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Comunidades tradicionais da Bahia são pressionadas a aceitar empreendimentos turísticos

Moradores acusam servidores do INEMA/BA de pressionar quilombolas e pescadores para aceitarem projetos que violam direitos territoriais e ambientais
Registro de moradores das comunidades tradicionais de Boipeba, ilha localizada no litoral da Bahia, onde denunciaram violações de direitos durante uma audiência pública, em abril de 2022.

Registro de moradores das comunidades tradicionais de Boipeba, ilha localizada no litoral da Bahia, onde denunciaram violações de direitos durante uma audiência pública, em abril de 2022.

— Reprodução/Defensoria Pública da Bahia

11 de fevereiro de 2025

As comunidades tradicionais da ilha de Boipeba, localizada no município de Cairu (BA), denunciam pressões e assédio para aceitarem empreendimentos turísticos que podem comprometer suas formas de vida. A mais recente ameaça envolve o projeto “Encantos de Boipeba”, um complexo hoteleiro planejado pela empresa Perville, que pretende ocupar 200 hectares da ilha, incluindo as regiões de Moreré, Tacimirim, Pedra de Santa Luzia e Coeira.

Moradores relatam que servidores do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA), órgão ambiental do estado da Bahia, tentam persuadir as comunidades a aceitarem os empreendimentos, desconsiderando seus direitos territoriais e ambientais.

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De acordo com as comunidades, no dia 5 de fevereiro, representantes do INEMA e da Perville convocaram uma reunião de última hora com pescadores e quilombolas de Moreré para defender o projeto e oferecer empregos em troca do apoio da comunidade. 

Durante o encontro, um membro da Associação Quilombola de Moreré  teria expressado indignação com a tentativa de limitar o acesso dos moradores à praia e contestou a estratégia de dividir as comunidades em reuniões separadas.

Pressão e intimidação contra lideranças quilombolas de Boipeba

Após a reunião, as tentativas de convencimento continuaram. Ainda segundo as comunidades, no dia seguinte, uma servidora do INEMA, identificada como Lolita Garrido, foi até a casa de uma liderança da Associação Quilombola de Boipeba para insistir na adesão ao projeto. 

A filha grávida do líder comunitário foi abordada e constrangida na porta de casa pela representante do órgão ambiental, que aguardava o quilombola para uma conversa.

A empresa Perville, do empresário italiano Fábio Perini, já foi notificada por desmatamento ilegal na Área de Proteção Ambiental (APA) das Ilhas de Tinharé e Boipeba. Desde 2017, há tentativas de implementação do empreendimento e uma audiência pública realizada em 2019 teve baixa participação da comunidade, que estava mobilizada na limpeza das praias após o derramamento de petróleo que atingiu o litoral nordestino.

Desrespeito à legislação e envolvimento do INEMA

O Brasil é signatário da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que determina que qualquer empreendimento em territórios indígenas ou quilombolas deve ter autorização prévia, livre e informada das comunidades locais. No entanto, as ações do INEMA são vistas pelos moradores como uma tentativa de burlar esse processo e facilitar a aprovação dos empreendimentos.

A desconfiança da população com o INEMA não é recente. O órgão já autorizou projetos sem considerar impactos ambientais e sociais, incluindo o Mangaba Cultivo de Coco LTDA, que pretendia construir duas pousadas, um parque aquático, um aeródromo e um campo de golfe, ocupando cerca de 20% da ilha e desmatando ilegalmente 16 milhões de metros quadrados de vegetação nativa.

O Ministério Público Federal (MPF) já apontou arbitrariedades na atuação do INEMA e enviou um ofício, em março de 2023, ao secretário de Meio Ambiente da Bahia, Eduardo Sodré Martins, denunciando que o órgão tem sido um obstáculo para a garantia de direitos das comunidades tradicionais.

No documento, o MPF destaca que o INEMA ignora recomendações para não autorizar empreendimentos em áreas públicas federais. O texto chega a questionar: “Qual parte o INEMA não entendeu? Ou não quer entender?”.

Apesar das pressões, as comunidades quilombolas e pesqueiras de Boipeba seguem mobilizadas para garantir a preservação de seus territórios. Com processos de regularização fundiária em andamento na Secretaria de Patrimônio da União (SPU), os moradores esperam que o Estado reconheça seus direitos e impeça a destruição ambiental e social da ilha.

A Alma Preta entrou em contato com a empresa Perville e o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA) da Bahia para um posicionamento sobre a denúncia, mas não houveram retornos até o fechamento do texto. O espaço segue aberto.

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  • Giovanne Ramos

    Jornalista multimídia formado pela UNESP. Atua com gestão e produção de conteúdos para redes sociais. Enxerga na comunicação um papel emancipatório quando exercida com responsabilidade, criticidade, paixão e representatividade.

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