PUBLICIDADE
PUBLICIDADE

Indignação coletiva com a letalidade policial provocará mudanças reais?

Essa perplexidade das pessoas, devido à violência estampada nos noticiários, é pouco para a insurgência coletiva
Agente da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) durante operação no complexo da Maré, na capital fluminense.

Agente da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) durante operação no complexo da Maré, na capital fluminense.

— Carl de Souza/AFP

28 de dezembro de 2024

“O componente cívico supõe a definição prévia de uma civilização, isto é a civilização que se quer, o modo de vida que se deseja para todos, uma visão comum do mundo e da sociedade, do indivíduo enquanto ser social e das suas regras de convivência.” – Milton Santos

Hoje, a atenção está voltada para a letalidade policial. Não sabemos até quando, tampouco se os horrores captados por câmeras e smartphones provocarão mudanças que coíbam a brutalidade policial. Talvez seja apenas um momento de indignação coletiva estimulada pela imprensa hegemônica, a mesma que diferencia o título de reportagem conforme a cor do suposto criminoso.

Na realidade, acredito que as conquistas objetivas resultam somente quando a população pressiona o sistema. Essa perplexidade das pessoas, devido à violência estampada nos noticiários, é pouco para a insurgência coletiva. O sentimento resulta do sensacionalismo de alguns programas e telejornais, que têm o papel de mexer com os sentimentos para aumentar a audiência. 

Quer receber nossa newsletter?

Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!

O Movimento Negro Unificado (MNU) denuncia a violência racista desde os anos setenta. Milton Barbosa, em entrevista ao Brasil de Fato, comentou que o MNU surgiu para responder à discriminação racial de quatro jogadores do time infantil de voleibol, Regatas Tietê; e à prisão, tortura e morte de Robson Silveira da Luz, acusado de roubar frutas na feira.

Logo, ao fazermos uma retrospectiva daqueles tempos até o presente, notaremos que algumas políticas públicas foram conquistadas pelos movimentos negros, entretanto, o racismo se sofisticou e continua operando instrumentos que provocam dor e morte.

Segundo o Atlas da Violência 2024, as pessoas pretas e as pessoas pardas representaram 76,5% das vítimas de assassinatos, em 2022. Caso procuremos em outros índices sociais, não encontraremos indicadores expressando a inexistência de desigualdade racial. Essa condição é o racismo organizando o país de maneira que os privilégios das pessoas brancas ocorram, relativamente, sem esforços; como se fossem naturais.

Infelizmente, a sociedade não provoca discussões encadeadas, fragmenta-se o complexo. Por exemplo, o comportamento do jovem negro, exterminado pelas costas por um policial, é um dos efeitos colaterais da marginalização provocada pelo racismo; e, a atitude do policial que atirou, é o resultado do racismo que opera na subjetividade, incutindo que os negros são os inimigos a serem abatidos. Portanto, relação de todas as dimensões é essencial para a elaboração de políticas de combate ao racismo.

Para darmos um salto radical em busca de civilidade, o combate ao racismo deve ser feito de maneira permanente, com ações concretas e multidimensionais. A desmilitarização da polícia militar, políticas de habitação, saúde e educação, mercado de trabalho, participação igualitária nas esferas políticas e meios de comunicação são temas que exigem aprofundamento, tendo como parâmetro as condições sociais do negro brasileiro.

Enfrentemos as distrações e informações duvidosas, que se avolumam no ambiente virtual e supervalorizam o senso comum; a capacidade de criticidade das pessoas tem sido prejudicada. Façamos debates conscientes e com espírito rebelde. O fortalecimento da organização do povo negro é imprescindível, caso contrário, aquela civilidade não será alcançada.

Apoie jornalismo preto e livre!

O funcionamento da nossa redação e a produção de conteúdos dependem do apoio de pessoas que acreditam no nosso trabalho. Boa parte da nossa renda é da arrecadação mensal de financiamento coletivo.

Todo o dinheiro que entra é importante e nos ajuda a manter o pagamento da equipe e dos colaboradores em dia, a financiar os deslocamentos para as coberturas, a adquirir novos equipamentos e a sonhar com projetos maiores para um trabalho cada vez melhor.

O resultado final é um jornalismo preto, livre e de qualidade.

  • Ricardo Correa

    Estudante de Matemática, graduado em Tecnologia Industrial e pós-graduado em Educação. Ex-líder comunitário na periferia da zona leste de São Paulo e consultor na área de eletrônica.

Leia mais

PUBLICIDADE

Destaques

Cotidiano