O Ministério da Saúde do Sudão informou nesta terça-feira (27) que pelo menos 172 pessoas morreram por cólera em uma semana. Mais de 2.700 novos casos foram registrados no mesmo período, a maioria em Cartum, capital do país.
O avanço da doença coincide com o agravamento da guerra civil iniciada em abril de 2023 entre as Forças Armadas sudanesas, lideradas por Abdel Fatah al-Burhan, e os paramilitares das Forças de Apoio Rápido (RSF), chefiados por Mohamed Hamdan Daglo.
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Segundo o governo, cerca de 90% dos casos foram registrados em Cartum, onde ataques de drones destruíram estações elétricas e causaram a interrupção do fornecimento de água potável. A população passou a consumir água contaminada, contribuindo para o aumento dos casos da doença.
Colapso de serviços e infraestrutura
A cólera é uma infecção intestinal aguda causada por alimentos ou água contaminados. Embora evitável e tratável, a doença pode matar em poucas horas quando não há acesso a saneamento básico e atendimento médico. O Sudão já enfrentava surtos esporádicos da doença, mas o conflito armado tornou esses episódios mais frequentes e severos.
De acordo com Médicos Sem Fronteiras (MSF), os ataques destruíram as estações de tratamento de água, agravando a contaminação. Em Cartum, os bombardeios afetaram três centrais elétricas que mantinham em funcionamento a rede de distribuição de água.
Raphael Macieira, engenheiro civil e especialista em Água e Saneamento da MSF, esteve no Sudão em outubro de 2024 e relatou à Alma Preta, em março, o cenário de colapso.
“As estações de tratamento de água não funcionavam porque a infraestrutura estava destruída ou sem energia. A cada novo ataque, os sistemas colapsavam novamente. Isso fez com que a população recorresse a fontes de água contaminadas, o que agravou a disseminação da cólera”, disse em entrevista.
Falta de resposta internacional
A guerra no Sudão já provocou a morte de dezenas de milhares de pessoas e o deslocamento forçado de mais de 13 milhões. A sobrecarga nos centros urbanos e campos de deslocados internos têm contribuído para a rápida propagação da doença.
Macieira relatou que, durante sua missão, encontrou cidades que haviam dobrado de população em poucos meses. “Uma cidade que antes tinha 40 mil habitantes passou a ter 80 mil, sobrecarregando os serviços básicos”, afirmou.
O especialista também criticou a ausência de cobertura midiática e a baixa mobilização da comunidade internacional em relação à crise. “Quase ninguém no Brasil sabe o que está acontecendo aqui. A naturalização do sofrimento do povo africano dificulta a mobilização de ajuda. Se essa crise ocorresse em outro contexto, a resposta internacional seria muito mais rápida”, afirmou.
Para Macieira, é urgente pressionar por ações coordenadas. “Precisamos cobrar posicionamentos e garantir que essa tragédia não passe despercebida. Sem uma ação concreta, quem sofre é a população”, concluiu.