O segmento de influenciadores digitais negros ultrapassou barreiras no decorrer dos anos e ocupou espaços de destaque na internet. Para além do ativismo racial, de gênero ou LGBTQIA+, o sucesso chegou para os mais diversos nichos e assuntos, como beleza, comportamento, moda, finanças e humor.
Com milhares de seguidores assíduos, os influenciadores negros têm conseguido passar sua mensagem e garantir a representatividade negra em espaços antes compostos apenas por pessoas brancas. É o caso da Neggata, comunicadora multifacetada que vem se reinventando na internet desde 2014. Com 108 mil seguidores no Instagram e 70 mil no YouTube, a influencer já alcançou 6 milhões de visualizações nas redes, e acredita que a internet foi a porta de entrada para que ela pudesse compartilhar suas ideias.
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“Eu não escolhi trabalhar como criadora de conteúdo simplesmente aconteceu, foi orgânico. Minha trajetória foi bastante solitária, sempre fui minha própria equipe. Minha irmã me auxiliava com as edições dos vídeos para o YouTube, e sem o auxílio dela jamais conseguiria ter me mantido nas redes”, relembra. Para a ela, é necessário “espaço, oportunidade e dinheiro” para influenciadores negros conseguirem consolidar suas carreiras na internet.
Neggata, que é natural de Brasília (DF) e cientista social, não parou diante das dificuldades e galgou degraus até alcançar o sucesso. Passagens no comitê gestor do AfroAtitude e na Anistia Internacional marcam seu currículo. Em 2014, ela iniciou o seu canal no Youtube e viralizou dentro e fora da internet com o projeto #AhBrancoDaUmTempo, que lhe rendeu até mesmo uma participação no programa ‘Encontro com Fátima Bernardes’.
Como Youtuber, foi selecionada em 2018 para o NEXT UP, o concurso global do YouTube de desenvolvimento de canais. E em 2019, foi selecionada pelo “Creators Boost” promovido pela YOUPIX, o único programa de desenvolvimento de creators da América Latina. Em 2020, a comunicadora viralizou novamente, alcançando dois milhões de views no Instagram com a publicação do vídeo-desabafo sobre antirracismo, após o assassinato de George Floyd, caso de grande repercussão de violência policial nos EUA.
No início de 2021, o #YoutubeBlack, ‘Vozes Negras’, projeto dedicado a destacar e promover o crescimento de influenciadores, criadores e músicos negros no Youtube, presente em sete países, selecionou 35 brasileiros, dentre eles, criadores de conteúdo e artistas. Neggata foi uma das escolhidas para receber um financiamento para investir na melhoria dos conteúdos e estrutura dos seus canais. Outros nomes como Péricles, MC Carol, AD Junior e Ana Paula Xongani estão entre os selecionados.
A partir deste fomento, Neggata volta aos holofotes da internet, com o ‘NeggataPod’, videocast de base ‘artivista’, em que a criadora de conteúdo conversa com pessoas, majoritariamente negras e plurais em seus aspectos culturais e religiosos. Os primeiros convidados do projeto foram Bia Ferreira e Jonathan Ferr.
“Depois que peguei o embalo, entendi que você deve buscar ser original em tudo o que você faz, pois a internet muitas vezes te coloca uma forte pressão para que você mostre aquilo que você não é, só pelo intuito dos likes. A fama foi e é só uma consequência de tudo que eu já fiz até aqui, vejo ela como um reconhecimento”, destaca a influencer.
Produção
Manter-se em evidência nem sempre é uma tarefa fácil para influenciadores digitais negros, segundo Ana Paula Xongani. A criadora de conteúdo, que conta com 207 mil seguidores no Instagram e 95,3 mil no YouTube, afirma que iniciou a carreira muito em função do Ateliê Xongani de Moda Afro, com tutoriais de looks e amarrações de turbantes. Na época, Ana Paula relembra que fazia um post por dia para evidenciar seu trabalho, mas que isso mudou no decorrer do tempo.
“Hoje entendo que o ritmo sou eu que coloco. Claro que existe uma perenidade importante, mas preciso sentir o que quero postar e respeito muito isso. Mas, no geral, meus números vão crescendo aos poucos. Não me preocupo tanto com isso, especificamente”, conta Xongani.
Já Neggata ressalta que o fluxo de trabalho é bastante dinâmico e exige constância, foco, concentração e muito cuidado com a saúde mental. A influencer conta que, atualmente, divide o trabalho na internet com uma equipe de seis pessoas.
“É um fluxo muito louco, tão louco que descobri uma depressão no meio desse processo. A internet nos exige muito e, nela, a gente encontra muitas pessoas que jogam as frustrações delas em você, e é preciso ter sabedoria e proteção para lidar com isso”, destaca a influenciadora.
Vida pública, particular e saúde mental
“Os influenciadores e criadores de conteúdo precisam e necessitam de ajuda profissional para lidar com a exposição e a pressão do mercado, senão ninguém aguenta a pressão”, avalia Neggata.
A influenciadora diz que atualmente cuida da saúde mental e pratica atividades físicas para lidar com a ansiedade e equilibrar a vida pessoal com a vida pública. “Não é fácil conciliar, no meu caso, vejo minhas redes como um trabalho e, dificilmente, falo sobre minha vida pessoal. Mas hoje em dia tenho mudado minha visão sobre isso, porque acredito que seja importante e humano falar sobre minhas fragilidades também”, acredita.
Já Ana Paula Xongani destaca que alguns influenciadores gostam de ter a vida mais exposta, enquanto outros são mais reservados. Ela afirma que atualmente expõe a vida pessoal na web, mas apenas uma pequena parte. “Reservo bastante espaço para a vida offline, sobretudo, com minha filha e meu companheiro”, comenta.
Xongani fala ainda sobre a importância da manutenção da saúde mental dos influenciadores digitais, principalmente por conta da complexidade que a exposição acarreta.
“As expectativas que a gente cria, que as marcas criam, e também o público, exercem pressões diferentes no nosso corpo e na nossa mente. Além disso, a forma que o mercado ainda lida com criadores negros requer um fortalecimento extra, principalmente em novembro. Hoje, medito, faço terapia, e cuido demais dos meus momentos de lazer com as pessoas que amo. Isso tudo me sustenta”, pondera.
Já Negatta destaca um ponto que pode prejudicar os influenciadores negros, sobretudo, sua saúde mental: o cancelamento. “Tenho amigos que são marcados psicologicamente com essas questões. Acho que as pessoas não entendem que cancelar é quase como anular a sua existência e isso é muito sério, porque é uma violência. Sobre os julgadores, acho que eles precisam experienciar a exposição e ter coragem de mostrar suas opiniões e vulnerabilidades, antes de querer cancelar alguém”, diz.
O sucesso para além dos números
Não somente os números altos de seguidores e visualizações determinam o sucesso de influenciadores digitais negros. É o caso de Nath Braga, a mais recente ganhadora do 15º Troféu Mulher Imprensa na categoria “Editoria de Diversidade”. Jornalista e criadora de conteúdo, Nathália Braga é apresentadora e roteirista do ‘Resumo da Semana’ no The Intercept Brasil. Seu canal já teve mais de 600 mil visualizações, abordando temas como sexualidade, infância, gênero e questões raciais. Ela é co-fundadora do ‘Influência Negra’, e ex-diretora do podcast da plataforma, que recebeu o prêmio Sim à Igualdade Racial em 2021. “É um reconhecimento muito bonito”, diz Nathalia.
Nath conta que em cinco anos de carreira como influenciadora digital ainda busca ampliar o número de seguidores, mas que já colhe os frutos de seu trabalho. Aos poucos, ela conseguiu comprar equipamentos para produzir materiais para a internet e explica as dificuldades que os influenciadores digitais negros encontram no caminho.
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“Acredito que, se é para falar de fama, sim, agora estou colhendo muitos frutos dessa jornada e isso só é possível graças a pelo menos três coisas: meu lado estrategista, a ajuda de muitas pessoas e o fato de que precisei encarar uma jornada dupla de trabalho para investir na vida de influenciadora. As melhorias nas minhas redes sociais rolaram à medida em que comecei a empreender e estagiar no jornalismo”, conta.
Reinvenção e futuro
“É a hora da ‘renovação de votos’ entre influenciadores e a audiência. O tempo passa, criadores de conteúdo vivem novas experiências e os interesses mudam — ou se expandem — naturalmente”, destaca Nath Braga. Ela explica que os influenciadores, no decorrer do tempo, tendem a encerrar uma temática em seus conteúdos para abrir os olhos para novos horizontes.
Para o futuro, a criadora de conteúdo comenta que está em processo de edição de seu primeiro documentário, que fala sobre crianças influenciadoras. “Acho uma forma excelente de se fazer jornalismo e, ao mesmo tempo, de trabalhar a curiosidade das pessoas”, destaca. Ela ainda pretende voltar a fazer podcast e, a longo prazo, publicar seu primeiro livro e conquistar um espaço como apresentadora de TV.
Neggata diz que seu próximo passo também é ir para a televisão. Ela diz que tem planos de iniciar a carreira como roteirista e diretora, ocupando cargos que exijam mais do que sua beleza e explorem sua intelectualidade. “Eu sou múltipla, e a cada dia me descubro um pouco mais. Demorei muito pra poder exercer meu talento, então é algo que ainda estou construindo”, destaca.
Já Ana Paula Xongani, que se auto intitula “faz-tudo”, afirma que já chegou na laje e agora almeja os arranha-céus. “Tenho uma paixão, sim: o trabalho como apresentadora. Amo demais e, modéstia à parte, levo muito jeito. Adoro apresentar ideias, programas, entrevistar pessoas. É um trabalho que me deixa muito feliz e que, certamente, teremos novidades em breve”, finaliza a influenciadora.
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