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Vítima de reconhecimento ilegal por foto 3X4 antiga processa estado por danos morais

Homem negro foi reconhecido como autor de um crime baseado em uma foto de quando ele era mais novo. Ele não tinha passagem policial e a foto foi utilizada de forma indevida
Imagem mostra o corpo de um homem negro segurando uma placa no processo de reconhecimento em delegacia.

Foto: Divulgação

22 de setembro de 2023

Um homem negro, de 31 anos, entrou com uma ação contra o Estado do Rio de Janeiro por ter sido acusado de roubo e preso após um reconhecimento ilegal baseado em uma foto 3×4 de quando ele tinha 18 anos. A ação, movida em janeiro deste ano, pede uma indenização de R$ 100 mil por danos morais.

O caso aconteceu em outubro de 2019 quando Paulo* foi parado em uma blitz no bairro do Méier e informado por policiais que havia um procedimento policial aberto no nome dele na 25ª Delegacia Policial sob acusação de roubo ocorrido no bairro de Engenho Novo, região da Zona Norte do Rio. No mesmo dia, ele foi à delegacia para buscar informações, prestou depoimento e foi liberado.

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De acordo com o depoimento da vítima do roubo, dois homens negros em uma moto a abordaram, sendo que um deles estava armado, e roubaram um celular e uma nota de cinco reais. Vinte e um dias após o crime, a vítima foi à delegacia e teria reconhecido Paulo* por meio de uma foto 3×4 que estava na sede policial.

A defesa alega que a foto de Paulo*, que na época tinha 27 anos, foi tirada quando ele tinha 18 anos e, além disso, não havia motivos para a foto estar na delegacia já que ele nunca tinha sido processado criminalmente nem investigado em inquérito policial.

Paulo* foi preso quase dois anos após a investigação do crime. No dia da prisão ele recebeu uma ligação de policiais civis que se passaram por funcionários de uma empresa onde ele trabalhou em 2015 e pediram para ele ir até o local do antigo trabalho para receber uma suposta verba rescisória.

Apenas com base no reconhecimento por foto e sem provas materiais de que teria cometido o crime, Paulo* ficou preso por seis dias até ser liberado com aplicação de medidas cautelares. Segundo o advogado Carlos Dutra, o homem negro ainda ficou um dia a mais na prisão por suposto erro de digitação na expedição do alvará de soltura.

“O Estado manteve o autor preso indevidamente por seis dias, além do mais, mesmo com a soltura ainda precisava provar sua inocência, quando na verdade o ônus da prova incumbia ao Estado”, cita um trecho do processo.

Irregularidades

Para o advogado de Paulo*, o caso ocorreu diante de diversas falhas, como o reconhecimento ilegal, já que a prisão foi baseada apenas no depoimento da vítima e sem provas de autoria. “O reconhecimento fotográfico não foi feito através de álbum ou reconhecimento pessoal. Apenas mostram a fotografia dele desacompanhada de outras fotos, em desconformidade com art. 226 do CPP“, explica o advogado à Alma Preta.

Dutra acrescenta que na rua onde aconteceu o crime havia diversas câmeras e que o juiz tentou intimar Paulo* apenas uma vez. “Se baseando que (…) morava em comunidade carioca, fundamentou a prisão preventiva sob argumento de que sua liberdade colocaria a ordem pública em perigo”, pontua o advogado.

Durante o processo, a defesa também cita que mesmo após decisão da 3ª Câmara Criminal para o trancamento da ação penal, o juízo da 27ª Vara Criminal manteve ativo no sistema o mandado de prisão contra Paulo*. Ao todo, o nome de Paulo* ficou mais de cinco meses no sistema de busca da justiça.

“Sem qualquer dificuldade se conclui que o encarceramento decorreu de manifesta irresponsabilidade dos agentes do Estado. Apesar de instada a cumprir a ordem judicial imediatamente, a estrutura burocrática estatal não teve a responsabilidade de, ao menos nessas circunstâncias, retirar o cidadão do cárcere, bem como de suspender o mandado de prisão ora existente em seu desfavor, trazendo risco iminente de segregação injusta ao autor”, argumenta a defesa na ação que solicita a indenização por danos morais.

Vítima de reconhecimento ilegal teve vida profissional afetada

Após a soltura e exclusão do processo, Paulo* ficou desempregado e tentou trabalhar como motorista por aplicativo. No entanto, em fevereiro deste ano, teve a conta suspensa de dois aplicativos de viagem sob argumento da existência do processo criminal, em que ele já foi inocentado e que já deveria ter sido suspenso. Com a suspensão nas plataformas e desempregado, a vítima de reconhecimento ilegal teve um prejuízo financeiro de cerca de R$ 3 mil.

perfil suspenso uber1Em fevereiro deste ano, Paulo* teve a conta suspensa de dois aplicativos de viagem por causa do processo criminal | Foto: Reprodução

Em um trecho do processo, a defesa do homem chama atenção para as irregularidades e a “necessidade de uma maior observação acerca das prisões ilegais por conta dos falhos reconhecimentos por fotografia, pois é notório que na grande maioria os apontados são negros, pobres e de periferia”.

Estado nega ilegalidade

Em sentença publicada em abril deste ano, a 14ª Vara de Fazenda Pública, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, disse que o processo penal ocorreu dentro da regularidade, que não houve qualquer tipo de excesso cometido pelos agentes públicos e pediu a nulidade do pedido de indenização.

“Deste modo, resta comprovado que a prisão do autor foi legítima e em atenção à ordem de prisão determinada nos autos de processo criminal, vez que havia mandado de prisão válido expedido em desfavor do autor, cuja autoridade policial, ao efetuar a prisão, cumpriu o seu dever legal inexistindo abuso de poder ou violação aos seus direitos”, destaca um trecho da sentença da 14ª Vara.

No mês seguinte, a Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro argumentou que a prisão de Paulo* não se enquadra em caso de indenização por danos morais já que não se enquadra em hipóteses presentes na Constituição, que prevê que o Estado tem o dever de indenizar quando, no âmbito da atividade judicial, há erro judiciário e o prolongamento do tempo de prisão além do determinado em sentença.

Além disso, a Procuradoria questionou o valor da indenização, de R$ 100 mil, sob argumento de que a quantia seria “excessiva”, já que, segundo a Procuradoria, o período da prisão de Paulo* foi “ínfimo”.

Atualmente, o processo está em tramitação no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro em fase recursal, ou seja, quando a parte possui o direito de contestar uma decisão judicial.

* O nome fictício foi utilizado para preservar a identidade da pessoa citada.

  • Dindara Paz

    Baiana, jornalista e graduanda no bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade (UFBA). Me interesso por temáticas raciais, de gênero, justiça, comportamento e curiosidades. Curto séries documentais, livros de 'true crime' e música.

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