PUBLICIDADE
PUBLICIDADE

Preso por Gabriela Bertoli, jovem é solto: ‘difícil olharem pro negro com respeito’

Jovem passou cinco meses preso de maneira preventiva e foi absolvido por falta de provas; Riquelme Antunes relata dificuldade para seguir a vida depois da prisão

Imagem mostra Riquelme, jovem negro preso de forma preventiva pela juíza Gabriela Bertoli e absolvido por outro juiz por falta de provas. Ele tem a pele retinta e usa uma camisa e bermuda em tons branco e azul.

Foto: Acervo pessoal

21 de junho de 2023

Riquelme Antunes, jovem negro de 19 anos, recebeu alvará de soltura no dia 12 de dezembro, cinco meses depois de ficar preso acusado de ter participado em um sequestro, na Brasilândia, zona norte de São Paulo. Mesmo sem o pedido de prisão preventiva da promotora do caso, Bárbara Cury, do Ministério Público (MP-SP), a juíza do Tribunal de Justiça (TJ-SP), Gabriela Bertoli, converteu a prisão em flagrante em preventiva.

“Eu desejo paz, que a sociedade me olhe com respeito, porque é difícil as pessoas verem pessoas negras e olharem com respeito. Quando se vê uma pessoa negra, se olha de maneira discriminada, e mal sabem que a pessoa trabalha”, relata Riquelme Antunes.

Quer receber nossa newsletter?

Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!

Ele foi preso em 7 de julho de 2022, quando tinha 18 anos, e completou, ainda na cadeia, os 19 anos no dia 18 de setembro. A primeira audiência do caso ocorreu no dia 8 de dezembro, quando as testemunhas, vítimas e os acusados foram ouvidos.

A decisão pela inocência de Riquelme Antunes ocorreu no dia 17 de fevereiro de 2023. O Ministério Público apresentou denúncia contra Riquelme Antunes durante o julgamento e o juiz Paulo Eduardo Costa absolveu o jovem por não existirem provas suficientes para sua condenação.

Com sonho de ser jogador de futebol, Riquelme torce para que a prisão não impossibilite o desejo de ser um atleta profissional. “Eu consegui umas amizades, que iriam me levar para o futebol, aí aconteceu isso daí. Meu sonho continua o mesmo, eu só espero um apoio, um braço forte para me levantar, que não é fácil, mexe com o psicológico. Sempre que falo disso, parece que meu coração até aperta”, conta.

Ele afirma que a prisão já gerou mudanças na vida, como a perda de oportunidades de trabalho e mesmo amizades. “Já atrapalhou em muita coisa, tipo nas amizades, serviço, do jeito que as pessoas te tratam, você é bastante discriminado”, diz.

Gabriela Bertoli, responsável pelo pedido de prisão preventiva de Riquelme Antunes, é juíza do Tribunal de Justiça de São Paulo e tem acumulado decisões contrárias a pessoas negras. O nome dela ganhou repercussão depois de não enxergar indícios de tortura no caso de um homem negro que foi carregado por policiais militares. O TJ-SP alega que as imagens não foram mostradas durante a audiência e que o rapaz envolvido não relatou ter sido torturado.

Arismary Gaia, fundadora do projeto social Vozes Inocentes e advogada de Riquelme Antunes, lamenta as posições do poder judiciário, de validar os equívocos cometidos pela polícia. “O judiciário tinha que ser o filtro do que a policia faz, e infelizmente não é o que está acontecendo. A polícia faz e aí o judiciário, onde a doutora Gabriela Bertoli atua, deveria filtrar melhor antes de pedir uma preventiva. O judiciário ficou uma máquina de prisões justamente contra as pessoas menos favorecidas”.

Ela conta o desejo da defesa de Riquelme Antunes de o Estado o indenizá-lo por conta dos males causados à vida do jovem. “Riquelme terá resquícios da justiça eternamente e a reparação do Estado não vai mudar o que ele passou, mas o Estado precisa entender que é responsável pelos policiais, é responsável pelo judiciário, então precisa reparar o que ele sofreu e o que ele sofre ainda, porque ele tem medo de sair na rua, tem medo de ser abordado novamente”.

Leia também: Juíza Gabriela Bertoli acumula decisões contra pessoas pobres e negras

Jovem contesta depoimento de policiais

A Secretaria de Segurança Pública (SSP) informou em nota que “o caso é investigado por meio de inquérito policial instaurado pelo 72º Distrito Policial (Vila Penteado)”. A SSP ainda informou que “os suspeitos, com idades entre 18 e 33 anos, foram encaminhados para audiência de custódia e o Poder Judiciário manteve as prisões e converteu o ‘flagrante’ para ‘preventiva’. O procedimento acerca do reconhecimento de pessoas segue estritamente o rito previsto no artigo 226 do Código de Processo Penal. Em relação ao reconhecimento por voz, a prisão em flagrante é decretada, levando-se em consideração todos os elementos trazidos ao conhecimento da autoridade policial, assim, reconhecimentos, declarações, depoimentos, cujos requisitos estão previstos no artigo 301 e seguintes do Código de Processo Penal”.

Riquelme Antunes contesta e diz que o depoimento dos policiais tinha informações inverídicas. “A vítima, por estar abalada, com um trauma, um choque, ali no momento reconheceria qualquer um que os policiais colocassem na frente”.

O TJ-SP afirmou não emitir “nota sobre questões jurisdicionais. Os magistrados têm independência funcional para decidir de acordo com os documentos dos autos e seu livre convencimento. Essa independência é uma garantia do próprio Estado de Direito. Quando há discordância da decisão, cabe às partes a interposição dos recursos previstos na legislação vigente”.

Entenda o caso

Riquelme e outras quatro pessoas foram acusadas de cometer um sequestro e roubar uma pessoa, na noite de 6 de julho, na Brasilândia, zona norte de São Paulo. O boletim de ocorrência foi registrado na madrugada do dia 7 de julho.

O sequestro e o roubo foram registrados no 72° D.P da Vila Penteado pela delegada Gisele Rocha. De acordo com o texto, os policiais militares André de Andrade e William Germano foram para a Rua Rosalvo José da Silva apurar uma ocorrência de sequestro.

Ao chegarem ao endereço, identificaram uma residência com as portas abertas e ao entrarem, localizaram a vítima amarrada. O rapaz disse aos policiais que havia combinado um encontro amoroso, por meio de uma plataforma de relacionamentos, e quando chegou ao local foi cercado por três homens.

Como os criminosos roubaram o celular da vítima, os policiais utilizaram o GPS do aparelho para localizar os sequestradores. O endereço indicou para Travessa Rafael Arino, 35, para onde os policiais se deslocaram. Ao chegarem, identificaram no interior da casa quatro homens e uma mulher com alguns dos pertences da vítima, como o celular e cartões bancários. Todos receberam ordem de prisão.

Riquelme Antunes foi um dos presos e foi encaminhado para o Centro de Detenção Provisória de Vila Independência. Ele passou por audiência de custódia no dia 8 de julho, com a juíza Gabriela Bertoli, que pediu a prisão preventiva do jovem.

Questionada sobre o caso, a SSP reforçou o descrito no boletim de ocorrência. “Quatro homens, com idades entre 18 e 33 anos, e uma jovem, de 22, foram presos em flagrante após terem roubado um homem, de 41 anos, na noite do último dia 6, na região da Brasilândia, na zona norte da Capital. A vítima, que foi mantida refém pelos suspeitos, compareceu à delegacia e prestou depoimento. O caso foi registrado pelo 72º DP (Vila Penteado). Os suspeitos foram encaminhados para audiência de custódia e o Poder Judiciário manteve as prisões. Até o momento, o inquérito policial não retornou à unidade para novas diligências”.

Leia também: ‘Desembargador investigado por escravizar pessoa surda recebeu R$ 477 mil em 2023’

Apoie jornalismo preto e livre!

O funcionamento da nossa redação e a produção de conteúdos dependem do apoio de pessoas que acreditam no nosso trabalho. Boa parte da nossa renda é da arrecadação mensal de financiamento coletivo.

Todo o dinheiro que entra é importante e nos ajuda a manter o pagamento da equipe e dos colaboradores em dia, a financiar os deslocamentos para as coberturas, a adquirir novos equipamentos e a sonhar com projetos maiores para um trabalho cada vez melhor.

O resultado final é um jornalismo preto, livre e de qualidade.

  • Pedro Borges

    Pedro Borges é cofundador, editor-chefe da Alma Preta. Formado pela UNESP, Pedro Borges compôs a equipe do Profissão Repórter e é co-autor do livro "AI-5 50 ANOS - Ainda não terminou de acabar", vencedor do Prêmio Jabuti em 2020 na categoria Artes.

Leia Mais

PUBLICIDADE

Destaques

AudioVisual

Podcast

papo-preto-logo

Cotidiano