As comunidades tradicionais da ilha de Boipeba, localizada no município de Cairu (BA), denunciam pressões e assédio para aceitarem empreendimentos turísticos que podem comprometer suas formas de vida. A mais recente ameaça envolve o projeto “Encantos de Boipeba”, um complexo hoteleiro planejado pela empresa Perville, que pretende ocupar 200 hectares da ilha, incluindo as regiões de Moreré, Tacimirim, Pedra de Santa Luzia e Coeira.
Moradores relatam que servidores do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA), órgão ambiental do estado da Bahia, tentam persuadir as comunidades a aceitarem os empreendimentos, desconsiderando seus direitos territoriais e ambientais.
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De acordo com as comunidades, no dia 5 de fevereiro, representantes do INEMA e da Perville convocaram uma reunião de última hora com pescadores e quilombolas de Moreré para defender o projeto e oferecer empregos em troca do apoio da comunidade.
Durante o encontro, um membro da Associação Quilombola de Moreré teria expressado indignação com a tentativa de limitar o acesso dos moradores à praia e contestou a estratégia de dividir as comunidades em reuniões separadas.
Pressão e intimidação contra lideranças quilombolas de Boipeba
Após a reunião, as tentativas de convencimento continuaram. Ainda segundo as comunidades, no dia seguinte, uma servidora do INEMA, identificada como Lolita Garrido, foi até a casa de uma liderança da Associação Quilombola de Boipeba para insistir na adesão ao projeto.
A filha grávida do líder comunitário foi abordada e constrangida na porta de casa pela representante do órgão ambiental, que aguardava o quilombola para uma conversa.
A empresa Perville, do empresário italiano Fábio Perini, já foi notificada por desmatamento ilegal na Área de Proteção Ambiental (APA) das Ilhas de Tinharé e Boipeba. Desde 2017, há tentativas de implementação do empreendimento e uma audiência pública realizada em 2019 teve baixa participação da comunidade, que estava mobilizada na limpeza das praias após o derramamento de petróleo que atingiu o litoral nordestino.
Desrespeito à legislação e envolvimento do INEMA
O Brasil é signatário da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que determina que qualquer empreendimento em territórios indígenas ou quilombolas deve ter autorização prévia, livre e informada das comunidades locais. No entanto, as ações do INEMA são vistas pelos moradores como uma tentativa de burlar esse processo e facilitar a aprovação dos empreendimentos.
A desconfiança da população com o INEMA não é recente. O órgão já autorizou projetos sem considerar impactos ambientais e sociais, incluindo o Mangaba Cultivo de Coco LTDA, que pretendia construir duas pousadas, um parque aquático, um aeródromo e um campo de golfe, ocupando cerca de 20% da ilha e desmatando ilegalmente 16 milhões de metros quadrados de vegetação nativa.
O Ministério Público Federal (MPF) já apontou arbitrariedades na atuação do INEMA e enviou um ofício, em março de 2023, ao secretário de Meio Ambiente da Bahia, Eduardo Sodré Martins, denunciando que o órgão tem sido um obstáculo para a garantia de direitos das comunidades tradicionais.
No documento, o MPF destaca que o INEMA ignora recomendações para não autorizar empreendimentos em áreas públicas federais. O texto chega a questionar: “Qual parte o INEMA não entendeu? Ou não quer entender?”.
Apesar das pressões, as comunidades quilombolas e pesqueiras de Boipeba seguem mobilizadas para garantir a preservação de seus territórios. Com processos de regularização fundiária em andamento na Secretaria de Patrimônio da União (SPU), os moradores esperam que o Estado reconheça seus direitos e impeça a destruição ambiental e social da ilha.
A Alma Preta entrou em contato com a empresa Perville e o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA) da Bahia para um posicionamento sobre a denúncia, mas não houveram retornos até o fechamento do texto. O espaço segue aberto.