Conheça a trajetória de Luanna Teófilo, idealizadora do primeiro painel de consumidores voltado à população negra no Brasil. Projeto pretende integrar empreendedores e consumidores negros através de pesquisas e troca de informações.
Texto / Vinicius Martins
Imagem / geralt/Creative Commons
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Em 2016, uma jovem negra brasileira, recém-admitida como Business Developer em uma grande empresa de comunicação corporativa, conhecia uma das facetas do racismo brasileiro no novo ambiente de trabalho.
Ainda em período de experiência, a hoje empresária Luanna Teófilo foi discriminada pela então General Manager da companhia, em frente a diversos colegas de trabalho. A dirigente mandou Luanna se desfazer das tranças em sua cabeça. “Tira isso!”, afirmou a chefe, alegando que “já não aguentava mais e tinha que falar” sobre o estilo de cabelo da jovem. A motivação para os ataques estaria ligado ao fato de que o cabelo trançado “não pegaria bem” entre os clientes da empresa.
O episódio desencadeou uma série de eventos que levaram à demissão de Luanna do recém adquirido emprego: sua chefe ameaçou processá-la por injúria; o departamento de RH não soube gerenciar a situação de modo a proteger seus direitos enquanto funcionária da companhia; a matriz, localizada nos EUA, após investigação interna, não considerou que houve discriminação racial no caso.
“A gota d’água foi ter sido discriminada, humilhada e despedida de uma empresa multinacional por ter trançado meu cabelo”, afirma Luanna. Aos 35 anos, o episódio abriu uma nova oportunidade para que ela se dedicasse com mais calma às suas próprias ideias e projetos construídos ao longo de sua vida.
A formação e a experiência sob as tranças
Ainda que tenha sido discriminada e julgada pelas tranças em seu cabelo, Luanna carrega sob as costas uma extensa e importante formação. Sua experiência e vivência diferem das oportunidades cotidianas reservadas à maior parte dos negros e negras no país.
Se formou em Direito pela Universidade Mackenzie em São Paulo. Após a graduação viajou pela Europa por três meses. Na volta, decidiu viver em Buenos Aires, na Argentina, lugar em que se aproximou da cultura digital e da criação de conteúdo.
Neste mesmo período, criou o blog Efigênias onde concentra reflexões sobre cultura negra, racismo, identidade e divulga os projetos que construiu em sua trajetória. Em um momento seguinte, envolveu-se com empresas do campo de Linguística Computacional.
Atuou em projetos de NLP (Natural Language Processing), área ligada à interação entre homens e máquinas, através de idiomas falados pelas diversas culturas humanas. O tema incentivou Luanna a ir além. “Decidi me mudar para França para fazer um Mestrado em Linguística na Universidade Sorbonne, onde me inseri mais profundamente na cultura das startups”, conta.
“Comecei trabalhando com conteúdo e linguística computacional até que me interessei pela área de marketing e negócios digitais”, completa. Em 2011, foi Panel Manager e Business Developer de um painel de consumidores em Paris. No ano seguinte, ao voltar para o Brasil, decidiu dar o ponta-pé inicial em sua própria startup de Desenvolvimento de Negócios, a Doorbell Ventures.
“Enquanto trabalhava em empresas internacionais, desenvolvi pela Doorbell uma rede de publishers (Efigênias e Onde NÃO ir em Paris), um e-commerce (BAP Store), entre outras ideias profissionais, criativas e intelectuais”, relata.
Depois de experienciar o racismo dentro de um ambiente corporativo, Luanna viu uma brecha para, enfim, se dedicar exclusivamente aos seus ideais profissionais e pessoais: “decidi que não ía mais desperdiçar meu talento em ambientes tóxicos e preconceituosos e desde então tenho trabalhado com amor e dedicação no desenvolvimento e crescimento do Painel BAP”.
Black American Princess
Nos EUA, a expressão Black American Princess (BAP) é usada para se referir às mulheres negras de classe média. “Vi um dia um livro com esse termo, há uns 10 anos e na hora que li pensei: um dia vou ter uma loja chamada BAP”, explica Luanna sobre a referência que batizou dois de seus mais importantes projetos.
Durante o desenvolvimento da Doorbell Ventures, Luanna criou a BAP Store, um e-commerce de produtos afro, que originou o Painel BAP, uma comunidade e painel de consumidores.
O projeto se propõe a ser uma ferramenta inclusiva capaz de romper com paradigmas de mercado. A empresa se coloca como um “painel de consumidores afrobrasileiros” e um “painel de consumidores afrobrasileiro”, sendo uma “empresa preta” e “afrocentrada”.
“O Painel BAP é uma plataforma onde pessoas de diferentes perfis participam de pesquisas de mercado remuneradas. Por ser o primeiro painel de consumidores afrobrasileiro, trabalhamos baseados em princípios africanistas que norteiam o modelo de trabalho e organização”, ilustra.
A empresa também objetiva criar um sistema de prosperidade centralizado em pesquisas mercadológicas. Para isso, cria pontes entre empresas que querem conhecer mais profundamente as necessidades de seus clientes, pessoas que querem opinar e afroempreendedores que contribuem com produtos e serviços como recompensa pela participação do público.
“São ferramentas de marketing e representatividade muito importantes e representa um sonho coletivo de criar algo que seja nosso e que faça a diferença no mercado e na sociedade”, reflete a empreendedora.
Pesquisa divulgada pelo Instituto Data Popular em 2013 apontou que os consumidores negros (em sua maioria pertencentes a classe C), movimentaram R$713 bilhões por ano. O estudo observa uma demanda cada vez maior por produtos e serviços que se encaixem no novo perfil dos consumidores negros. Na contramão dessa mudança, ainda há pouca oferta de empreendimentos que atendam esses novos consumidores de forma adequada.
“Um painel de consumidores com a maioria de participantes pretos possibilita que empresas possam saber o que pensam e querem os diversos perfis desta comunidade com tamanho potencial humano e econômico mas subaproveitada por causa do racismo estrutural brasileiro”, explica Luanna Teófilo.
Para Luanna, projetos como o painel BAP tem função importante no enfrentamento das desigualdades raciais brasileiras. ‘Um sistema organizado de prosperidade como se pretende o Painel BAP parte de ideias modernas de sustentabilidade, inclusão, mas mais que tudo é uma forma de desenvolver novos mercados e criarmos modelos empresariais e sociais pretos”.
A ideia de criar uma base de afroempreendedores e de compreender de forma mais objetiva os consumidores negros do Brasil se baseia no princípio humanista africano chamado Ubuntu.
Palavra originária da línguas zulu e xhosa (faladas na África do Sul), ela exprime uma ideia de coletividade, que pode ser entendida pela frase “sou porque nós somos”. O conceito de Ubuntu se opõe à individualidade e parte do pressuposto de que uma felicidade genuína só é possível coletivamente.
“Tive contato com ideias e trabalhos acadêmicos sobre Ubuntu e sua aplicação aos negócios dentro do sistema capitalista e vi que era possível resgatar valores como solidariedade, coletividade, sabedoria ancestral, mesmo dentro de um sistema racista e cruel como vivemos”, reflete Luanna.
Ela acredita que um sistema de prosperidade voltado às populações afrodescendentes tem potencial para fortalecer negros e negras, integrando as diferentes pessoas envolvidas no cotidiano do painel.
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