Acusada de roubo por causa de um reconhecimento ilegal, Karen Cristina, uma mulher negra, foi inocentada pela justiça por falta de provas. Diante disso, a defesa entrou com recurso para absolvê-la já que, segundo provas apresentadas no processo, ela estava em casa no dia e horário do crime e não tem as características físicas da verdadeira suspeita do crime, uma mulher branca e loira.
A decisão foi emitida em junho deste ano pela 21ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ). Um trecho da sentença, ao qual a Alma Preta Jornalismo teve acesso, aponta que as provas não trazem confirmações sobre a suposta participação de Karen no crime e que ela só teve o nome vinculado ao inquérito por ter sido identificada como cunhada de um dos autores do crime.
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À reportagem, o advogado da mulher, Carlos Dutra, classifica a decisão como uma “aberração jurídica” e que dificulta a busca por reparação.
“Diante de todas as provas produzidas pela defesa, Karen deveria ter sido absolvida por não ter participado do crime e não por ausência de provas. O que revela a intenção do julgador (Estado) é impedir que Karen ou minimizar a esperança de buscar indenização por danos morais”, argumenta o advogado.
De acordo com o Tribunal de Justiça do Rio, os dois autores do crime identificados pela polícia foram presos em agosto do ano passado e condenados a 12 anos e 10 anos de prisão, respectivamente, inicialmente em regime fechado.
O caso
O caso aconteceu na madrugada de fevereiro de 2022 no Cachambi, bairro de classe média da zona norte do Rio de Janeiro, quando um policial aposentado voltava para casa. Em depoimento, a vítima contou que foi abordada por um grupo (três homens e uma mulher) na porta de casa e, ao ser levado para o imóvel, onde também estava a esposa, ele teria sido agredido com chutes e pontapés, amarrado, trancado no banheiro. Além disso, teve bens roubados, entre eles, algumas armas.
Os suspeitos do crime foram identificados após a perícia encontrar impressões digitais no imóvel e, após cruzamento de dados, a polícia identificou que um deles era cunhado de Karen, que teria sido reconhecida pelas vítimas por meio de foto na delegacia.
À Polícia, Karen disse que a foto apresentada à vítima foi retirada da carteira de visitante do presídio que utilizou quando visitou o pai do seu filho, em 2019. Em depoimento, a vítima do crime disse que todas as fotos apresentadas de Karen eram da mesma pessoa e eram fotos antigas, o que se caracteriza como reconhecimento ilegal, já que não houve apresentação de provas adicionais.
O processo também traz a declaração da antiga empregadora de Karen. Ela confirmou que Karen prestou serviços nos dias 21 e 24 de fevereiro (dia do crime), pois no dia 23 de fevereiro levou o filho, uma criança de nove anos, para consulta no hospital onde, na época, realizava tratamento para tumor no reto. Documentos do hospital também comprovam a chegada e saída de Karen no hospital.
Karen não tinha antecedentes criminais e nenhuma impressão dela foi encontrada no local do crime, mesmo assim foi presa, cinco meses após o crime, e ficou 11 dias detida até conseguir a liberdade provisória com medidas cautelares.
Durante o processo, o advogado de defesa também enviou à 23ª Delegacia de Polícia (DP) do Méier um ofício para analisar as imagens de câmeras de segurança da região que, segundo Karen afirmou em entrevista à Alma Preta no ano passado, nenhuma delas foi analisada pela polícia.
Dutra aponta para possíveis falhas cometidas na investigação, como o fato de não terem encontrado a impressão digital de Karen no local do crime e a falta de provas contra Karen ao obter os resultados da quebra de sigilo telefônico.
“Ou seja, o estado não passa de uma máquina travestida de legalidade com objetivo de moer pobre, pretos e jovens da periferia. Por fim, esclarece a defesa que não desistirá de provar que Karen não estava na cena do crime e postula a negativa de autoria em seu favor”, relata o advogado.
Outro lado
A Alma Preta Jornalismo buscou o Tribunal de Justiça do Rio e questionou o motivo de Karen não ter sido absolvida por não ter participado do crime já que a defesa aponta que há provas de que ela não estava no local no dia e horário do crime. Em nota, o TJRJ só informou que ela foi absolvida em junho deste ano.
A reportagem também perguntou se a verdadeira autora do crime já foi identificada já que, segundo alegações de Karen em entrevista em 2022, a suspeita possui o mesmo nome que ela. Em resposta, o órgão disse que os nomes apontados no processo fariam referência à mesma pessoa, segundo despacho emitido em agosto do ano passado.
O Tribunal de Justiça também disse que não há informações se as armas, joias e uma espada, tipo baioneta, roubadas no crime já foram encontradas. Questionado se o pedido da defesa para investigação das imagens das câmeras de segurança no local do crime foi atendido, o órgão respondeu que “houve desistência por parte da defesa de Karen em função do lapso temporal”.