Uma das armas atribuídas a um dos jovens assassinados na comunidade da Gamboa, em Salvador (BA), pertencia a um policial militar. Uma pistola Taurus calibre 380 estava no nome do agente Felipe Cunha Andrade, do 12º Batalhão de Polícia Militar (BPM), e tinha o registro vencido desde 2015.
Segundo informações do processo, ao qual a Alma Preta teve acesso, a arma teria sido furtada em 2017 no bairro de Itapuã, na capital baiana, após o policial relatar que teria deixado a janela do carro dele aberta.
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Na época, Felipe Cunha registrou um Boletim de Ocorrência e depôs na Delegacia de Itapuã que não percebeu que a janela do veículo ficou semiaberta, quando os supostos assaltantes conseguiram abrir a porta do carro e furtaram a pistola, dois carregadores que estavam debaixo do tapete do carro, um telefone e moedas.
O PM foi convocado para prestar esclarecimentos sobre a arma que teria sido encontrada com os jovens na Gamboa e deu a mesma versão.
A reportagem questionou se a Polícia Militar do Estado da Bahia (PMBA) foi notificada sobre a arma do policial ter sido encontrada no local do crime e quais medidas adotou em relação ao caso.
Em nota, a instituição respondeu que, segundo a Corregedoria da PM, “não há registro dessa natureza. A apuração, inclusive, já havia sido remetida ao Ministério Público”.
Em nenhum momento o policial Felipe Cunha foi questionado se conhecia os PMs Tarcio Oliveira, Thiago Leon e Lucas dos Anjos Bacelar, denunciados pelas mortes de Alexandre Santos dos Reis, de 20 anos, Cléverson Guimarães Cruz, 22, e Patrick Sousa Sapucaia, 16.
O crime aconteceu no dia 1º de março de 2022, na região da Gamboa de Baixo, após os PMs terem alegado troca de tiros com os jovens. No entanto, a investigação aponta que os agentes forjaram a cena do crime para sustentar uma versão de falso confronto.
Além disso, duas das três armas atribuídas às vítimas apresentavam defeitos na sua utilização e não foram encontradas partículas de chumbo nas mãos das três vítimas, ou seja, resíduos característicos de disparo de arma de fogo.
Atualmente, Tarcio Oliveira, Thiago Leon e Lucas dos Anjos Bacelar são réus por homicídio qualificado por motivo torpe. Na decisão, publicada em novembro de 2023, o 2º Juízo da 2ª Vara do Tribunal do Júri da Comarca de Salvador proibiu os policiais de terem acesso à localidade da Gamboa e manterem contato com as testemunhas do processo e familiares das vítimas, além do afastamento dos agentes das atividades ostensivas por 180 dias.
Em nota enviada à reportagem, o Ministério Público da Bahia (MP-BA) informou que os policiais permanecem afastados e que uma nova denúncia por fraude processual foi apresentada em fevereiro deste ano.
A equipe também pediu um posicionamento para a Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.
Histórico do PM envolvido no caso Gamboa
O policial Felipe Cunha já foi investigado em um processo de homicídio com características semelhantes ao caso da Gamboa.
Em agosto de 2019, Cunha e outros quatro policiais foram alvo de um Inquérito Policial Militar (IPM) pela morte de um jovem negro de 20 anos. Segundo a versão dos policiais, eles se deslocaram até um bairro em Camaçari, região metropolitana de Salvador, após moradores denunciarem a presença de um homem armado na Rua da Amizade.
Ao chegarem ao local, os policiais relataram que Gabriel de Oliveira correu para uma casa e iniciou os disparos, momento em que revidaram e atingiram o rapaz.
Ainda segundo os agentes, a vítima chegou a ser socorrida para o Hospital Geral de Camaçari, mas não resistiu. Com o jovem, segundos os PMs, foram encontrados um revólver e drogas.
Ao solicitar os dados dos antecedentes da vítima, o corregedor da PM, Capitão PM Zanony Souto dos Reis Neves, chamou a vítima de “marginal” e solicitou informações sobre qual facção ele pertencia.
Na ficha de antecedentes criminais, a vítima possuía dois inquéritos, sendo o primeiro registrado em 2017, em que ele foi vítima de facada pelo filho da ex-companheira. No segundo registro, no mesmo ano, a vítima consta como autor de violência doméstica contra a companheira, que estava gestante. A agressão teria ocorrido em via pública na presença de uma criança de nove anos.
De acordo com a perícia, há evidências de que a porta da residência foi arrombada e as marcas das balas nas paredes indicam disparos feitos de dentro para fora do imóvel e também no sentido contrário. No decorrer do processo, não há informações de quem seria o imóvel ou se a vítima residia no local.
Já o exame de perícia no corpo da vítima aponta que não foram encontradas partículas de chumbo nas mãos do jovem.
O processo foi arquivado em fevereiro de 2023 pelo juiz da Vara do Júri e Execuções Penais da Comarca de Camaçari, Waldir Viana Ribeiro Júnior, que considerou que os PMs “agiram sob o manto da excludente de ilicitude”.
A decisão atendeu a um pedido da 12ª Promotoria de Justiça da Comarca de Camaçari, do Ministério Público do Estado da Bahia, que cita que os agentes agiram em legítima defesa e que os disparos “foram necessários e proporcionais à injusta agressão sofrida”.
Ainda na decisão, o juiz Waldir solicitou envio de ofício ao Tenente do 12º BPM, onde os PMs são lotados, para “que se possa avaliar eventual anotação do elogio ou ato de bravura” do prontuário dos PMs.