socialização da empresa sequer podem portar cassetetes ou fazer revistas nas celas sem apoio policial.
5. A empresa reafirma seu papel de cumprimento das atividades-meio dentro dos presídios, como limpeza, alimentação, assistência material, cursos profissionalizantes, suporte psicológico, social, ocupacional e atendimento médico, farmacêutico e ambulatorial.
6. Em 2018, foram 204.185 mil atendimentos, desse total destacam-se: 31.378 mil atendimentos em assistência social, 9.055 assistências odontológicas, 14.176 de enfermagem e 10.630 atendimentos de assistência médica.
7. Outro dado importante, é o total de dias remidos, que somaram 8.852 mil em 2018, desse total, 861 foram remição por trabalho, 1.288 por estudo e 6.703 por participação nos projetos de ressocialização.