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Mural em SP simboliza luta das mulheres negras por justiça, direitos e equidade

A obra, que reúne a inspiração na Carta da Justiça do Tarot, elementos do imaginário afro-brasileiro e referências aos movimentos históricos de resistência pela luta dos direitos das mulheres negras, está situada em um bairro periférico da cidade de São Paulo
A artista visual e grafiteira Fany Lima e, atrás, sua obra “Sem Medo no Coração".

Foto: Nego Júnior

30 de dezembro de 2024

A artista visual e grafiteira Fany Lima transformou a fachada de um prédio na Rua Francesco Ciampi, no bairro da Fazenda da Juta, em São Paulo, em um símbolo da luta das mulheres negras por justiça, direitos e equidade social.

Com o megamural “Sem Medo no Coração”, que ocupa 130 metros quadrados, a artista entrelaça a simbologia ancestral do Tarot, elementos do imaginário afro-brasileiro e referências a movimentos históricos de resistência.

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A obra, que integra o projeto Museu de Arte de Rua (MAR), promovido pela Secretaria de Cultura da Prefeitura de São Paulo, é um chamado à liberdade, com ênfase nas questões de gênero, raça e ancestralidade.

O tarot e a justiça como inspiração

A obra tem como ponto de partida o arcano “A Justiça”, a 11ª carta do Tarot Smith-Waite. A escolha dessa simbologia não é por acaso. Ilustrada por Pamela Colman Smith no início do século XX, a carta representa, desde sua criação, uma reparação histórica: por décadas, o talento de Pamela foi ofuscado pelo nome de Arthur Edward Waite, organizador dos significados do baralho. Fany resgata essa história para abordar questões que vão além do individual, questionando direitos universais e coletivos.

“Meu interesse pelos baralhos surgiu como uma busca entre o artístico e o oracular, atraída pela sua riqueza estética e simbólica, que consegue entrelaçar conceitos complexos a imagens simples e cotidianas. A cartomancia é uma prática ancestral na Jurema Sagrada, que me leva a acreditar que nossas mãos são poderosos instrumentos de criação, cura e conexão. Tudo que fazemos com elas carregam um tanto da nossa magia. Então acredito que nessa obra consegui reunir de forma equilibrada um conjunto de referências que compõem minha vivência”, conta a artista Fany Lima.

Símbolos afro-brasileiros

No centro do mural, Fany reinterpreta a ilustração original de Pamela, que retrata a figura de uma mulher branca simbolizando a Justiça.

Na nova versão, a artista substitui essa representação por uma mulher negra, sentada em uma cadeira de plástico amarela, inserida em um cenário típico do cotidiano das periferias.

“É uma forma de deslocar o conceito de justiça deste lugar distante e torná-lo mais próximo do cotidiano, do comum, das ruas e esquinas, onde ela possa alcançar qualquer pessoa, especialmente os meus. Nem por isso a Justiça perde sua imponência, pelo contrário, ela ganha um novo significado de força e ação”, reflete a artista.

A figura central empunha duas espadas – uma de Ogum e outra de Iansã, orixás que representam força e proteção nas religiões de matriz africana. Em sua outra mão, ela segura uma balança que sustenta um coração, tão leve quanto uma pena, evocando Maat, a deusa egípcia da verdade e da justiça.

Ao fundo, o machado de Xangô, com suas lâminas duplas, reforça a conexão com a cosmovisão iorubá e com o candomblé no Brasil, compondo um diálogo profundo entre o visual e o espiritual.

Foto: Nego Júnior

“Minhas referências vêm da vivência espiritual e cultural”, diz Fany, que foi iniciada para orixá no Ilê Axé Ketu Egbé Oní, em Embu das Artes (SP).

Em Recife desde 2016, mergulhou no candomblé e na Jurema e virou juremeira no Ilê Axé Alaketu Oyá T’Ogun, no Quilombo do Catucá, em Camaragibe (PE). É nesse terreiro, que também funciona como centro cultural, que ela encontra inspiração para grande parte de sua produção artística.

A liberdade de não ter medo

A obra também homenageia mulheres negras que abrem caminhos nas encruzilhadas da vida, como Marielle Franco, representada na placa “Rua Marielle Franco”. Outras referências incluem o filme Poetic Justice, com Janet Jackson e Tupac Shakur, e a frase marcante de Nina Simone: “Liberdade é não ter medo”.

Para Fany, a liberdade representada na obra transcende a ausência de opressão: “A liberdade e a justiça andam lado a lado, principalmente no contexto histórico e social do nosso povo, das periferias brasileiras. É sobre lutar pelo que acredita, mas também pelo direito de ser quem se é, pelo bem viver”.

Raízes nordestinas

Localizado em uma região historicamente marcada por desafios socioeconômicos e fundado por migrantes nordestinos em 1977, o megamural “Sem Medo no Coração” dialoga com a identidade do bairro.

A própria história de Fany está profundamente ligada a essa migração. Filha de pais nordestinos, a artista nasceu em São Paulo em 1996, mas foi na periferia de Embu das Artes, cidade marcada por sua rica herança cultural e figuras como o recifense Solano Trindade, que ela cresceu. Solano, uma de suas maiores inspirações, deixou uma marca indelével em sua trajetória:

“Carrego comigo até hoje a frase dele que inclui na defesa da minha graduação em artes visuais na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE): ‘Pesquisar na fonte de origem e devolver ao povo em forma de arte’”. 

Essa conexão com o Nordeste se aprofundou quando ela se mudou para Recife, aos 20 anos, onde consolidou sua atuação no Movimento Hip Hop e ampliou suas referências culturais.

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