Um estudo da Universidade de São Paulo (USP) revelou que bairros periféricos da capital paulista registram temperaturas significativamente mais altas do que regiões centrais. A diferença chega a 8,8 °C no verão, resultado de um processo de urbanização desigual que molda microclimas distintos na cidade.
A pesquisa foi desenvolvida por Fernando Rocha Reis, mestre em geografia física pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP), com orientação de Caroline Freire, doutoranda em climatologia.
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A dissertação analisou como a configuração urbana, a cobertura vegetal e a infraestrutura impactam a sensação térmica em bairros de perfis socioeconômicos distintos. O trabalho comparou dados de temperatura e umidade entre os distritos da Vila Jacuí, na Zona Leste, e do Jardim Paulista, na região de Pinheiros.
Os dois extremos foram escolhidos com base no Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) e no Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS).
Diferenças estruturais e climáticas
Os resultados mostram que áreas com menor IDHM, como a Vila Jacuí (0,736), concentram construções com pouco espaçamento, uso intenso do solo e reduzida arborização. Já o Jardim Paulista, com IDHM de 0,942, possui áreas mais sombreadas, maior vegetação e estrutura urbana com maior ventilação natural.
Higrômetros instalados em pontos estratégicos dos dois distritos registraram temperaturas mais altas e menor umidade na Vila Jacuí em todas as estações. No inverno, a diferença de temperatura chegou a 7,9 °C; no verão, alcançou 8,8 °C. A coleta de dados foi realizada entre julho e agosto (representando o inverno) e entre janeiro e fevereiro (representando o verão).
Efeitos na saúde e no bem-estar
A desigualdade térmica observada preocupa pesquisadores por seus efeitos sobre a saúde da população. “Pode gerar, inclusive, uma questão de saúde pública se as pessoas são expostas a essas condições por muito tempo”, afirma Caroline Freire em relato ao Jornal da USP.
O aumento do calor em áreas vulneráveis, somado à precariedade habitacional, eleva os riscos de doenças respiratórias, cardiovasculares e outras complicações relacionadas ao estresse térmico.
Fernando Reis destaca em entrevista ao Jornal da USP que não se trata apenas de medir temperaturas, mas de entender como a população sente essas variações. “Queria saber como as pessoas sentem essas diferenças de temperatura de forma desigual”, explica.
Soluções baseadas na natureza
A pesquisa também investigou o impacto das hortas comunitárias mantidas pelas Mulheres do GAU (Grupo de Agricultura Urbana) na Vila Jacuí. Os dados indicam que essas áreas verdes reduziram em até 5,9 °C a temperatura local em relação aos seus entornos imediatos. Para os autores do estudo, tais iniciativas configuram Soluções Baseadas na Natureza (SbN) e devem ser estimuladas por políticas públicas.
Além de atenuar o calor urbano, as hortas geram renda e promovem segurança alimentar para as comunidades onde estão inseridas. A valorização de áreas verdes nas periferias, segundo o estudo, é uma estratégia viável para mitigar os efeitos da desigualdade climática nas grandes cidades.
Urbanização e emergência climática
A dissertação conclui que a forma como a cidade de São Paulo se expandiu acentuou desigualdades não só sociais, mas também ambientais. A relação direta entre vulnerabilidade social e exposição ao calor extremo é um alerta para planejadores urbanos e gestores públicos.
O estudo propõe que o planejamento das cidades considere as particularidades climáticas locais e os impactos diferenciados da urbanização sobre a população.
A pesquisa completa está disponível na íntegra neste link.