Organizações sociais da América Latina e do Caribe entregaram nesta quinta-feira (17) uma carta aberta ao governo francês exigindo reparação ao Haiti pelos danos causados pela dívida cobrada no século XIX como condição para o reconhecimento da independência do país.
A reivindicação ocorre no marco dos 200 anos da cobrança de 150 milhões de francos feita pela França, valor considerado determinante para a crise econômica e humanitária vivida hoje no território haitiano.
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Segundo os signatários, que incluem movimentos populares, coletivos e organizações de base, “é hora de a França reconhecer, restaurar e reparar essa dívida com o povo do Haiti”. A Anistia Internacional também apoia a iniciativa e afirma que os efeitos dessa dívida ainda repercutem nas estruturas sociais e econômicas do país.
Reconhecimento sem reparação
O presidente francês Emmanuel Macron reconheceu oficialmente que a dívida imposta ao Haiti foi uma injustiça histórica e anunciou a criação de uma comissão conjunta franco-haitiana para analisar os impactos da relação colonial entre os dois países.
A comissão deverá apresentar recomendações para os dois governos, mas até o momento não há qualquer indicação de compensação financeira por parte da França.
Em declaração oficial, Macron afirmou: “Reconhecer a verdade da história é recusar o esquecimento e o apagamento. Cabe também à França assumir sua parcela de verdade na construção da memória”.
Impactos da dívida histórica
A dívida imposta em 1825 foi firmada sob pressão militar da frota francesa e levou o Haiti a contrair empréstimos com bancos franceses, alemães e americanos para cumprir o acordo. Estima-se que o país caribenho tenha desembolsado cerca de US$ 560 milhões ao longo de mais de um século.
Se esse valor tivesse sido investido internamente, a economia haitiana teria acumulado cerca de US$ 21 bilhões, segundo cálculos de organizações internacionais.
A Anistia Internacional afirmou que, em 1900, 80% do orçamento nacional do Haiti era destinado ao pagamento da dívida externa. A carta entregue ao governo francês reforça que “a riqueza do povo haitiano foi usada para beneficiar a França, ajudando a torná-la uma das maiores economias do mundo”.
Crise atual como herança colonial
O Haiti enfrenta atualmente uma grave crise humanitária. Mais da metade da população sofre com fome aguda e mais de 80% da capital, Porto Príncipe, está sob controle de gangues armadas. Organizações latino-americanas e caribenhas apontam que a situação de insegurança e pobreza no país decorre de “dois séculos de asfixia neocolonial”.
O Haiti conquistou sua independência em 1804, após derrotar os exércitos da França, Inglaterra e Espanha. Foi a primeira nação negra livre do mundo e o primeiro país das Américas a abolir a escravidão. No entanto, sua liberdade só foi reconhecida pela França em 1825, mediante o pagamento da dívida que compensava os ex-colonos franceses por perdas de terras e escravizados.
A dívida levou 122 anos para ser quitada, consumindo recursos que poderiam ter sido destinados à infraestrutura, saúde e educação. A imposição dessa dívida é apontada por especialistas como fator estruturante da condição de pobreza que atinge o país até os dias atuais.
Texto com informações da Agência Brasil.