Nesta quinta-feira (6), completam-se dez anos da Chacina do Cabula, uma operação policial que resultou na morte de 12 jovens negros no bairro do Cabula, em Salvador (BA). Os jovens com idades entre 15 e 28 anos foram baleados e outras seis pessoas ficaram gravemente feridas. Até hoje o caso segue sem resolução.
Oito policiais militares foram inicialmente acusados pelos assassinatos, mas a absolvição deles em 2018 foi anulada, após um pedido de reavaliação do Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA). Atualmente, o caso permanece em segredo de justiça e, em 2022, a maioria dos réus ainda estavam em serviço ativo na Polícia Militar. A chacina segue um padrão de impunidade, com o processo judicial se arrastando por anos sem resultados concretos.
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Versões conflitantes e a resistência da Justiça
Segundo a versão da Polícia Militar, a ação foi uma resposta a um suposto confronto com o grupo de jovens, que, segundo os policiais, planejavam um roubo a banco. A PM alegou que as vítimas estavam armadas e portavam coletes de camuflagem, mas essa versão foi refutada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que apontou fortes indícios de violência policial.
De acordo com o MP-BA, os policiais agiram de forma excessiva, “encurralando e executando sumariamente” os jovens, sem qualquer justificativa plausível.
Em maio de 2015, a denúncia contra os nove policiais foi aceita pela Justiça, mas, em julho de 2018, a juíza Marinalva Almeida Moutinho absolveu os acusados. A sentença foi anulada no mesmo ano e os PMs continuaram como réus.
A violência policial e o clima de impunidade
Dudu Ribeiro, historiador e cofundador da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, em entrevista à Alma Preta, pontuou que a Chacina do Cabula é um dos casos mais emblemáticos de violência policial na Bahia, pois revela um conjunto de fatores que envolvem impunidade e uma política de segurança pública falha.
“A falta de investigação rigorosa e a permanência dos policiais nas ruas demonstram um padrão de impunidade que incentiva a repetição dessas violências”, alerta Ribeiro. Ele também critica a priorização de investimentos no fortalecimento de forças especiais, como o Bope, em detrimento de mecanismos de investigação, o que compromete a resolução de crimes contra a vida.
Dudu menciona a postura recorrente dos governantes da Bahia, que, em vez de revisar protocolos e fortalecer a responsabilização policial, alinham a ideia de eficácia à letalidade. Para ele, a criação de unidades policiais como o Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), voltadas para operações militares, sem a devida estrutura de investigação, coloca a população em risco e perpetua o ciclo de violência, especialmente nas periferias e nas comunidades negras.
A Bahia e a escalada da violência policial
A Bahia lidera as estatísticas de chacinas policiais no Brasil, com ações violentas que resultam em múltiplas mortes em um único episódio. Essas chacinas, como a do Cabula, não são tratadas com a devida gravidade e responsabilidade, o que perpetua um ambiente de letalidade.
“Tanto a absolvição sumária dos policiais em um primeiro momento quanto a permanência deles na ativa passam uma mensagem clara para a tropa: há respaldo institucional para execuções extrajudiciais”, destaca Ribeiro. “Isso cria um ambiente de impunidade que incentiva a perpetuação de procedimentos violentos”, acrescenta.
Dudu Ribeiro conclui que a solução para esse cenário é o investimento em investigação, a adoção de protocolos de segurança que priorizem a vida e a responsabilização dos responsáveis pelas mortes.
“O Brasil não foi condenado por esse caso em uma corte internacional, mas há, atualmente, uma intensa campanha que trouxe visibilidade, inclusive, a uma fala do governador da época. Talvez essa seja uma das mensagens mais tristes desse processo, pois reflete uma postura recorrente na Bahia do ponto de vista da hierarquia: a manutenção de um discurso que tenta aliar eficácia e eficiência à letalidade”, reflete o historiador.