A União foi condenada a pagar R$ 20 mil em indenização após agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) balearem um homem negro que voltava para casa e foi “confundido” com um assaltante de ônibus em Belford Roxo, no Rio de Janeiro.
A decisão do processo, que inicialmente pedia indenização de R$ 100 mil, é da 1ª Vara Federal de Duque de Caxias.
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O caso aconteceu em setembro de 2021 quando Ricardo* desceu de um ônibus em um ponto localizado nas proximidades do km 174 na rodovia Presidente Dutra e seguia em direção a sua casa, em uma comunidade em Belford Roxo, junto com dois sobrinhos.
Durante o trajeto, ele percebeu que era seguido por um carro preto e, por ter sido assaltado um mês antes na localidade, decidiu correr. Foi só quando conseguiu entrar em casa que Ricardo* percebeu que havia sido baleado no ombro e que os policiais invadiram a residência em busca de um suspeito de assaltar um ônibus na região.
Na versão dos policiais, durante patrulhamento eles avistaram três jovens, sendo que um deles batia com as características do suspeito, e deram ordem de parada ao grupo quando um deles olhou “por cima de seus ombros” e resolveu correr.
Conforme relato dos agentes, a ordem de parada foi feita através de sinais luminosos, sonoros e verbais, versão negada pela vítima. Em entrevista à Alma Preta, Ricardo* contou que a rua estava escura e os policiais estavam com as luzes da viatura desligadas.
Ele disse também que antes de descer do ônibus tinha identificado um homem armado dentro do coletivo, relatou a situação ao sobrinho e por isso pediu para ele ir buscá-lo no ponto de ônibus. Segundo Ricardo*, o suspeito era um homem branco e magro, características distintas da fisionomia dele, um homem preto e com porte físico mais atlético.
PRF passou a enviar mensagens para a vítima
Após os policiais rodoviários federais invadirem a casa de Ricardo, eles teriam apontado um fuzil para o rosto da irmã da vítima e revistado a mochila do jovem. Ricardo classificou o dia do ocorrido como uma “madrugada tensa”, onde, após o ocorrido, foi levado ao hospital pelos agentes e encaminhado para delegacia para prestar depoimento.
Conforme prints anexos ao processo, ao qual a reportagem teve acesso, o PRF que efetuou o disparo passou a manter contato com a vítima através de aplicativo de mensagens para perguntar se ele estava bem ou se precisava de alguma coisa. De acordo com a defesa de Ricardo*, ele passou a se sentir coagido com as constantes mensagens.
“O fato é que se o autor não fosse pobre, negro e morador de periferia, essa situação jamais teria esse desfecho, o autor foi humilhado, baleado, pisoteado e constrangido de todas as formas inimagináveis, não morreu porque não era sua hora e ainda suportou seu algoz lhe enviar mensagens de Whatsapp, perguntando se estava tudo bem”, disse um trecho da defesa no processo de pedido de indenização.
De acordo com a defesa de Ricardo*, o PRF que disparou o tiro contra a vítima possui mais de dez processos pelo mesmo tipo de crime.
Em nota enviada à Alma Preta, a PRF informou que não divulga informações sobre servidores, “assim como os procedimentos correcionais são sigilosos e as informações são compartilhadas pela corregedoria com os órgãos investigativos competentes”.
Juiz considerou que PRF foi imprudente
Na decisão, publicada no dia 11 de outubro, o juiz Márcio Santoro Rocha, da 1ª Vara Federal de Duque de Caxias, citou que a PRF confirmou o ocorrido, mas disse que o disparo teria ocorrido “por culpa do autor, que teria empreendido fuga da abordagem policial”.
No entendimento do juiz que condenou a União, a conduta do policial foi “altamente imprudente” e não haviam elementos concretos que classifiquem a ação como legítima defesa.
“Ainda que seja possível o uso da força letal para conter a resistência em uma abordagem policial, em legítima defesa de si ou de terceiros, é estritamente necessário que haja proporção no uso dessa força, de forma a impedir os excessos. Nesse contexto, a simples fuga de uma abordagem policial não justifica o disparo de arma de fogo contra o suspeito”, mencionou o magistrado em um trecho da sentença.
Em nota enviada à reportagem, a Advocacia-Geral da União disse que não irá recorrer da decisão. O prazo para interpor recurso, ou seja, para a União apresentar novas provas ou contestações, caso queira, termina em dezembro deste ano.
A defesa de Ricardo*, representada pela advogada Bianca Maia, também disse à reportagem que apesar do valor da indenização ser menor do que a quantia solicitada, ele não vai recorrer da decisão.
“A princípio também iríamos recorrer pois achamos a indenização baixa tendo em vista o trauma que a situação causou ao autor, mas ele decidiu não recorrer para que termine logo o processo”, explicou a advogada.
*Nome fictício usado para preservar a identidade da pessoa citada.