De mãos dadas à esquerda do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo, desceu a rampa interna do Palácio do Planalto na cerimônia de posse que aconteceu na manhã desta sexta-feira (27), em Brasília.
A ministra já havia sido nomeada pelo presidente Lula em 10 de setembro, quatro dias após a demissão do ex-ministro da pasta Silvio Almeida, alvo de denúncias de assédio sexual — uma das vítimas seria a ministra de Igualdade Racial, Anielle Franco.
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À direita do presidente estava a primeira-dama, Janja Lula da Silva, que compôs a mesa da solenidade ao lado de outras cinco ministras: Esther Dweck, do Ministério de Gestão e Inovação, Nísia Trindade, do Ministério da Saúde, Cida Gonçalves, do Ministério das Mulheres, Marina Silva, do Ministério do Meio Ambiente e Anielle Franco, da Igualdade Racial.
Franco foi apontada como uma das vítimas do antecessor de Macaé, o ex-ministro Silvio Almeida.
Questionada sobre o que avança em sua pasta com a entrada de uma mulher negra no Ministério de Direitos Humanos, Anielle Franco avaliou que “é menos sobre o Ministério da Igualdade Racial e mais para o governo como um todo e para o país”.
“O importante é saber que nossos corpos estão cada vez mais nesses espaços”, concluiu, em entrevista à Alma Preta.
Ela estava com os olhos marejados ao fim da cerimônia de posse. “É óbvio que trazer uma mulher negra, que é a pauta que eu mais defendo no mundo, mexe comigo particularmente, porque é uma pauta minha desde pequena que a minha mãe ensina para a gente”, comentou Anielle.
“Cuidar da diversidade”
Durante o discurso, Macaé reafirmou que a vocação do Ministério dos Direitos Humanos é “cuidar da diversidade” do Brasil, “contribuindo para a vida digna de cada brasileiro e brasileira”.
Para a nova ministra, sua maior credencial é ser uma pessoa absolutamente comum: “mulher preta, professora, assistente social”. A partir disso, ela afirma a necessidade de aumentar a compreensão da sociedade brasileira sobre o que são direitos humanos.
“Infelizmente na nossa sociedade brasileira muita gente tem uma concepção de que direitos humanos é uma coisa de quem defende bandido. (…) Por isso, eu quero dialogar especialmente com as nossas famílias, em suas diferentes formas. (…) A gente quer que o Estado olhe pra nós e nos cuide. Cuidar dessas mulheres, dessas famílias, quando a gente cuida delas, a gente cuida do conjunto da sociedade”.
E concluiu: “Para nós, direitos humanos não é termo retórico. Só tem sentido se for materializado na vida cotidiana de pessoas comuns, como eu”.
Também mencionou inspirações ancestrais do povo negro, como a Revolução Haitiana, o Quilombo dos Palmares e as reflexões do pensador quilombola Nego Bispo, falecido em dezembro de 2023.
“Nego Bispo deixou a palavra: No dia em que os quilombos perderem o medo das favelas, que as favelas confiarem nos quilombos e se juntarem às aldeias, todos em confluência, o asfalto vai derreter!”
Mãe, filhas e a prima Conceição Evaristo
O tom da cerimônia e do discurso foi de evocação da ancestralidade de Macaé e de alegria. Logo no início de seu discurso, ela lembrou que hoje é Dia de Cosme e Damião. “A alegria como potência de vida nos leva a lugares onde a tristeza nunca levaria”, afirmou.
A abertura contou com a declamação do poema “Vozes-mulheres”, pela escritora Conceição Evaristo, que é autora do texto e prima da ministra.
Além de autoridades e movimentos sociais, a família de Macaé Evaristo estava presente em peso na cerimônia. Na primeira fileira estava sua mãe, Maria Antônia Cesário Evaristo, além de irmãs, Mara, Moemie e Marlandes, e suas filhas, Marina Evaristo e Mariana Evaristo. Ela mencionou ainda a presença de um cunhado, um genro e uma sobrinha, além de sua mãe de santo, a ialorixá Carmem Yolanda.
Quem é Macaé Evaristo
Formada em Serviço Social e mestre em Educação, Macaé Evaristo foi a primeira mulher negra a ocupar os cargos de secretária de Educação no município de Belo Horizonte (2005 a 2012) e no estado de Minas Gerais (2015 a 2018). Em 2020, ela se elegeu vereadora da capital mineira e em 2022 foi eleita deputada estadual em Minas Gerais.
Além disso, foi secretária de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação entre 2013 e 2014, durante o primeiro mandato presidencial de Dilma Rousseff (PT).
Reconhecida no meio educacional e nas discussões sobre combate ao racismo, Macaé também esteve no governo de transição para a atual gestão Lula como integrante do Grupo de Trabalho da Educação.
Denúncias contra Silvio Almeida
Em 5 de setembro, a ONG Me Too, que atua no combate ao assédio sexual, divulgou o recebimento de 14 denúncias de mulheres contra o então ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida. Em um comunicado à imprensa, a organização destacou que as denúncias foram feitas pelos canais de atendimento.
As vítimas pediram anonimato e relataram dificuldades para validar suas denúncias. Além disso, os episódios teriam ocorrido no ano passado, com uma das vítimas sendo a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco.
Anielle se pronunciou em nota sobre o caso somente após a demissão do ministro, na noite de 6 de setembro.
O comunicado, publicado em suas redes sociais, não cita o ex-ministro e é marcado pela defesa dos direitos das mulheres e meninas vítimas de assédio. A ministra pede ainda respeito ao seu espaço e direito à privacidade e afirma que contribuirá com as apurações “sempre que acionada”.
Anielle Franco se posiciona contra “tentativas de culpabilizar, desqualificar, constranger ou pressionar vítimas a falar em momentos de dor e vulnerabilidade” e aponta que essas ações “só alimentam o ciclo de violência”.
Na nota, consta também um agradecimento pela “ação contundente” do presidente Lula e às manifestações de apoio e solidariedade enviadas a ela. “Não é aceitável relativizar ou diminuir episódios de violência. Reconhecer a gravidade dessa prática e agir imediatamente é o procedimento correto”, diz o texto.