Reunião anual de Chefes de Estado africanos, na Etiópia, mirou os direitos humanos
Texto: Solon Neto / Edição de Imagens: Alma Preta
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Ao final do mês de Janeiro, entre os dias 21 e 31, a União Africana realizou seu encontro anual em Addis Ababa, na Etiópia. As principais decisões da reunião envolveram a eleição de um novo Conselho de Paz e Segurança, o recuo na possível intervenção militar no Burundi e a eleição de um novo líder para a organização. Este ano, o foco do encontro foi nos direitos humanos, com especial atenção às mulheres. A igualdade de gênero é umas das metas estabelecidas pela agenda da União.
A 26ª sessão ordinária da Assembleia da União Africana assistiu o discurso inflamado de Robert Gabriel Mugabe, que deixou o cargo de presidente da União. Mugabe ocupava a cadeira desde janeiro de 2015, e passou o cargo a Idriss Delby, presidente do Chade, eleito durante o encontro. A troca de cadeiras é anual.
“Deve haver igualdade de verdade no Conselho de Segurança”
Em seu último discurso como presidente da União Africana, no último sábado (30/01), Robert Mugabe, atual presidente do Zimbábue, dirigiu-se duramente à Organização das Nações Unidas, ONU, representada na reunião pelo próprio secretário geral, o sul coreano Ban-Ki Moon. O presidente lamentou o domínio das nações desenvolvidas em questões internacionais e questionou a falta de membros africanos no Conselho de Segurança.
Ao longo de uma hora de discurso, Mugabe agradeceu o apoio da ONU no combate ao Ebola, e lembrou o desafio e o comprometimento com o combate ao terrorismo no território africano, além de desafios como impedir a fuga de jovens para outros continentes. Para ele, é necessário que haja atenção a essa questão, e que será necessário que esses jovens permaneçam na África para garantir seu pleno desenvolvimento.
O Presidente não poupou críticas ao Ocidente. Ele lembrou o racismo e o descaso com que os africanos são considerados nas instâncias mundiais de poder na ONU, organização em que, segundo ele, o africanos se mantém como “membros artificiais”. Para Mugabe, a própria sede da ONU, localizada em Nova Iorque, estaria no lugar errado, pois deveria estar onde as pessoas estão:
“Onde estão a maioria das pessoas? Nós temos 1,2 bilhão de pessoas na Índia, 1,3 bilhão de pessoas na China, e na África temos aproximadamente 1 bilhão de pessoas também. Nos coloque juntos, apenas esses três, e depois coloque os de rostos brancos e narizes rosas juntos e compare conosco. Quantos são eles?”
Após lembrar a diáspora e “os esqueletos desaparecendo sob o Atlântico”, Mugabe criticou o presidente americano Barack Obama dizendo que os negros americanos continuam sofrendo prejudicados em seus direitos e nada é feito, acrescentando que o presidente “age como eles e fala como eles”, referindo-se ao poder ocidental que dominou a África.
Tornando a palavra em direção à Ban Ki Moon, que está no último ano de sua gestão, Mugabe, de 91 anos, foi aplaudido de pé quando elevou a voz e disse:
“Reforme! Reforme o Conselho de Seurança! […] Todos os anos nós gastamos dinheiro para ir à Assembleia Geral [da ONU] para sermos ditos pelos chefes do Conselho que jamais teremos o poder que eles têm como membros permanentes”. Adiante ele foi mais enfático “Ainda temos algumas pessoas que dizem: ‘por que somos brancos e vocês negros, não podemos lhes dar a honra da igualdade no Conselho de Segurança’. Loucura!”.
Falando pelos estados africanos, o presidente queixou-se de que sua presença no ONU é artificial, e que se a ONU pretende sobreviver, “nós precisamos ser membros dela em pé de igualdade”.
A reforma do Conselho de Segurança da ONU é algo discutido há anos. Mugabe lembrou que a África, mesmo tendo 54 estados, solicitou apenas duas cadeiras e o poder de veto na reforma, o que jamais aconteceu: “Diga a eles que ainda fazemos parte do mundo, que nós não somos fantasmas”. “Os africanos não podem mais tolerar a escravidão sob qualquer novo nome, seja na negação de direitos, seja sendo tratados de uma maneira não igual à maneira que os outros estados tratam a si mesmos”.
O presidente do Zimbábue também rebateu as críticas sobre seu longo governo, dizendo que elas não tem validade vinda dos europeus, mantendo o tom crítico sobre a igualdade ONU e em relação ao ocidente, questionando racialmente suas decisões. Aos críticos, Mugabe pediu a Ban ki Moon, com todas as letras, que peça que “calem a boca”.
Mugabe é o presidente do Zimbábue desde 1987. Seu governo sofre críticas de organizaçãoes como a Anistia Internacional e o Human Rights Watch, alegando problemas na liberdade política e de expressão. O Zimbábue tem cerca de 12 milhões de habitantes e tornou-se independente da Inglaterra em 1965. No entanto, o racismo continuou assombrando o país. Sob o nome de Rodésia, o território permaneceu sob domínio da minoria branca até 1980, quando finalmente tornou-se o Zimbábue.
Novo “Conselho de Paz e Segurança” é eleito e recua sobre intervenção no Burundi
A república do Burundi mergulhou em tensão após o anúncio da terceira campanha presidencial de Pierre Nkurunziza. O terceiro mandato presidencial de Pierre trouxe de volta o fantasma da Guerra Civil, que viola o Artigo 7 do tratado de paz que pôs fim à guerra no país em 2000, o Acordo de Paz e Reconciliação de Arusha, o qual um dos mantenedores é a União Africana. O artigo é claro, e determina que o presidente da república só poderá ser reeleito uma vez. Pierre Nkurunziza foi eleito pela primeira vez em 2005, após o fim do governo de transição que negociou a paz no país a partir de 2000. Com cerca de 10 milhões de habitantes, o Burundi vive conflitos intermitentes entre suas principais etnias (Hutu e Tutsi) desde a década de 1970.
Segundo informações da revista Foreign Affaris, no dia 11 de Dezembro de 2015, forças rebeldes atacaram instalações militares do governo. No dia seguinte, dezenas de pessoas foram executadas pelo governo nas ruas, sendo muitas delas civis. Segundo a Reuters, já são pelo menos 400 mortos. O Conselho de Paz e Segurança, então, convocou uma reunião de emergência que resultou em um ultimato ao governo do Burundi, que tinha 96 horas para responder à possibilidade do envio de 5.000 homens da Missão Africana de Prevenção e Proteção ao Burundi (MAPROBU). O comunicado expõe também a preocupação com os refugiados que deixaram o país. O governo local decidiu por não aceitar a intervenção, e pôs a prova o poder de intervenção da União.
Em resposta, a União Africana decidiu na 26ª sessão ordinária, por não enviar tropas por enquanto, e enviará uma missão de alto nível para observar a situação e ampliar o diálogo com o governo. A tensão política diminuiu após os anúncios de possível intervenção, mas nada garante que a diminuição se deva à ação da União Africana. O novo presidente da União, Idriss Déby afirmou no último dia 31: “Nós devemos manter nosso foco no Burundi e no Sudão Sul. Claro que também nos outros, mas particularmente nesses dois”.
Conselho eleito
O Conselho Executivo reuniu-se e elegeu os novos membros do Conselho de Paz e Segurança da União Africana. O orgão permanente serve à prevenção de conflitos e manutenção da paz no continente. As cadeiras do conselho dividem-se em dois prazos de mandato, três e dois anos.
São 5 eleitos para as cadeiras de três e 10 para as de dois anos. Os eleitos para o cargo de 5 anos foram: Congo, Quênia, Egito, Zâmbia e Nigéria. Os outros 10 foram: Burundi, Chade, Ruanda, Uganda, Argélia, Botsuana, África do Sul, Serra Leoa e Togo.
Eles tomarão posse a partir de Abril de 2016. O Conselho de Paz e Segurança da União Africana é composto por 15 estados membros, sendo 3 da África Central, 3 da África Oriental, 2 do Norte da África, 3 do Sul e 4 da África Ocidental.
A União Africana
Com a sede já na Etiópia, a então “Organização pela Unidade Africana” (OUA) foi fundada em 25 de Maio de 1963 pelos 32 estados independentes do continente à época. Aos poucos, mais 21 estados juntaram-se à organização, e em 2002, fundou-se a União Africana (UA). Com a separação do Sudão, em 2011, o Sudão do Sul tornou-se o 54º membro da União Africana.
Exceto pelo Marrocos, todos os países africanos fazem parte da organização. A União Africana tem desde uma força militar permanente, com poder de intervenção nos países membros, a um Parlamento Pan-Africano.
A União Africana também foi fundamental para a libertação dos estados africanos seguindo um de seus valores mais importantes: a descolonização da África e luta contra qualquer tipo de apartheid.
As 7 metas da Agenda 2063
Com as raízes e os valores do “Renascimento Africano” e do “Pan-Africanismo”, a Agenda 2063 chama as pessoas da África e sua diáspora em uma missão de tornar o século XXI, o século africano. Escrito em 2013, marcando os 50 anos da formação da OUA, o documento se volta aos próximos 50 anos. O Pan-Africanismo dá o tom de toda a Agenda, e pretende unir o continente cultural e politicamente, celebrando suas produções locais e repatriando seu patrimônio cultural. A inclusão feminina em todas as esferas de decisão também é apontada, com atenção especial ao fim da mutilação genital e do casamento infantil e o estabelecimento de uma meta de 50% de mulheres em cargos públicos eleitos.
Até o ano de 2063, os estados-membros da União Africana pretendem atingir as seguintes metas:
- Uma África próspera, baseada em crescimento inclusivo e desenvolvimento sustentável.
- Um continente integrado, politicamente unido, baseado nos ideais do Pan-Africanismo e na visão do Renascimento Africano.
- Uma África com bom governo, democracia, respeito aos direitos humanos, justiça e pela lei.
- Uma África pacífica e segura.
- Uma África com forte identidade cultural, patrimônio comum, valores compartilhados e ética
- Uma África com desenvolvimento focado nas pessoas, baseado no potencial dos africanos, especialmente as mulheres e a juventude, além de prestar cuidados às crianças.
- Uma África forte, unida e influente como liderança global e parceira internacional.