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‘Para que as próximas gerações não sofram tanto, precisamos dar nome às nossas dores’, diz psicóloga

Tratamento psicológico é aliado para prevenir e tratar possíveis transtornos, muitos deles agravados pela pandemia
"Para que as próximas gerações não sofram tanto, precisamos dar nome às nossas dores", diz psicóloga

Foto: Alex Green/Pexels

18 de outubro de 2022

A jornalista manauara Ariel Bentes, 24, começou a fazer terapia no início da adolescência pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Entretanto, foi obrigada a interromper o tratamento porque precisou mudar de cidade e voltou às sessões no último mês de agosto.

O que motivou a jornalista a procurar novamente um especialista foi o racismo sofrido na empresa na qual trabalhava em 2019. Além do trauma sofrido por ter sido vítima deste crime,  a sobrecarga de trabalho, intensificada durante a fase mais crítica da pandemia da Covid-19, também influenciou na tomada de decisão.

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Como dependia financeiramente do emprego, ela conta que precisou continuar no mesmo cargo. Pouco tempo depois, em 2020, enfrentou ainda mais dificuldades para lidar com o luto coletivo e a perda de familiares, um deles por conta do coronavírus.

“Tudo foi se somando e essa necessidade de ter um acompanhamento psicológico se tornou maior, mas não era possível por uma questão financeira, eu só consegui voltar para a terapia recentemente”, relembra Bentes.

Sua tia Ana Amarante faleceu aos 62 anos, em decorrência da Covid-19, em março de 2021, duas semanas antes de começar a vacinação para o seu grupo etário. O relato de Ariel ajuda a ilustrar o artigo produzido pelo Grupo de Trabalho Racismo e Saúde, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). O estudo observou que, no período da pandemia de Covid-19, a população negra estava entre o grupo com maiores vítimas do vírus. De acordo com o levantamento, entre os impactos na saúde mental, essa população sofre com medo, ansiedade, desânimo, processos de luto e outros efeitos psicossociais decorrentes desse período.

Redes de fortalecimento

No período mais crítico da pandemia, antes de ter a possibilidade de custear as sessões com uma especialista, Ariel Bentes buscou mecanismos que pudessem ajudá-la a não piorar o seu quadro de saúde. “Eu tenho alguns amigos que já faziam acompanhamento psicológico nessa época, por outras motivações. Sempre conversava com alguns deles, que me mostravam técnicas que normalmente funcionam com a maioria das pessoas”, relata.

A partir dessas técnicas, ela viu na prática de exercícios físicos um forte aliado para driblar a falta de acesso à saúde mental. “Eu não podia sair de casa para uma academia por conta da pandemia, mas eu tentava fazer exercícios em casa”, conta.

A psicóloga clínica Clarissa Gomes, 29, especialista em saúde mental com foco na população negra e pacientes enlutados, destaca que a concentração da população negra é maior nas periferias e, por isso, o acesso à saúde mental só é possível por meio das políticas públicas eficientes e verdadeiramente interseccionais.

“O acesso à saúde mental não é garantido. Pelo contrário, é dificultado, é até complicado para que essas pessoas tenham esse acesso. É muito comum acontecer que essa população comece a desenvolver sintomas de doenças mais graves e assim vai buscar essa assistência no posto, no hospital”, explica a psicóloga.

“A pessoa também acaba não sendo encaminhada devidamente para o que poderia solucionar aquele sintoma, então fica nesse ciclo de adoecimento físico, com causas emocionais, mas que não é investigado e muitas vezes tornam-se problemas crônicos de saúde”, completa Clarissa Gomes.

A especialista aponta para a existência de uma maior predisposição dessa população para o desenvolvimento de transtornos de personalidade, transtornos de humor, depressão e ansiedade causados pela exclusão social. “Tudo isso aumenta muito esses riscos de adoecimento emocional. São sintomas que, muitas vezes, não são vistos. O tratamento só é realmente eficaz quando a gente consegue diagnosticar”, reforça a psicóloga.

Redes de apoio e o serviço público 

Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e redes de apoio, como o movimento negro, família e amigos, auxíliam a população negra a enfrentar os impactos na saúde mental causado pela pandemia da Covid-19.

Um bom exemplo vem da zona norte de São Paulo, mais precisamente do bairro Brasilândia. O movimento KilomBrasa promove formar organizações de lutas antirracistas nas práticas do Sistema Único de Saúde (SUS).

Dentre as ações desenvolvidas no CAPS da Brasa existem as práticas psicossociais construídas a partir das questões raciais, como a Feira de Troca de Tempo, que realiza discussões sobre aquilombamento no SUS a partir do aprofundamento dos estudos decoloniais e antirracistas, da troca de experiências, facilitar as práticas de cuidados em saúde, descolonizar a cultura, além de enegrecimento nas práticas de saúde pública.

Produção de conhecimento como prevenção 

A produção e a divulgação de conhecimento também são fortes aliados na prevenção, principalmente para alertar a população sobre os impactos do racismo cotidiano na saúde mental da população negra.

“De tudo aquilo que a gente vai vendo como algo feio e errado, algo que a gente precisa se adaptar, a busca pelo embranquecimento. A necessidade de divulgar esse conhecimento nas escolas, sobre a história da diáspora, da escravidão. São questões que precisam ser discutidas para que possamos ser vistos e dar nome às nossas dores”, pontua Clarissa Gomes.

Ainda sobre o assunto, a especialista destaca que não tem como falar sobre negritude sem mencionar os impactos na saúde mental e o acesso a uma psicologia preta que possa melhor entender essa população, principalmente após os impactos causados pela pandemia de Covid-19.

“É um trabalho que há alguns anos era muito mais difícil. As coisas estão caminhando a passos lentos, mas são passos que a gente precisa valorizar e esperar que as nossas próximas gerações não sofram tanto quanto a atual. É uma luta constante para que isso aconteça. Para que nossos filhos e netos possam ter o acesso que os nossos pais e avós não tiveram”, finaliza.

Para saber mais, ouça os dois episódios especiais do Papo Preto sobre saúde mental:

Papo Preto #102

Neste episódio, a jornalista Stela Diogo recebe Monica Santana, psicóloga clínica e mestre em Psicologia Social que atua no desenvolvimento socioemocional, principalmente da população negra e periférica. Elas discutem a importância do cuidado com a saúde emocional como forma de prevenção ao suicídio e como entender o cuidado da mente como aliado aos cuidados do corpo em nossa existência.

Papo Preto #114

A jornalista Stela Diogo conversa com Nilson Lucas Gabriel, psicólogo, professor e pesquisador do psiquiatra e filósofo Franz Fanon, que discute em sua obra as consequências do racismo e do colonialismo no âmbito psicológico.

Leia também: Pandemia contribui para aumento de busca por assistência psicológica

  • Redação

    A Alma Preta é uma agência de notícias e comunicação especializada na temática étnico-racial no Brasil.

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