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Perseguição à população negra na ditadura foi destaque na Comissão da Verdade ‘Rubens Paiva’, em SP

Enquanto opositores políticos dos militares eram exterminados, a população negra, especialmente entre os pobres, foi esmagada pelas engrenagens do regime, deixando marcas que ecoam até hoje
Protesto do Movimento Negro Unificado em 1978. A maior entidade negra da América Latina surgiu em decorrência da repressão e violência de militares contra a população e o movimento negro.

Foto: Reprodução/Memórias da Ditadura

6 de janeiro de 2025

Na noite de domingo, 5 de janeiro, a atriz brasileira Fernanda Torres recebeu o Globo de Ouro de Melhor Atriz de Drama por sua atuação em “Ainda Estou Aqui”. A obra, baseada na história do ex-deputado Rubens Paiva, morto pela Ditadura Militar, revisitou o horror vivido por milhares de brasileiros durante o regime (1964–1985). 

Enquanto a trama se concentra no drama de uma família da classe média urbana, outro segmento da população — os negros — também sofreu perseguições implacáveis e permanece amplamente ausente das narrativas históricas mais conhecidas. Inclusive, Rubens Paiva dá nome a uma Comissão da Verdade do Estado de São Paulo que dedica um de seus tomos à perseguição da população negra pelos militares.

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A Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva” foi a primeira comissão estadual dessa natureza, criada pela Resolução n. 879, de 10 de fevereiro de 2012. A Comissão encerrou seus trabalhos em 14 de março de 2015.

O documento constata um debate atual: a resistência ao regime não se limitou a setores brancos da classe média. Jovens negros, como Abílio Clemente Filho, Carlos Marighella, Helenira Resende, Alceri Maria Gomes e Osvaldo Orlando da Costa conhecido como Osvaldão, enfrentaram tortura e assassinatos brutais ao lutar por democracia e direitos.

Contudo, a violência do regime contra a população negra transcendeu a militância política. Como maioria entre os pobres, os negros foram os mais atingidos pela repressão indiscriminada e pelas consequências de políticas excludentes.

Um Estado racista e opressor

Nas periferias e favelas, onde vivia grande parte da população negra, a repressão militar assumia formas específicas. Qualquer tentativa de organização comunitária ou cultural podia ser vista como subversiva e duramente reprimida.

Jovens negros, especialmente, eram constantemente vigiados, presos ou mortos sob acusações infundadas de envolvimento em atividades ilícitas. Na narrativa oficial, o negro pobre era frequentemente retratado como delinquente, reforçando estereótipos racistas e justificando práticas violentas.

Para além dos militantes conhecidos, muitos negros desapareceram sem que seus nomes fossem sequer registrados nos relatórios oficiais. A ausência de dados claros sobre essas vítimas invisíveis dificulta a tarefa de compreender a totalidade das violações ocorridas durante a ditadura.

Militantes negros mortos e desaparecidos na ditadura

Abílio Clemente Filho, estudante de Ciências Sociais da Unesp, foi sequestrado em 10 de abril de 1970, em Santos, São Paulo, quando se encontrava com um amigo na praia de José Menino. Ativista do movimento estudantil, Abílio foi uma das vítimas anônimas da ditadura, sem grande visibilidade no noticiário da época. 

Sua história foi revelada posteriormente, por meio de documentos encontrados no Arquivo Público de São Paulo, que indicam seu vínculo com militantes da ALN (Ação Libertadora Nacional).

Alceri Maria Gomes da Silva, outra militante negra, desapareceu em 17 de maio de 1970, em São Paulo, após se engajar na luta contra a ditadura e se envolver no movimento operário. Ela havia se mudado para São Paulo em busca de oportunidades para se organizar politicamente e, antes de ser assassinada, foi uma importante liderança no movimento estudantil. Sua morte foi ocultada pelas autoridades, que deram pouco ou nenhum esclarecimento à sua família.

A trajetória de Helenira Resende de Souza Nazareth, militante do PCdoB, foi marcada por sua resistência e atuação no Movimento Estudantil. Helenira, que também se tornou conhecida como “Preta”, foi perseguida desde os primeiros anos de sua militância e esteve envolvida na guerrilha do Araguaia. 

Seu desaparecimento, em 29 de setembro de 1972, é um dos casos mais emblemáticos de uma jovem negra que, além de ser uma liderança política, teve sua trajetória interrompida brutalmente. A militante foi capturada pelas forças militares e, após anos de resistência, foi dada como desaparecida.

Ieda Santos Delgado, desaparecida em 11 de abril de 1974, também fez parte da resistência ao regime, especialmente no apoio financeiro e logístico à Ação Libertadora Nacional (ALN). Sua atuação política foi silenciosa para muitos, mas sua ausência deixou um rastro de dor em sua família. Ieda, uma mulher negra com uma formação acadêmica sólida, foi presa, torturada e, em um primeiro momento, o governo negou informações sobre seu paradeiro. 

Com o tempo, surgiram rumores de que Ieda havia sido torturada e talvez estivesse viva em algum lugar, mas esses relatos nunca foram confirmados. Sua mãe nunca recebeu explicações oficiais, nem uma resposta do governo ou do regime militar.


Santos Dias, trabalhador e militante operário, é outro exemplo de como a repressão se abateu sobre os negros que se organizaram nas fábricas e no campo. Em 30 de outubro de 1979, ele foi morto por um policial militar durante uma manifestação em São Paulo, na qual tentava impedir a agressão de outros trabalhadores.

As histórias de Abílio, Alceri, Helenira, Ieda e Santos Dias foram levantadas em pesquisa da CEV “Rubens Paiva” no Dossiê da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Os registros completos dos nomes citados e das outras 36 pessoas negras desaparecidas e assassinadas estão documentadas neste link.

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  • Giovanne Ramos

    Jornalista multimídia formado pela UNESP. Atua com gestão e produção de conteúdos para redes sociais. Enxerga na comunicação um papel emancipatório quando exercida com responsabilidade, criticidade, paixão e representatividade.

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