PUBLICIDADE
PUBLICIDADE

Não tenha medo de amar

6 de novembro de 2015

Texto: Gabriela Vallim / Ilustração: Vinicius de Araújo

– Amiga, ele foi tão legal e romântico comigo, você acha que posso me apaixonar?

Quer receber nossa newsletter?

Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!

– Depende do quanto você está disposta a descobrir se realmente quer isso.

Quem nunca procurou uma amiga para juntas tentarem identificar as reais intenções de um companheiro também denominado como amigo colorido ou peguete?! Já fui muitas vezes a procurada e a que procura nessa história. Mas se fosse por meus anos de vida, você poderia parar de ler esse texto neste instante. Agora, se você acredita que o amor de uma mulher pode salvar a outra, leia.

Tenho uma irmã gêmea, era como nos chamavam quando íamos a feira, mercado ou passeávamos pelo nosso bairro com uns 7 anos de idade. Recentemente ela me perguntou algo que me fez entrar em colapso. Demorei 4 horas para formular uma resposta, pois minha mente trouxe imediatamente flashes de histórias da minha vida como um filme 3D em câmera lenta. Minha cabeça parecia vaguear pelo cosmo enquanto o vagão do metrô abria e fechava as portas, num domingo à noite, durante a viagem de volta pra casa depois de um final de semana de trabalho.

As palavras vieram à mente como se minha gêmea estivesse ouvindo tudo nos meus pensamentos e então decidi escrever. Minhas folhas foram o aplicativo de notas do celular quase acabando a bateria.

“Rainha, escrevi com todo o meu coração lembrando de tudo que passei e não quero que você passe, e de tudo que quero em dobro pra você. Sinto tanto sua falta assim como sinto de tantas outras irmãs que ganhei no caminho, mas os rumos nos colocaram em percursos tão diferentes. Quero dizer que amo vocês e sinto tanta falta das nossas conversas, risadas, baladas, enfim, de todo amor que cresceu em nós umas pelas outras”.

Sou impulsiva, ansiosa e facilmente me irrito quando as coisas não saem do meu jeito. Tenho vontade de fazer, o que me engano pensando ser o que realmente quero, apenas para me sentir no controle das coisas, mas a realidade é: não quero sofrer nem tomar decisões de que possa me arrepender depois.

Hoje tenho um namorado e esse motivo tem me ensinado a amadurecer, ser menos egoísta e redescobrir como é relacionar-se com alguém, dividir com ele sentimentos, compreender que estar na vida dele é uma responsabilidade. Nossa convivência me motiva a entender as pessoas para compreendê-lo e permanecermos felizes. Se tudo correr como planejo, construiremos uma linda família preta.

Mas de antemão, respondendo a pergunta inicial, pensar em todos os caras que te tratam bem, além de serem incrivelmente simpáticos e aparentemente sinceros, como possíveis futuros namorados é adoecedor e depressivo. Viver as aventuras de estar solteira pode ser acordar e decidir que mulher você vai querer ser naquele dia, além de escolher o cara que você terá naquela noite, isso se decidir por um cara.

É uma linha tênue, dependendo das relações que a vida te levou a ter. No decorrer dos anos surge em nós algumas áreas de sensibilidade, que em alguns momentos podem nos deixar vulneráveis. Ser uma mulher independente, pagar as próprias contas (sim, quero ser redundante para explicitar tal condição), fazer o que quiser com o corpo, ter autonomia para viajar, comprar um carro, morar sozinha, fazer faculdade, ser mãe independente ou qualquer outra coisa que passar por nossa cabeça em uma tarde de devaneios tem sua complexidade. Nos emancipamos, mas continuamos vivendo na mesma sociedade que nos impõe estereótipos, costumes, comportamentos e até nos impulsionando a desejos e vontades.

A renovação da nossa mente por hábitos transformadores não depende só de nós. Ter um namorado, companheiro e ou marido é uma cobrança pesada para muitas, principalmente quando passamos dos 18 anos! Deveria ser um direito a escolha por estar só, mas em alguns casos, por questões históricas e sociais, este é mais um legado de um país marcado pela colonização e pelos 388 anos de escravidão. A solidão, a que a mulher negra está mais vulnerável, pode facilmente nos fazer querer a companhia de alguém, pelo simples fato de provar a nós mesmas que apesar das estatísticas ainda temos escolha.

A escolha pode existir, mas os efeitos psicológicos do racismo imprimem em nosso inconsciente reações involuntárias de carência e fácil apego a pessoas que enxergamos como possíveis companheiros e que no fundo, podem não ser. Não por imaturidade ou irresponsabilidade da nossa parte, mas por vislumbrar o que por tantos séculos nos foi negado, que é o direito a amar e ser amada.

Aí está um dos traumas naturalizados em nossa formação enquanto mulheres negras, poucas de nós tiveram famílias estruturadas. Muitos pais nos abandonaram, muitas assumiram responsabilidades cedo para ajudar suas mães, isso quando não se tornaram ou são as mães. A procura por alguém que esteja disposto a nos amar se transforma em necessidade, pela maioria dos exemplos que conhecemos de outras iguais a nós ser a solidão. Nos sentimos caminhando a passos cada vez mais curtos a esse destino enquanto vamos vivendo nossos sonhos, criando os que ainda não existem, correndo atrás para que tudo se transforme em realidade, mesmo os mais utópicos desejos, e na contramão vemos homens ao nosso redor despreparados até para engatinhar na ousadia das escolhas. É desesperador, dá uma vontade de não ficar só, mesmo que acompanhada, mesmo que num futuro distante. Sensações que nos condicionam a agir querendo namorar aquele cara que foi carinhoso e gentil, como deveriam ser todos os outros, mas muitos não são. A questão colocada é até que ponto nós fazemos as escolhas ou as escolhas nos fazem? A razão ou a emoção tem conduzido nossas vidas?

O que eu quero para essa noite não é necessariamente o que quero para minha vida. A única coisa que está bem definida para mim é que tenho que permanecer com maturidade e em equilíbrio com minhas necessidades afetivas, independente se vou casar com o cara que sai a primeira vez, aquele que esperei por 7 meses, ou até o casamento. No final das contas, o que vai importar é o quanto os dois estão dispostos à felicidade, independente de onde inicie a paquera. Como diz uma música do teatro mágico que faz chorar corações apaixonados ou querendo se apaixonar “os opostos se distraem, os dispostos se atraem”.

Experimente o autoconhecimento, ouse reconhecer que você realmente quer nesse momento da sua vida e faça. Não se arrependa do que nem tentou, mas não tente o que não valerá a pena. Ame-se, pois o amor cura.

Apoie jornalismo preto e livre!

O funcionamento da nossa redação e a produção de conteúdos dependem do apoio de pessoas que acreditam no nosso trabalho. Boa parte da nossa renda é da arrecadação mensal de financiamento coletivo.

Todo o dinheiro que entra é importante e nos ajuda a manter o pagamento da equipe e dos colaboradores em dia, a financiar os deslocamentos para as coberturas, a adquirir novos equipamentos e a sonhar com projetos maiores para um trabalho cada vez melhor.

O resultado final é um jornalismo preto, livre e de qualidade.

Leia Mais

PUBLICIDADE

Destaques

AudioVisual

Podcast

papo-preto-logo

Cotidiano